Carlos Emílio Corrêa Lima
POEMA SEM TÍTULO SOBRE DESENHOS DE HÉLIO BRAGA
Sim,
não são os corpos que se juntam, mas o que dentro dos
olhos, partícula abissal, tenta voltar a si mesmo
e é coletivo, e é geral.
São cenas de meteorologia mitológica,
movimentos enredados com o abstrato, o indizível.
Cantares desenhados na velocidade da alma
Alfabetos, ideogramas , os corpos procuram alcançar amando-se
Rapazes
Rapazes que gostam de rapazes é o sol.
Os corpos se libertaram do espaço. Estão em Creta!
Tritões de sonhar acordado.
Impressos de pele
sargaços sobre o papel
A mesma face é inúmeras
E os sexos lumem,
os cabelos ondulados contam as narrativas do mar...
argonautas de longe
são abstratos,
elementais quando próximos
escritos num beijo.
Os olhos se procuram mais que os corpos com seu impulso de peixe?
Serão os grossos arabescos, os crayons fortíssimos, aquecidos na ação,
o risco de prazer,
o gráfico dizer do que eles fazem ao ultrapassar o desenho?
O desenho se autodesenhando,
um perfil de caligrafia
docemente declamada.
O efebo é anfíbio,
gráfico lampejo escrito com suor delirante
lambido de lira
no sal e fulgor...
Posições difíceis de acrobata onírico,
o desenho é sempre depois do salto do pensamento marinho,
pintura com pincéis ágeis de algas, pentelhos de ouro de mirmidão,
escamas centelhadas...
Só o branco atordoar dos olhos,
onde neles se inscreveu
um lugar sagrado,
pérola mágica do olhar,
Desenhos-labaredas com a linha do horizonte dos corpos...
Desenhos-tchibum! Com a baba do mar.
São incisões solares das marcas de peles arcaicas
de herméticos corpos jovens do futuro mais ainda arcaico.
Visíveis os halos de cor terrestre, terra tornada luz e sequência.
O que é o corpo humano perfeito? A transfiguração.
Os gestos modulados, arquétipos,
as posições que assumem
são o gradiente, o que interessa,
este ser-se o corpo sem pressa
dizendo algo denso, inefável,
para sempre em aberto,
linha que não termina...
Mas, os olhos! Oh! Os olhos!
...as bocas, os narizes, as coxas,
e o que dizem os pés imitando o pensar das mãos?
O que?
Há algo de eternamente grego em todos eles,
desenhos que só podem ser gerados nas ilhas.
Esboços nas areias densas das praias de Creta,
Desenhos ditirâmbicos
de um fauno que bebeu o destro elixir...
As camadas de tinta,
os halos,
os reflexos de super-esponjas.
Os meninos prestes a levantar voo
com a carícia do amado,
já articulando gestos de pássaros...
Desenhos psicográficos de um pintor que viveu proliferações
mais do que desenhou há milênios os contornos de todas as ilhas do mar Egeu.
Um pintor que veio do fundo do mar para fundar novas formas de amar
As pátinas efêmeras, esfregadas com asas de um pássaro de luz cantabile,
O menino, o cavalo e o desenho andando de luz num orgasmo
sobre os fundos das cores universais,
tudo em passo de dança e dourado langor
na agilidade móvel e ondulante da velocidade do sol molhada de mar,
desenhos guiados pela orla essencial,
pelo espaço do canto do olho coribântico,
Fotografias desenhadas por algas fortíssimas,
de tintas intensas do mar,
tintas fortes do mar.
O carinho desses corpos vem bem do centro
e os halos que lhes afagam-nos não calam
essa luz florescente.
Uma época de felicidades numa ilha aérea e isolada,
suspensa pupila do sol.
Eles, os rapazes , ali, ali, eles se tocam
como instrumentos de corda,
divinos;
e esta música é o desenho desses corpos:
os olhos tão brancos de cor
e a tentação dos eflúvios
rondando,
rondando...
Afrescos de um palácio
submerso nos sonhos do sol.
Os olhos do sol são marítimos,
suas pupilas, a Terra.
Seus olhos de efebo infalível, desenhista
São os olhos santos de Hélio.
Somente um mergulhador poderia fazer desenhos
tão leves,
que mais parecem aromas,
carícias...
Desenhos de um Proteu infinito através de todos os seus corpos vivos se amando num elo...
Carlos Emílio Corrêa Lima nasceu e vive em Fortaleza (CE). É escritor, poeta, ensaísta, jornalista, professor e editor. Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, publicou vultosa obra de contos, romances e poesias que já assentam entre as altas criações da literatura nacional, tais como 'A Cachoeira das Eras', 'Além, Jericoacoara' e 'Pedaços da história mais longe'. Recentemente seu conto 'O Barco' foi adaptado para cinema por Petrus Cariry.
Obs: Hélio Braga ( foi um ator e artista plástico brasileiro, irmão da atriz Sônia Braga. Vivia em Paraty (RJ), onde faleceu em 2019 aos 72 anos.) A belíssima tela acima é uma obra de Hélio do acervo pessoal de Carlos Emílio que a liberou para publicação em cortesia à PLATAFORMA FLIDS e ao livro: POESIA PARA AMAR DE TODA FORMA, onde consta ainda outra ilustração de Hélio.