Ao velho revolucionário (poema dedicado ao José
Wellington Diógenes, preso político na ditadura militar)
Tive um sonho louco de mudar o mundo
Depois veio a queda num dia qualquer,
Ouvi o estalo da chave na cela
Fui preso dez anos, perdi a mulher
A fome da greve e a greve da fome
Traições, torturas, tudo isso em nome
Da Guerra de um Povo que a Guerra não quer.
II
Jamais dei a sílaba de um nome aos algozes
Jamais tive dúvidas do ser ou não ser
Bateram em meu corpo pra bater nas portas
Dos nomes que eu tinha, mas não quis dizer
Me fechei em copas, da forma de Mêncio;
E nos degraus do muro que eu fiz de silêncio
Dezenas subiram e chegaram ao poder.
III
Quem falava aos brados, de blusa vermelha,
Virou diplomata, mente, suaviza,
Quem chega no prédio onde ele é ministro
“TEMAS SÓ DE ESTADO” um letreiro avisa...
Viaja blindado, mora não sei onde,
Só tem pra mostrar o passado que esconde
E só tem de vermelho o tapete onde pisa.
IV
Sonhos, utopias, mudamos qual Mundo?
Era assim há séculos, continua assim...
Os jovens apáticos, estúpidos, drogados,
O Capitalismo que não tem mais fim,
Três décadas de luta e o que descobres?
A fome mais larga, os pobres mais pobres
O povo mais tolo e o homem mais ruim.
V
O povo votando nos mesmos canalhas
Reconheço o Mundo como o conheci
Sonhos, sacrifícios, esperanças, traumas,
Três décadas de luta e o que consegui?
As mãos nas algemas, meu filho indefeso,
Minha mulher morta, meus dez anos preso,
Juntando isso tudo só deu nisso aí?
VI
Que sirvo eu de estátua de herói da História?
Uma História escrita pra que e por quem?
Nunca quis ser página de livro de nenhum,
E, virar uma estátua não quero também
Estátuas só servem pros pombos sujarem
Os ébrios cuspirem e os vândalos picharem
“ESTÁTUAS RIDÍCULAS DE HERÓI SEM NINGUÉM”
VII
Os bichos já foram revolucionários
Jonas, o Humano, nunca mais quiseram
No começo os bichos eram quatro patas
No fim, duas patas os bichos já eram
Pra Napoleão manter seus caprichos
As Revoluções têm todos os bichos
Da Revolução que os bichos fizeram.
VIII
O Mundo é um erro, grande, incontrolável,
Assim ele é hoje e assim vai ficar,
Ghandi e Irmã Dulce são pingos de açúcar
De cem em cem anos jogados no mar,
Os maus são bilhões, os bons são bens poucos,
E o Mundo é um grande Hospital de loucos
Máquina inconsertável que eu quis consertar.
IX
O Vietnã expulsou os gringos
Venceu essa guerra, beleza. E depois?
Quando os japonês trabalham de androides
Os vietnamitas cultivam com os bois
Vivem na rudeza de um guerreiro púnico
Se o Partido é único, tudo lá é único,
Não há vida fora de um grão de arroz.
X
Se alguém perguntar: “Se tu fosses jovem,
Faria de novo se acaso pudesse?”
-Talvez eu menino com 18 anos,
Se envaidecesse, sonhasse e quisesse...
Mas só que o menino mudaria os planos
Pois teria um velho de 70 anos
Dizendo ao menino que ele não fizesse.
Zé Luiz
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Xudu - 5 filhos
Antonio Marinho
João Paraibano - dentes naturais
Geraldo e Oliveira
Rogaciano
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Soneto de Diniz Vitorino quando da morte
do grande Pinto do Monteiro:
Velho amigo foi triste, muito triste
Conduzir-te sem vida à sepultura
Que tormento, que pranto, que amargura
Tu deixaste pra nós quando partiste
Esta angústia cruel que nos tortura
É mil vezes maior que a que sentiste
Lá no céu, para ti, existe cura
Mas pra nossa saudade não existe
Tu subiste aos umbrais divinizados
Onde as almas dos justos, sem pecados
São em templos santíssimos recebidas
Entre nuvens de rosas flutuaste
Tão feliz que nem viste que cravaste
Uma cruz de lembrança em nossas vidas
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"Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascidos do mesmo jeito
Criados no mesmo canto
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?"
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Aos Flagelados, belíssimo soneto do
repentista Diniz Vitorino:
Também sinto por vós, heróis sem nome,
Por viverdes feridos como escravos
Explorados, vendidos por centavos
Derramando suor, passando fome
É com sangue dos vossos membros bravos
Que o palerma enriquece, bebe e come
Mas num mar abismal, cheio de agravos
Vossa prole faminta se consome
Quando um dia de fome enfraquecerdes
Morrereis, e ao invés de mármores verdes
Com certeza vereis da sepultura
Vossos filhos crescendo desnutridos
Machucados, chagados, oprimidos
Nas algemas da mesma escravatura
Este soneto ganhou um concurso promovido por
um jornal em Caruaru, gerou revolta do segundo
colocado e rendeu outro belíssimo soneto ("A Um Irônico")
que Diniz fez em resposta ao seu detrator.
Este episódio (disponível no link, apenas com o
"soneto-resposta") foi uma de nossas primeiras
publicações, e lá se vão quase 3 anos. Achamos
o soneto Aos Flagelados ontem, no sebo de
Seu Ronaldo (Campina Grande), no livro
Lírios do Canto, escrito pelo próprio Diniz.
Uma raridade, sem dúvida.
Ao Irônico
Como irônico tu és, cretino injusto!
Teu impudico pensar, como me irrita...
Quem sou eu pra ser o intrépido* Augusto
Quando Augusto no chão ninguém imita
Como é, marginal, que o bosque adusto
Poderia brotar rosa infinita
E fecundar frutos doces sem arbusto
Num deserto onde a chuva não visita
Posso sim plagiar, jamais discuto
Imitar outro réles, rude e bruto
Como sou portador de ideais loucos
Porém Augusto eu respeito, não imito
Que Augusto é inimitável, é infinito
E como ele no céus tem muitos poucos
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Numa cantoria em 1973, João Furiba
cantava em São José do Egito com Lourival Batista.
Já era tarde e Furiba, que estava acompanhado
de uma de suas conquistas amorosas,
fez um verso dizendo que ia embora,
ao que Louro respondeu:
"Furiba não vá agora
Com essa garota sua
Eu conheço alguns malandros
Que bolem até com a lua
Carregam ela e lhe deixam
Vagando só pela rua"
Furiba retrucou:
"Mais perigoso é a sua
Ficar em casa sozinha
Você entra pela sala
Sai outro pela cozinha
Eu, pra evitar um chifre
Pra onde vou, levo a minha"
- Fonte: Livro Furiba Falando a
Verdade, de João Furiba
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"Sou poeta e me sujeito
A viver esta emoção
Cantando as dores da alma
Eu vejo com gratidão
Que o meu cantar é tão simples
Como a poeira do chão"
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Antônio Marinho - grande repentista
pernambucano nascido em fins do
século 19 - já estava doente, acamado
e sentindo a iminência da morte
quando uma de suas filhas pediu
que ele fizesse alguns versos pra ela copiar. Eis uma das estrofes que o poeta improvisou na ocasião:
"Dos meus prazeres de outrora
Que passaram de momento
Tenho como pagamento
As consequências d'agora
De minha vida uma hora
É hoje um fardo pesado
Sem tempo sentenciado
Quem me prendeu não datou
E a natureza tomou
Tudo quanto tinha dado"
- Marinho, conhecido como
"A Águia do Sertão", morreria
em 1940, aos 53 anos. Era sogro
de outro grande cantador,
Lourival Batista. Estes versos
constam no livro "Cantadores,
Repentistas e Poetas Populares",
de José Alves Sobrinho
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