Berton

capítulo i

histórias da família de anTônio berton e ermínia alberton


PARTIR OU NÃO PARTIR?


Dias e dias, noites e noites seguidas, a América, o Brasil não saíam da cabeça daqueles jovens italianos, que trocavam ideias entre si e com e com os mais velhos sobre as vantagens e desvantagens de deixar sua pátria, suas terras, seus parentes, seus amigos, para vir tentar a vida no Novo Mundo. Era uma terrível dúvida, mas uma esperança. Trabalhar na lavoura no Brasil seria mesmo uma solução, uma garantia de futuro para aquela gente simples do meio rural italiano? As notícias de sucesso e grandeza, de lucro e riqueza, de êxitos e conquistas, de alegrias e progresso, de paz e tranquilidade se espalhavam rápido entre os italianos. Mas também notícias de luta e tristeza, de epidemias e doenças, de desastres e mortes, de desânimo e fracasso.


Os irmãos Berton - Antônio, Vitório e Luiz - filhos de Nicola, estavam vivendo esta dúvida tão comum entre os "contadini" (agricultores) italianos na segunda metade do século XIX. Mas prevaleceram a coragem, a audácia, o espírito de aventura e o desejo de liberdade, de independência e de realização na terra praticamente virgem e desconhecida de todos eles.


Os irmãos decidiram partir, deixando para trás outros parentes, amigos e toda uma existência. Começaram os preparativos para a viagem e para a aventura na América, em busca da "cucagna" (riqueza). Prepararam roupas, alguns objetos, providenciaram os passaportes e as passagens, foram se despedir dos amigos e parentes, e partiram, sem muitas certezas sobre os riscos daquela aventura.


Seus pais e avós, quem sabe, até teriam vontade de ir também, mas, talvez por causa da idade e da saúde, tiveram que ficar remoendo a separação e a saudade. Devem não ter escondido sua tristeza, seus suspiros, suas lamentações, suas preocupações e incertezas. A única certeza que escondiam dentro de si, era a dolorosa consciência de que não mais veriam aqueles seus filhos quer partiam em busca de uma vida melhor.


Por que emigrar?


Entre as causas que fizeram com que milhões de italianos abandonassem a sua pátria, estava as constantes lutas e guerras que culminaram com a unificação italiana, tirando a paz e os recursos da população mais modesta. Além disso, a propriedade da terra era geralmente de grandes senhores, que exploraram os trabalhadores rurais, cobrando-lhes altos tributos em troca do uso da terra. Ou então, as propriedades que existiam em mãos dos pequenos produtores eram tão pequenas, que por mais que a família trabalhasse, não conseguia tirar daí o seu sustento. Outro fator ainda foi a Revolução Industrial que, começando na Inglaterra, se espalhou por toda a Europa levando as suas máquinas inovadoras a substituir a mão-de-obra do homem e causando um grande desemprego.


Os emigrantes eram geralmente pequenos agricultores, a maioria sem-terra, alguns artesãos, alfaiates, marceneiros ou ferreiros, que vendiam tudo o que tinham (o que ainda era muito pouco), reuniam alguns pertences essenciais que podiam transportar e, partiam, em geral com toda a família, rumo ao desconhecido.


Pelo que se pode descobrir, a família de Antônio Berton, segundo depoimentos, residente em Béssica, província de Treviso, estava na mesma situação de dificuldade da maioria das famílias de pequenos agricultores da Itália, e enfrentando estas mesmas dificuldades quando decidiu emigrar.

Bessica de Loria (Treviso, Itália)

Nova Bassano (Rio Grande do Sul ,Brasil)

PAra onde ir?


As Américas se tornaram a nova pátria da maioria dos emigrantes que partiam da Itália. Desde os Estados Unidos da América até o Brasil, Argentina e Uruguai.


O Brasil, especificamente, estava precisando de gente para povoar seu imenso território, cuja população ainda era pouca em locais como o Rio Grande do Sul e o Espírito Santo. Precisava também de braços para as lavouras de café, em plena expansão na época, especialmente em São Paulo. Os fazendeiros pressentiam que em breve a escravidão negra iria acabar, como de fato acabou pela Lei Áurea de 1888, e precisavam de alternativas para substituir o trabalhador negro.


Assim, foi feita uma grande propaganda na Itália sobre a emigração para o Brasil e muitos daqueles italianos para cá vieram.


Na cabeça dos Berton também se passou a ideia de "partire subito per l'América, per Brasile, a far fortuna!" (partir rápido para a América, para o Brasil a fim de fazer fortuna").


O emigrante europeu, principalmente o italiano, foi a grande solução para a escassez de braços na lavoura brasileira, substituindo o trabalho escravo, povoando e contribuindo para a expansão demográfica no Brasil se estabelecendo em terras inexploradas e abrindo novas unidades de exploração agrícola.


A viagem


Com um soluço preso na garganta, o coração apertado e acenando lenços às pessoas que estavam no caís, cujas figuras iam diminuindo desaparecendo ao longe, partiram aqueles italianos para uma nova vida. O navio foi ganhando distância, enfrentando grandes ondas e provocando enjoos nos passageiros. Aquela viagem durou cerca de 40 dias pelo mar, em navios super lotados dividido em compartimentos de 4 a 10 leitos, sem qualquer conforto, recebendo pouco ar e pouco sol, com poucos sanitários sem refeitórios, com uma alimentação precária.


Os primeiros Berton, transmitiram aos seus descendentes muitas histórias de fatos ocorridos nas viagens pelo mar, como epidemias, falta de alimentação e água e mortes, sobretudo de crianças, cujos cadáveres tinham de ser jogados no mar.


Mais sorte tiveram Antonio Berton e sua esposa Ermínia Alberton, cujo segundo filho (Aurélio) nasceu em pleno mar, a caminho do Brasil, e, por sorte, pode sobreviver sem ser atingido por nenhuma doença.


chegada ao brasil


Ao aqui chegar, tudo era novo e diferente. A primeira sensação foi de alívio por estarem concluindo uma viagem tão desconfortável, que era apenas a primeira etapa da grande aventura. A alegria estampou-se no semblante daquela gente simples e sofrida, que se movimentou rapidamente e subiu ao convés para a primeira visão da terra que iam habitar. O desembarque, geralmente de mais de 100 imigrantes por navio, chegava a se prolongar por quase um dia inteiro, visto que as embarcações que os levavam à terra firme não comportavam mais do que 10 pessoas de cada vez.


Deve ter sido duro deixar o navio, aquele último pedaço flutuante da Itália, em cuja popa balançava a bandeira tricolor. O soluço e o choro devem mais uma vez ter tomado conta da maioria. No primeiro botequim, eles começaram a conhecer várias novidades: pé de moleque, cocada, quindim, coco, banana, cana, farinha de mandioca e até a cachaça. Viram também alguns índios mansos, vagabundeando pelas ruas, e negros escravos dando duro em suas tarefas. Mas foram as negras, de seios nus, lavando roupa na beira do rio, que constituiu o maior espanto, especialmente para as mulheres italianas, com seu senso próprio de recato.


Antonio deve ter desembarcado no porto do Rio de Janeiro visto que na relação de desembarque de Santos não consta o seu nome. De lá seguiu viagem para o seu destino final, nas terras montanhosas da serra gaúcha, passando antes por Porto Alegre.


Antônio Berton, já casado com Ermínia Alberton e com uma filha, Augusta, veio para o Brasil por volta de 1887, juntamente com um de seus irmãos, Vitório, que era ainda solteiro. Seu pai, Nicola Berton, não veio ao Brasil.


No Rio Grande do Sul, segundo depoimento de seu neto Antônio Marciano Berton, foram conduzidos primeiramente para Bento Gonçalves, e depois para "Paese Novo", que se tornou a colônia de Alfredo Chaves e hoje é Veranópolis.


Outro irmão, Luiz, veio ao Brasil mais tarde, pois tinha ido trabalhar na França, onde se casou com Catarina. De lá vieram ao Brasil e instalaram-se em Alfredo Chaves.


estabelecimento em sua terra


"À medida que as famílias dos imigrantes chegavam em Alfredo Chaves, recebiam o lote colonial. E enquanto iam preparando a roçada, a casa e benfeitorias todas se acomodaram no Barracão do Imigrante, que a Companhia Colonizadora construíra ali, onde mais tarde levantaram a Cooperativa, que hoje aloja a indústria da Malt-Wysky." (IM: VERONESE, Dionísio Frei. Colônia Alfredo Chaves - 100 anos de história religiosa. Porto Alegre. EST, 1986. P 03-04).


O Livro Tombo da paróquia de Veranópolis registra: "Em 1886 chegaram as primeiras famílias italianas, a quem a extrema irregularidade do solo e a vasta floresta virgem que se lhes deparou, tudo tão diferente de seu país nativo, do qual a saudade intimamente lhes falava ainda, não conseguiram assombrá-las. Empregaram desde logo e resolutamente a sua profícua atividade, contribuindo poderosamente para o desenvolvimento da nova Colônia, que maior incremento tomou com o aumento da imigração dos anos de 1889 e 1892 (IN: Livro Tombo da Matriz de Veranópolis, transcrito em VERONESE, Dionísio Frei. Colônia Alfredo Chaves - 100 anos de história religiosa. Porto Alegre. EST 1986 p. 04-05).


"Iam estabelecendo suas moradas, levantando ranchos, fazendo derrubadas; as roças iam se estendendo e cobrindo a irregularidade do solo; a vasta floresta virgem com sua encaracolada cabeleira, os pinheiros frondosos, tudo ia desaparecendo e, pouco a pouco, a vasta ceara recebia o carinho do luminoso sol da nossa terra, dourando as espigas... "(IN: Eduardo Duarte, conferência, 1953, transcrito in VERONESE, Dionísio Frei. Colônia Alfredo Chaves - 100 anos de história religiosa. Porto Alegre. EST 1986 p. 04-05).


Em Veranópolis Antonio Berton recebeu seu lote de terra, número 59 na Linha Barão do Triunfo, comunidade de São Roque, a 10 quilômetros da então sede da Colônia Alfredo Chaves, no caminho para Fagundes Varela ou Cotiporã.


Mas antes da família se estabelecer nas terras prometidas, por sinal muito acidentadas e cheias de pedras, teve que permanecer durante algum tempo na casa do Imigrante, se deslocando diariamente até a colônia, onde iniciaram aos poucos a colonização. Primeiro uma pequena clareira, depois uma derrubada maior e o plantio da primeira pequena roça de trigo. A seguir a construção da pequena casa de madeira. A final do dia, Antonio Berton levava para a Casa do Imigrante frutos silvestres à família.


Quando finalmente instalaram-se em suas terras, além da obtenção dos próprios gêneros alimentícios, necessários à subsistência da família, precisavam adquirir novas ferramentas de trabalho e ainda pagar um total de 1,80 réis por cada colônia de 223.995 m².


dura realidade dos primeiros anos no brasil


Não foi encontrado nenhum registro, nenhum documento, nenhuma exposição escrita a respeito da viagem dos Berton para o Brasil, nem tampouco sobre seus primeiros anos estabelecidos como agricultores na região serrana do Rio Grande do Sul. Entretanto, segundo informações verbais que se transmitiram a filhos e netos, foi possível reunir vários fatos que dão uma ideia nítida das dificuldades encontradas e da bravura com que enfrentavam os problemas e lhes deram solução para vencê-los.


"Seu" Antônio, como homem de visão larga, não devia estar totalmente satisfeito com a situação. Imaginava que a família crescia muito ele precisava garantir oportunidade de trabalho para todos. Nos raros momentos de folga e descanso, à tarde, sentado na varanda de sua casa, devia meditar sobre o futuro, deixando o pensamento ir longe. Nestas ocasiões devia relembrar-se em silêncio das figuras queridas que deixaram na Itália. Num destes momentos tomou uma decisão.


Para sustentar sua família decidiu, além e trabalhar em sua própria colônia, ter tropa de mulas e uma casa de comércio, que foi significativa em seu tamanho, para a época, mesmo sendo no interior da colônia, praticamente no meio do mato. Sua loja, diziam era "de 40 fiurini", o que não era pouca coisa. Lá vendia tecido, que naquela época era enrolado em grandes peças de "fazenda" , além de sal, açúcar, sulfato, etc... Com sua tropa, saia da Linha Barão do Triunfo, Alfredo Chaves, passava por Carlos Barbosa e rumava a São Sebastião do Caí e Montenegro, levando carne de porco, banha, salame e produtos agrícolas de outros agricultores vizinhos para serem vendidos, e trazendo na volta as mercadorias que vendia em sua casa de comércio.


Esta loja teria sido um grande futuro para todos nós, porém, a família Berton permaneceu unida por poucos anos. Antônio, que chegou ao Brasil com cerca de 28 anos, casado e com uma filha, Augusta, teve outros três, Aurélio, Eugênio e Alberto. Alberto, com poucos dias de vida ficou órfão. Seu pai Antônio Berton faleceu em 1894, com 35 anos de idade, antes de quitar sua colônia. Após a sua trágica morte, que será descrita a seguir, a casa de comércio acabou sendo fechada, pois foi totalmente destruída durante o incidente que gerou sua morte.


Numa luta muito árdua e intenso trabalho, sua esposa, Ermínia Alberton, conseguiu pagar metade do lote número 59 em 1896. A outra metade foi cedida a Mathilde Favero.


O irmão de Antônio, Vitório, que no início morava junto com ele, tentou adquirir seu próprio lote. Porém, por não conseguir saldar sua dívida, acabou perdendo a concessão do lote número 45 da Linha Barão do Triunfo, obrigando-se a devolver ao governo sua colônia. O Estado, por sua vez, transferiu a mesma para outro requerente, que foi Giovanni Turra, que concluiu o pagamento da terra em 1897. Tais fatos eram comuns dadas as circunstâncias em que se viam envolvidos os pobre imigrantes. É fácil imaginar a frustração em tais casos. Maior sorte tiveram os portugueses que algumas décadas antes, recebiam praticamente de graça enormes campos.


Quanto aos demais irmãos de Antônio Berton, não se tem maiores informações. Acredita-se que Luiz Berton, de 35 anos, Casado com Catarina, de 33 anos) e com os filhos Giovanna (7 anos) e Fioretto (de apenas um mês de vida) Fioravanti (com 2 anos de idade), chegado em Porto Alegre em setembro ou outubro de 1891, procedentes do Rio de Janeiro, com destino a Alfredo Chaves, tenha sido seu irmão, que conforme depoimentos também se dirigiu ao Brasil, após uma passagem pela França. Porém, a existência desses filhos era desconhecida.


migração interna


Depois de chegarem e se estabelecerem na sua colônia, começou outro processo de migração, desta vez interna, dispondo de maiores possibilidades financeiras, foram procurar mais chances de vida em centros maiores. Por outro lado, desde a segunda década do século, agricultores, ou melhor, filhos de agricultores, quando constituíam família própria, se transferiam para outras regiões, tanto no norte do município conseguiu manter-se em equilíbrio e, ao mesmo tempo, outras regiões foram povoadas com sangue novo, com vida nova. Desta maneira, as famílias dos nossos antepassados foram se estendendo por muitas outras partes deste imenso Brasil.


Esse foi inclusive o caso da família Berton, cujos filhos de Antonio Berton já iniciaram o deslocamento, indo se estabelecer em Anta Gorda, Dois Lajeados e Arvorezinha. As gerações seguintes continuaram a seguir viagem, e hoje há descendentes desta família em muitos municípios, entre os quais Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Guaporé, Porto Alegre, Rio de Janeiro (RJ), Nova Bassano, Frederico Westphalen, Cascavel (PR), Veranópolis, São Marcos, etc


revolução federalista de 1893


Um importante capítulo da história da Família Berton está diretamente ligado à Revolução Federalista de 1893, motivo pelo qual deve-se dedicar algum espaço a ela.


Júlio de Castilhos, Assis Brasil e Gaspar Silveira Martins foram protagonistas desta Revolução, que pelo Rio Grande do Sul afora, envolvia as populações numa guerra que não era sua. Até os imigrantes italianos, preocupados apenas com suas roças, foram envolvidos nessa revolução, cujo resultado foi uma verdadeira guerra civil, cruel e sangrenta, que foi movida por dois grupos políticos opostos, que lutavam pelo poder no Estado.


Lagoa Vermelha foi palco de lutas sangrentas durante esta Revolução, onde acamparam e defrontaram-se tropas de ambos os lados.


Zaira Galeazzi em seu livro "O Grande Prata e sua História" descreve o que vivia à margem dos acontecimentos que na última década do século XIX agitavam a nação brasileira e, principalmente, o Rio Grande do Sul. Sabiam que haviam derrubado o Imperador Dom Pedro II, mas não sabiam como e porque o fizeram. República era, em seus modestos entendimentos, palavra quase sem sentido. A mudança não os preocupava. O pior era os boatos de uma revolução, de uma guerra cruel, começada na fronteira, em que saqueavam casas e degolavam homens como se fossem ovelhas. Tropeiros traziam notícias de horríveis degolamentos e de soldados estaqueados nos campos... olhos vazados pelo bico dos carcarás... O susto foi grande. Os homens fugiam para os matos, e muitos pratas, donos de fazendas ou de grandes casas de comércio, achavam melhor pôr a pele a salvo e com suas famílias embrenharam-se nas matas. Procuraram refúgio junto aos imigrantes italianos e poloneses recém chegados ao Estados e destinados às linhas e seções da Colônia Alfredo Chaves, lado norte. Pela Estrada Buarque de Machado veio uma coluna "Maragata", chefiada pelo federalista Pedro Jungbt, com cerca de 230 homens, barbudos, armados até os dentes. Acamparam nas terras de Silvério Antônio de Araújo (hoje Rio Branco - 2º Distrito de Nova Prata). Um dos objetivos deste acompanhamento era evitar a descida de tropas de animais que Pinheiro Machado arrebanhava de Lagoa Vermelha. Outro objetivo era saquear os imigrantes italianos da Colônia Alfredo Chaves. Era a guerra declarada do grande proprietário contra o imigrante estrangeiro. Para terminar com este acampamento Maragato, vieram as tropas do Coronel Eleodoro Branco. A estas tropas juntaram-se, também, muitos valentes imigrantes e outros valentes pratas que, num violento combate, resultando em grandes perdas para ambos os lados, puseram os homens de Jungbt em retirada". (In: GALEAZI, Zaira - O Grande Prata e Sua História. Porto Alegre. EST. 1982, p. 28-29).


Os federalistas venceram a Revolução, e em 23 de agosto de 1895 foi assinada a paz, por todos almejada, mas que deixou na lembrança dos descendentes de italianos amargas recordações.


revolução em alfredo chaves


Em Alfredo Chaves haviam se organizado tanto os republicanos como os maragatos. Embora a maioria das ações não passassem de correria e rapinas em busca de cavalos, armas e suprimentos, às vezes aconteciam enfrentamentos à bala.


Um fator que motivou ainda mais estas ações, foi devido ao Padre Mateus Pasquali, que costumava subir ao púlpito da igreja e fustigar o público, falando dos abusos e da ganância dos mandatários. Isso fez com que aumentassem as dificuldades de relacionamento entre o poder civil e religioso, embora as autoridades estivessem todas ao lado dos republicanos, que deviam mais do que nunca se manter unidos, porque o partido dos maragatos, constituídos especialmente de negociantes e outros elementos descontentes com a troca de regime, não estavam satisfeitos.


Sucediam-se os incêndios e rapinas por eles provocadas, que destruíam as riquezas e diminuíam o ânimo daqueles imigrantes italianos.


Conta Dom Laurindo, em seu Livro "Nova Bassano - Das Origens ao Raiar do Século XX", que certa vez, ante a pressão dos maragatos, o padre se refugiou no alto da torre, armado de espingarda e machado. E bradava: "Que venham agora! Com um golpe de machado, zac! Decepo-lhes a cabeça; e com um tiro os despacho para o Inverno". Um dia o valente sacerdote foi surpreendido na casa canônica por dois maragatos mal intencionados. Dominaram-no e sentaram-no a força numa cadeira, dispostos a passar-lhe a "gravata colorada". Segundo ritual macabro dos maragatos, ja lhe faziam cheirar a faca com a qual lhe cortariam a garganta, quando chegou a empregada. Vendo aquele espetáculo macabro, ela lançou um berro que sacudiu toda a vizinhança. Surpreendidos pela gente que acorria, os dois assassinos deram-se à fuga, deixando o padre ileso. (IN: GUIZZARDI, Laurindo Dom. Nova Bassano - Das Origens ao Raiar do Século XX. Caxias do Sul, EDUCS, 1992, p. 47).


E foi na defesa deste padre que se envolveu a família Berton, o que acabou levando ao assassinato, por engano, de Antônio e não de Vitório Berton.


assassinato


Segundo depoimento de Antonio Marciano Berton (neto de Antonio Berton, que fora assassinado, e motivador dessa pesquisa), num determinado dia, quando Antonio Berton estava preparando a sua tropa para, no dia seguinte, de manhã bem cedo, partir para Montenegro, chegaram os revolucionários que, acabaram o matando.


A história completa é a seguinte: o irmão de Antônio, chamado Vitório, que estava na cidade, foi defender o padre, quando chegaram os revolucionários, e se desentenderam. Os revolucionários, que faziam todo o tipo de maldade, já tinham feito prisioneiro um tal de Da Costa. Começaram a brigar, mas não conseguiram se entender, pois falavam línguas diferentes. Quando os revolucionários tentaram prender Vitório também e levá-lo junto com o outro, ele fugiu em direção a sua casa, perseguido pelos revolucionários. Vitório estava a pé, e os revolucionários a cavalo, em bando. Por cerca de 10 quilômetros o fugitivo conseguiu escapar dos perseguidores, naquelas estradinhas que muitas vezes eram só picadas no meio do mato, ou até pelo meio do mato...


Quando Vitório chegou em casa, não disse nada sobre o que estava acontecendo e simplesmente se escondeu. Seu irmão, Antonio, estava organizando a tropa para no dia seguinte viajar. Ele possuía, naquela época, lá no meio do mato, no interior da Colônia, uma loja que diziam "de 40 fiurini", o que não era pouca coisa. Estava preparando as guaiacas e bruacas para no dia seguinte carregar os burros e viajar.


Quando os revolucionários chegaram, armados com espingardas e fações, como bandidos, confundiram os dois irmãos, que eram muito semelhantes, e prenderam Antonio ao invés de Vitório. Como falavam línguas diferentes, não pode Antonio se explicar. Ninguém naquela época falava o português. Imagine-se os italianos se entender com os caboclos, ou quem quer que fosse... Simplesmente não se entendiam.


Acabaram prendendo Antonio que inocentemente estava ali, e não imaginava o que estava acontecendo. Além de o prenderam, entraram em sua casa e quebraram tudo que estava a sua frente. O que havia de comida, eles comeram. O que podiam estragar, estragaram, queimaram, destruíram. Entraram também em sua loja e igualmente provocaram grande estrago. Com o tecido, que naquela época era enrolado em grandes peças de "fazendas", amarraram nos cavalos e saíram estrada a fora colocando fogo no tecido. A vaca de leite que possuíam, mataram por apenas alguns quilos de carne, para satisfazer sua fome momentânea.

Local onde residia Antonio Berton e sua família, quando ele foi preso pelos revolucionários

Enquanto isso, a esposa e os filhos fugiram para o mato, pois naquele tempo era fácil se esconder: era muito fechado e estava por todos os lados. A esposa Ermínia, com um filho de poucos dias de vida, vendo o marido sendo preso e atacado, vendo sua casa e loja sendo destruídos, e vendo o risco que ela e seus filhos corriam, não aguentou e desmaiou. A partir daquele dia, passou a ter ataques epiléticos que a acompanharam até o fim de sua vida.


Quando os revolucionários acabaram a "festa", pegaram os seus dois presos, a pé, um deles Antonio Berton, e seguiram em direção a Fagundes Varela. Para fazer 10 quilômetros a cavalo, demoraram mais de 3 dias. Por onde passaram, era sempre o mesmo vandalismo. Eles não prenderam mais ninguém, pois todos, ao vê-los se aproximar, fugiam. Eles deixavam as pessoas correr e faziam a sua destruição. E as pessoas fugiam sem qualquer preocupação. Abandonavam tudo, deixando as casas abertas, pois sabiam de quem se tratava. Em cada lugar que passavam, aqueles dois presos diziam para as pessoas: "Escape, via, escape via perche li copa!". Em outras ocasiões, as pessoas escondidas, diziam para os dois presos: "Scape via! Luri i ze la distante! Scape". Mas eles respondiam "Será quelo que il Signor vole" Se scapemo, i me copa...!".


Foram andando até São José, perto de Bela Vista, hoje Fagundes Valores. Quando lá chegaram, degolaram primeiro Da Costa. E o segundo foi Antonio Berton. A bárbara cena foi assistida pelos moradores da localidade, e inclusive pela esposa Ermínia Alberton, que se escondia no alto de um morro próximo do local. Quando tudo havia terminado e os revolucionários desaparecido, seguindo seu caminho de crueldades, eles se aproximaram, rezaram e enterraram os dois corpos. Foram os dois primeiros corpos a serem enterrados naquele cemitério de São José. Anos mais tarde, Eugênio Berton, filho do falecido Antonio, recolheu os restos mortais e levou-os para o cemitério de São Roque, onde ele residia.


Não existem apontamentos deixados por escrito daquele acontecimento, anão ser a lembrança dos mais idosos, mas a imaginação de cada um, levada àquele dia, pode sentir e exprimir a crueldade dos fatos. Pode supor o que passaram a esposa e os filhos, ao assistir o assassinato do chefe de família. Pode supor as dificuldades que enfrentaram para reconstruir o lar, comandá-lo e sustentá-lo, na ausência do "capo".


E não tiveram outro caminho. A esposa não pode reabrir a casa de comércio, pois tinha sido completamente destruída pelos bandidos.


Os filhos continuaram o ofício do pai.


Aurélio e Eugênio, enquanto solteiros, trabalhavam com a tropa puxada por mulas. Faziam o mesmo trajeto de seu falecido pai: saiam do lugar onde moravam e iam para Carlos Barbosa e São Sebastião do Caí. Levavam carne de porco, charque, banha, etc para vender, e traziam de lá outras mercadorias para comercializar aqui. Como sal, açúcar, tecidos, sulfato, cal, etc.


Quando tudo corria bem, levavam um mês para fazer cada viagem. Uma média de duas a três mulas morria em cada viagem.


Mas à medida que os filhos foram casando e mudando de residência, as coisas iam mudando. Depois de casados, Aurélio e Eugênio abandonaram esta função, que continuou a ser exercida por seu irmão Alberto, mas como carreteiro, quando este também já havia casado e residia em Arvorezinha. Augusta foi a primeira a se casar. Residiu algum tempo na casa do sogro e depois foi para Encantado. A seguir Aurélio casou-se e mudou-se para a localidade de Colomba, em Guaporé, onde instalou uma casa de pasto (hotel para pessoas e estrebaria com alimentação para os animais), onde ficou por pouco tempo e dali foi para Dois Lajeados, onde abriu um hotel. O próximo a casar foi Eugênio, que então continuou residindo junto com a mãe, mas largou as funções de tropeiro e dedicou-se apenas a agricultura. Por último, Alberto, que saiu de casa e foi o único a seguir a profissão do pai, mas como carreteiro.

Residência onde a viúva Ermínia e seus filhos passaram a residir alguns anos após o assassinato de Antonio

Capela São Roque, pertencente à Veranópolis, onde foram batizados, crismados e onde casaram todos os filhos do falecido Antonio Berton e onde muitos descendentes estão sepultados.

Inicialmente havia uma capela de madeira, e em 1900, foi erguida esta de alvenaria

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