Como pudemos constatar ao longo da realização deste trabalho, as histórias são um recurso muito importante na vida de qualquer criança. Nunes e Soares (2022), a este respeito, referem que “a diversidade de histórias traz benefícios para todas as crianças, pois, ao oferecer-se uma pluralidade de histórias, multiplicam-se as experiências oferecidas ao grupo de crianças” (p.125).
Este aspeto é particularmente importante nas crianças com MD, pelas limitações severas que apresentam e que condicionam o acesso à informação, à comunicação e à interação com o mundo. Portanto, necessitam de muita compreensão, tolerância e de ações diligentes por parte dos adultos para proporcionar momentos de aprendizagem e de bem-estar
Neste sentido, as HMS constituem, na nossa opinião, excelentes recursos para aproximar estas crianças da atividade de leitura, promovendo diversas competências, tais como o estímulo sensorial, a comunicação, a literacia e a interação social. Com efeito, contar histórias é “a arte da relação a qual prolonga a experiência de comunicação, tornando-se um terreno fértil para o desenvolvimento de emoções experienciadas, bem como um facilitador de encontros e do estabelecimento de relações interpessoais, aproximando as pessoas” (Nunes et al., 2020, p.11). Não será esta “arte da relação” o aspeto mais importante para conseguir alcançar todos os outros objetivos? Não será, acima de tudo, o afeto, ou seja, o sentimento de pertença, basilar para que todas as outras competências possam emergir e se desenvolver? Acreditamos que sim. A este propósito, Viana (2002) indica que a “descoberta da história pela voz de alguém de quem se gosta é uma experiência carregada de afetividade e potencializa ganhos cognitivos e linguísticos” (p.47).
Com base nestas considerações, que surgiram através das pesquisas feitas sobre este tema, partimos para a construção da HMS “Um dia na praia” para também podermos constatar os efeitos benéficos e cativantes deste recurso.
Em primeiro lugar, a construção do livro foi um processo desafiante, não só pela história em si, que teria de obedecer a todas as características definidas pela literatura, mas, sobretudo, pela seleção dos estímulos sensoriais. Nem sempre foi fácil encontrar aqueles que realmente desejávamos e que tínhamos idealizado.
Depois de preparado todo o material, experimentámos contar a história a crianças das nossas famílias e a grupos de crianças do berçário, creche e da educação pré-escolar das escolas onde trabalhamos. Tivemos também a oportunidade de a contar a jovens e adultos com MD. Estas experiências foram muito profícuas, pois em todos os contextos fomos recebidas de forma entusiástica por todos, que estavam ávidos por ouvir a história e descobrir os materiais.
Depois destas primeiras experiências, partimos com alguma expectativa para o conto da HMS no Núcleo de Intervenção Precoce Integrada (NIPI), inserido no Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian. O balanço foi muito positivo, já que as crianças estavam visivelmente recetivas e os seus comportamentos revelaram motivação e satisfação por ouvirem e explorarem os estímulos sensoriais.
Sabemos, pelas várias pesquisas que empreendemos, que os efeitos benéficos do conto das HMS em pessoas com MD começam a ser visíveis ao fim de várias sessões de repetição da mesma história. Com efeito, a Educadora Maria João Moreira, coordenadora do NIPI, confirmou esta informação em conversa informal, esclarecendo que os meninos a quem conta HMS já estão habituados a esta dinâmica e que têm já alguns comportamentos que revelam a capacidade de memória, de antecipação e motivação perante a atividade. Contudo, é um processo demorado e trabalhoso, no qual tudo tem de ser pensado e dinamizado de forma muito criteriosa: natureza, intensidade e duração dos estímulos, entoação, inflexão de voz, entre outros aspetos. Frisou, no entanto, que é uma atividade muito aprazível para os ouvintes e contador, tal como podemos constatar.
Contar as HMS implica ler a mesma página a cada uma das crianças antes de avançar para a próxima sequência narrativa. Este procedimento leva a que esta atividade demore algum tempo e possa criar alguma desatenção ou a comportamentos menos adequados por parte das crianças. Não obstante, no NIPI isto não aconteceu, nem connosco, enquanto contadoras de histórias, nem quando assistimos à sessão dinamizada pela Educadora Maria João Moreira. Sentimos estes comportamentos aquando do conto da nossa HMS a crianças neurotípicas da creche e educação pré-escolar. A curiosidade e impaciência de algumas era tanta que gerou alguns choros e comportamentos mais intempestivos.
Concluímos também, pelas pesquisas que fizemos, que as HMS são pouco conhecidas em Portugal. Existem poucos estudos e, na internet, a informação disponível a este respeito é escassa e apresenta imprecisões. Neste sentido, construímos este site para, de uma forma clara, estruturada e acessível, divulgar as HMS como prática promotora de inclusão. Por isso, acrescentamos a HMS “Um dia na praia” em formato áudio, em Língua Gestual Portuguesa e em Comunicação Aumentativa e Alternativa. É nosso desejo contribuir para que este tipo de atividade seja mais conhecido e ampliado junto de crianças com diversidade funcional pelas muitas vantagens que oferece.
Findo todo este processo, agradecemos à Professora Doutora Clarisse Nunes pela orientação e apoio ao longo deste trabalho, e pela disponibilidade e acolhimento da Educadora Maria João Moreira, coordenadora do NIPI. Temos consciência de que foi um percurso desafiante, mas muito proveitoso, tendo contribuído para o nosso conhecimento e melhoria de práticas educativas.
Portanto, consideramos que este não é um fim de uma etapa, mas sim o seu início. Deixámo-nos deslumbrar e envolver pelas HMS e pelas suas potencialidades. Integraremos, com toda a certeza, este recurso na nossa prática educativa, através da construção e conto de mais HMS, tentando sensibilizar a comunidade educativa e assim abrir mais (e diferentes) caminhos para a inclusão.
Nunes, C., Silva, E., Nobre, R., Miguel, T., Antunes, S., Rijo, C., & Grácio, H. (2020). Histórias multissensoriais: um projeto de literacia inclusiva. In O. Costa e Sousa, P.S. Ferreira, A. Estrela, & S. Esteves (Coords.), Investigação e Práticas em Leitura (pp.9-28). CIED (Centro Interdisciplinar de Estudos Educacionais) Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Lisboa. doi:10.34629/ipl/eselx/ebook.008
Nunes, C., & Soares, S. (2022). Contributo do conto de histórias na promoção do desenvolvimento social de uma criança com multideficiência. Da Investigação às Práticas: Estudos De Natureza Educacional, 12(1), 97-130. https://doi.org/10.25757/invep.v12i1.311
Viana, F. L. P. (2002). Melhor falar para melhor ler: um programa de desenvolvimento de competências linguísticas 4-6 anos. Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho. https://hdl.handle.net/1822/9354