Hoje em dia, além dos cursos institucionais, existem vários materiais acessíveis gratuitamente ou com baixo custo que ajudam a preparação de atividades, utilizando a linguagem do cinema. Sem mencionar que, desde a criação do DVD, muitos filmes antigos, das décadas de 1910, 1920 ou 1930, estão disponíveis nessa mídia. Sabe-se, no entanto, que a facilidade em localizar materiais de apoio e títulos de filmes varia conforme a cidade, a região ou o bairro e, portanto, uma dica muito simples é planejar com antecedência suas atividades de aprofundamento e análise dos filmes. É fundamental acreditar que o cinema vai além de seus intermináveis títulos de ação violenta, comédias adolescentes de baixo nível, dramas fáceis, e que é possível apresentar filmes mais “difíceis”, raros e pouco comercializáveis, até para que a escola possa ir além daquilo que já se sabe e já viu. Se o professor não acreditar nisso, seus alunos terão menos chances de aproveitar a atividade proposta.


TIPOS DE ABORDAGEM DO TRABALHO COM FILMES EM SALA DE AULA

Além de se constituir numa experiência cultural em si, trabalhar com filmes em situações escolares pode ter alguns tipos de abordagens básicas. O filme pode ser utilizado como um incremento de determinado conteúdo disciplinar, previsto nos parâmetros curriculares. Aliás, tradicionalmente, esta é a forma mais comum de tratamento do cinema em situações escolares. Vale registrar que o filme como “ilustração”, incremento e reforço de um conteúdo curricular, com exceção do ensino de línguas estrangeiras, não é a forma mais adequada, metodologicamente falando, de se utilizar o cinema na escola, embora possa ser a mais comum. Mudar essa perspectiva é tarefa de cada um de nós envolvidos com essa linguagem na sala de aula. Dito isto, destacamos duas formas mais instigantes e desafiadoras para o uso do cinema em sala de aula: a) O filme pode ser um “texto” gerador de debates articulados a temas previamente selecionados pelo professor. Esta abordagem pode ser mais adequada no trabalho com os Temas Transversais: cidadania, meio ambiente, sexualidade, diversidade cultural, etc. Em princípio, todos os filmes – “comerciais” ou “artísticos”, ficcionais ou documentais – são veículos de valores, conceitos e atitudes tratados nos Temas Transversais, com possibilidade de ir além deste enfoque. Neste sentido, o cinema é um ótimo recurso para discuti-los. O fato de ser tratado como um texto gerador não isenta o professor de problematizar o tratamento – estético e ideológico – que o filme desenvolve sobre os temas a serem debatidos.

Os filmes, como qualquer obra de arte, comunicam e perturbam o espectador mais pela maneira, pela forma como os temas são desenvolvidos, do que pelos temas em si. Por isso, os vários aspectos da linguagem não devem ser menosprezados: os ângulos e enquadramentos da câmera, o tipo de interpretação imprimida pelos atores, a montagem dos planos e sequências, a fotografia (texturas e cores da imagem que vemos na tela), enfim, a narrativa que conduz a trama.

O filme pode ser visto como um documento em si. Neste caso, é analisado e discutido como produto cultural e estético que veicula valores, conceitos, atitudes e representações sobre a sociedade, a ciência, a política e a história. O trabalho com o filme, visto como documento cultural em si, é mais adequado para projetos especiais com cinema, visando à ampliação da experiência cultural e estética dos alunos e de desenvolvimento de linguagem. Este é um dos importantes papéis que a escola pública pode ter, pois, muitas vezes, será a única chance de o aluno tomar contato com uma obra cinematográfica acompanhada de reflexão sistemática e de comentários, visando à ampliação do seu repertório cultural. Não é demais acrescentar que a experiência e a cultura cinematográfica do professor muito contribuem para a análise de um filme, tomado como um documento cultural e estético. Mas, é importante ressaltar a articulação de alguns elementos básicos que constituem um filme:

• o tema, a roteirização e representação fílmicas;

• a linguagem que os realizadores escolheram para desenvolver o tema (gênero ficcional, recursos de câmera, montagem e edição, trilha sonora);

• a realização do filme como produto sociocultural (marketing, recepção da critica especializada, polêmicas em torno da obra). Ao enfocar esses ângulos de análise, o filme ganhará corpo como documento de uma época, de uma sociedade, abrindo-se para uma crítica mais profunda e reflexiva. Este tipo de trabalho, além de se adequar a projetos de ampliação do repertório cultural dos alunos, pode ser desenvolvido em atividades de várias disciplinas.


PLANEJAMENTO DO TRABALHO COM CINEMA EM SALA DE AULA


Apesar de toda aceitação da importância do cinema para o conhecimento escolar, algumas visões deformadas ainda persistem. Ao incorporar filmes em suas aulas, o professor pode enfrentar preconceitos, não apenas por parte dos seus alunos, mas também dos seus colegas. Clichês do tipo “Oba, hoje não tem aula, tem filminho!” ou “Quando eu não quero dar aula, eu passo um filme” são reflexos da inadequação e do mau uso do cinema na escola.

O primeiro antídoto contra eles é planejar as atividades em torno do material fílmico a ser incorporado. E esse planejamento começa com duas dicas óbvias, mas nem sempre seguidas. Assistir ao filme antes de qualquer outra atividade é condição básica, pois não se trata de ver o filme levando em conta apenas a relação do seu tema ou “conteúdo”, mas de avaliar o seu potencial pedagógico e de formação cultural, bem como a adequação à turma e ao trabalho que será realizado depois.

Ao assistir ao filme com antecedência, o professor mobiliza o olhar mais crítico e apurado que tem para, entre outras possibilidades, selecionar os trechos que serão analisados, anotando, por exemplo, cenas e imagens representativas do filme e do cinema como arte, do figurino e cenário de épocas históricas, dos olhares e silêncios que, no conjunto, formam a linguagem típica do cinema. Além disso, o professor deve refletir sobre os conceitos e valores que o filme mobiliza, sobre o sentido simbólico do tema e dos personagens, verificar o grau de dificuldade para sua compreensão e identificar eventuais cenas e conteúdos que possam ser polêmicos, especialmente para quem está fora do “clima” da sala de aula (os pais, por exemplo). Esse último ponto é particularmente importante, pois mesmo com abordagens pedagógicas sérias, refinadas e necessárias para a formação do cidadão, temas como sexualidade, religião ou conflitos políticos podem causar certo estranhamento.

Assim, no mínimo, é preciso preparar-se para discuti-los com os alunos.. Além de preparar-se e preparar os recursos que utilizará (filmes e materiais de apoio), o professor precisa, ao mesmo tempo, verificar qual a experiência dos seus alunos com o cinema e conhecer sua cultura, a fim de balizar a seleção dos filmes, bem como o aprofundamento das atividades e a continuidade do trabalho tendo em vista os objetivos a serem alcançados.