Tema do biênio 2019-2021

Semiótica e vida social

No final dos anos 1940, A. J. Greimas, em sua tese de doutorado sobre a moda em 1830, apontava já a necessidade de se pensar a linguagem como elemento constitutivo (e constituinte) da sociedade. Seu trabalho, ainda que não diretamente, apresentava uma reflexão bastante inovadora sobre o modo como os diversos “sistemas sociais”, como os sistemas econômicos (o capitalismo), a sociedade de classes (a burguesia), a indústria, o comércio, participavam do próprio sistema da língua, afetando os seus sentidos (e o seu valor). Essa intuição teórica vai se consolidar ao longo das décadas: o próprio Greimas se dedicará ao exame do discurso nas ciências sociais (1976), estabelecendo a condições para uma semiótica do mundo natural (1968) e até mesmo uma “sociologia” do senso comum (1969). Ainda que se tenha evitado, na tradição greimasiana, o emprego de termos como social/sociedade, ou cultura e ideologia, não seria correto afirmar, portanto, que se tenha negligenciado essas questões. Na verdade, ao explorar problemas sociais e estéticos em interação com a sociedade, com as subjetividades e os seus corpos e práticas, vimos surgir reflexões como as de J. M. Floch, J. Fontanille, E. Landowski e C. Zilberberg, por exemplo, que romperam barreiras metodológicas (mais que epistemológicas), caminhando na direção de uma semiótica mais “aberta” (BOUTAUD, 2007) e “extrovertida” (LANDOWSKI, 2004). No Brasil, assumiu-se francamente uma orientação teórica para a semiótica que, sem ignorar o que se poderia chamar de análise interna do texto, buscou estabelecer uma semiótica do discurso que reconhecesse que esse objeto tem uma dupla natureza (interna e externa) e deve sempre ser pensado como ato de linguagem ancorado em uma dada cultura. Em especial autores como Diana Luz Pessoa de Barros e José Luiz Fiorin estabeleceram parâmetros para uma semiótica que desse conta da política, da economia, da identidade (nacional, de gênero, de classe, de raça) etc. Nesse sentido, e buscando dar continuidade ao tratamento plural que caracteriza os direcionamentos do GT de Semiótica da ANPOLL, neste biênio, propomos refletir sobre as questões que envolvem o que poderíamos chamar de “vida social”, que são aquelas que nos permitem, especialmente hoje, lidar com as transformações prementes da nossa sociedade, em sintonia (1) com a(s) crise(s) e com a resistência que nasce da crise, (2) com os discursos intolerantes e com os sistemas autoritários, (3) com os problemas da formação e do ensino, em contraponto aos discursos da ignorância e do obscurantismo, (4) com novas práticas sociais, que impõem ou (re)constroem novas formas de vida, a partir de instâncias semióticas diversas e (5) com os desdobramentos epistemológicos e históricos que colocam em evidência os limites e os impasses da teoria.

Referências

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