Nem toda a elevação da glicemia ocorre na sequência da ingestão de hidratos de carbono. Para além deste último três grandes mecanismos podem resultar em elevação da glicemia:
1) se a dose de insulina basal for insuficiente pode ocorrer elevação espontânea da glicemia por mobilização de reservas corporais;
2) se o organismo experimentar um período de libertação de hormonas de stress (por exemplo, na sequência de atividade física de alta intensidade ou durante períodos de doença aguda);
3) após ingestão de quantidades excessivas de proteína e gordura.
A ingestão excessiva de proteína e gordura pode ser difícil de definir, com grande variação entre indivíduos. Considera-se habitualmente que uma refeição é rica em proteína se contiver mais de 30 – 40 gramas de proteína em conjunção com outros nutrientes. Uma refeição rica em gordura tem impacto glicémico se contiver mais de 35 – 50 gramas de gordura.
O impacto glicémico de uma refeição rica em proteínas e gordura geralmente só ocorre tardiamente, pelo menos 1 - 2 horas após a refeição, e pode ocorrer mais de 3 horas depois da refeição. O teor em gordura tem relação com o atraso do impacto glicémico. Quando a refeição é muito rica em gordura pode ocorrer hipoglicemia 1 a 2 horas depois da refeição com elevação posterior da glicemia. O efeito hiperglicemiante pode ser mais pronunciado durante a noite.
A melhor estratégia para evitar a imprevisibilidade associada à ingestão de proteínas e gordura é procurar manter, de dia para dia, o mesmo teor de proteínas e gordura nas refeições, de acordo com um plano alimentar ajustado à idade, peso, estatura e atividade física.
É possível ajustar os bólus de acordo com a contagem de proteínas e gordura, mas o processo pode ser moroso e pouco prático. A maior parte dos autores recomenda proceder a estimativa do teor em proteína e gordura para tomada de decisão, em vez e proceder a contagem como se faz habitualmente com os hidratos de carbono. É possível que a ingestão de refeições ricas em gorduras saturadas tenha um efeito hiperglicemiante mais pronunciado que as refeições ricas em gorduras insaturadas, o que torna a contagem simples das calorias provenientes da gordura como um mau preditor do seu impacto hiperglicemiante.
A forma mais simples para gerir as refeições atípicas é conhecer o impacto que cada tipo de refeição rica em proteína e gordura tem na glicemia e proceder de acordo com a experiência prévia, até porque há uma considerável variabilidade na necessidade de insulina de indivíduo para indivíduo. Estratégias mais complexas podem envolver a aprendizagem de contagem de calorias provenientes da proteína e gordura e utilizar um rácio de insulina por cada porção de 100 Kcal provenientes destas nutrientes.
As estratégias de prevenção de hiperglicemia após a ingestão de refeições ricas em gordura e/ou proteína em indivíduos utilizadores de bombas infusoras de insulina passam pelo recurso a bólus quadrado ou ao bólus dupla onda. Mas indivíduos tratados com canetas também podem aprender a a evitar episódios de hiperglicemia associados a este tipo de refeições, nomeadamente pela administração de uma dose adicional de insulina rápida cerca de 1 a 3 horas depois da refeição.
César Esteves
(Médico Endocrinologista)