Vocês devem ler esses versos e tentar reconhecer padrões neles, classificá-los, agrupá-los segundo características comuns.
A ideia é que você possa ensinar uma pessoa a fazer um verso de um determinado grupo.
Seguem alguns conceitos que podem ser importantes quando tentando classificar os versos:
Amar!
(Florbela Espanca)
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Fanatismo
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."
Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
---
Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
---
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
---
Alma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
---
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
----
Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
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Idealismo
Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.
O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!
Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —
E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
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O morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela igneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
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Manhã - Soneto XXIX
Vens da pobreza das casas do SUL,
das regiões duras com frio e terremotos
que quando até seus deuses rodaram à morte
nos deram a lição da vida na greda.
És um cavalinha de greda negra, um beijo
de barro escuro, amor, papoula de greda,
pomba do crepúsculo que voou nos caminhos,
alcanzia com lágrimas de nossa pobre infância.
Moça, conservaste teu coração de pobre,
teus pés de pobre acostumados às pedras,
tua boca que nem sempre teve pão ou delícia.
És do pobre Sul, de onde vem minha alma:
em seu céu tua mãe segue lavando roupa
com minha mãe. Por isso te escolhi, companheira.
----
Soneto XXII
Quantas vezes, amor, te amei sem ver-te e talvez
sem lembrança,
sem reconhecer teu olhar, sem fitar-te, centaura,
em regiões contrárias, num meio-dia queimante:
era só o aroma dos cereais que amo.
Talvez te vi, te supus ao passar levantando uma taça
em Angola, à luz da lua de junho,
ou eras tu a cintura daquela guitarra
que toquei nas trevas e ressoou como o mar desmedido.
Te amei sem que eu o soubesse, e busquei tua memória.
Nas casas vazias entrei com lanterna a roubar teu retrato.
Mas eu já não sabia como eras. De repente
enquanto ias comigo te toquei e se deteve minha vida:
diante de meus olhos estavas, regendo-me, e reinas.
Como fogueira nos bosques o fogo é teu reino.
---
Velho amigo foi triste, muito triste
Conduzir-te sem vida à sepultura
Que tormento, que pranto, que amargura
Tu deixaste pra nós quando partiste
Esta angústia cruel que nos tortura
É mil vezes maior que a que sentiste
Lá no céu, para ti, existe cura
Mas pra nossa saudade não existe
Tu subiste aos umbrais divinizados
Onde as almas dos justos, sem pecados
São em templos santíssimos recebidas
Entre nuvens de rosas flutuaste
Tão feliz que nem viste que cravaste
Uma cruz de lembrança em nossas vidas
---
"Criei-me na terra do homem vaqueiro
com leite de vaca, com queijo e com nata
com feijão macaça, pipoca e batata
Com carne de peba e tatu verdadeiro
tangendo jumento e cortando cardeiro
caçando graveto pra mãe cozinhar
fui pouco a escola não pude estudar
meu pai era pobre não tinha fortuna
formei-me com Cristo na sua tribuna
cantando galope na beira do mar"
---
Deixe o batuque do axé
pro carnaval da Bahia
e a insana pornografia
não troque no arrasta-pé.
Rapariga e cabaré?
Em nenhuma ocasião.
E o forró da ostentação
Reinando o falso interesse?
Não faça um negócio desse,
Deixe junho pro São João.
Pelo menos uma vez
Esqueça Michel Teló
E deixe eu dançar forró
Os trinta dias do mês.
Um disco de Marinês,
O gogó de Assisão
E o nosso Rei do Baião,
Cantando Zé Marcolino,
Só esse mês é junino,
Deixe junho pro São João.
Com seu povo tenha zelo,
Respeite nossa raiz,
Não ouça o cantor que diz
Que o melhor é o desmantelo.
Deixe a escova do cabelo
De Wesley Safadão
Pro Programa do Faustão
Que aqui é outra lisura,
Não mate nossa cultura,
Deixe junho pro São João.
Deixe a tal da muriçoca
Se enganchar no mosqueteiro,
Contrate Alcimar Monteiro
Que nossa música toca.
Deixe o funk carioca
Tremendo seu paredão
Pra quando uma guarnição
Passar baixando o volume,
Perca esse fútil costume,
Deixe junho pro São João.
Nós precisamos parar
A superficialidade,
Pois cultura de verdade,
Jamais pode se apagar.
É triste se constatar
Essa covarde inversão,
E o povo sem ter noção
Do próprio valor que tem:
Faça a você esse bem:
DEIXE JUNHO PRO SÃO JOÃO!
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Vivi oceanos de grandes amores
Banhei-me em riachos de águas fluídas
Do centro das matas que descem das vidas
Pintando seus quadros em tons de mil cores
Sem mais fantasias, sou filho das dores
Canoa encalhada, não posso pescar
Num barco à deriva me vi naufragar
Por não encontrar o caminho dos ventos
Daqui, sem veleiro, derramo lamentos
De amores perdidos na beira do mar
- versos de Greg Marinho
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"Nas vezes que estou bebendo
Alguma coisa aproveito
Se for cerveja, eu não quero
Se for cachaça, eu aceito
Que é pra ver se apago o incêndio
Que a mágoa fez no meu peito"
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"A dor maior que eu senti
Foi a dor da orfandade
Mamãe partiu, eu fiquei
Com doze anos de idade
Não fui no caixão com ela
Mas juro que deu vontade"
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"O pecado pra mim é testemunha
Pois ladeia o meu peito o tempo inteiro
Do primeiro ao último parceiro
Dou um nome diferente, faço alcunha
O vermelho é perene em minha unha
Meu trabalho é melhor sendo as escuras
Sou alguém que procura umas procuras
Que navegam no rio do gemido
E o silêncio da noite é que tem sido
Testemunha das minhas amarguras"
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"Eu moro lá no sertão
Num lugar bem esquisito
A geladeira é um pote
O guarda-roupa, um cambito
O transporte é um jumento
E o telefone é um grito"
----
Senti das paixões abalos
E desesperos medonhos
Sonhos, sonhos e mais sonhos
Sem jamais realizá-los
Na fronte senti os halos
Das auras da juventude
Mas nunca tive a virtude
De dormir entre dois seios
Não tive amores, sonhei-os
Mas possuí-los não pude
----
"Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascidos do mesmo jeito
Criados no mesmo canto
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?"
-----
"Eu nunca tive expressão
Pra dizer quem foi meu pai
Porém do meu coração
Sua lembrança não sai
Se teve falhas na terra
Como todo mundo erra
Peço que Deus o perdoe
Partiu, me deixou partido
Antes eu tivesse ido
No lugar dele que foi"
-----
"Vou te deixar... partirei
Sem saudade e sem temer
Por um motivo eu te amei
Por muitos te esquecerei"
---
Também sinto por vós, heróis sem nome,
Por viverdes feridos como escravos
Explorados, vendidos por centavos
Derramando suor, passando fome
É com sangue dos vossos membros bravos
Que o palerma enriquece, bebe e come
Mas num mar abismal, cheio de agravos
Vossa prole faminta se consome
Quando um dia de fome enfraquecerdes
Morrereis, e ao invés de mármores verdes
Com certeza vereis da sepultura
Vossos filhos crescendo desnutridos
Machucados, chagados, oprimidos
Nas algemas da mesma escravatura
----
Numa cantoria em 1973, João Furiba cantava em São José do Egito com Lourival Batista. Já era tarde e Furiba, que estava acompanhado de uma de suas conquistas amorosas, fez um verso dizendo que ia embora, ao que Louro respondeu:
"Furiba não vá agora
Com essa garota sua
Eu conheço alguns malandros
Que bolem até com a lua
Carregam ela e lhe deixam
Vagando só pela rua"
Furiba retrucou:
"Mais perigoso é a sua
Ficar em casa sozinha
Você entra pela sala
Sai outro pela cozinha
Eu, pra evitar um chifre
Pra onde vou, levo a minha"
---
"Sou poeta e me sujeito
A viver esta emoção
Cantando as dores da alma
Eu vejo com gratidão
Que o meu cantar é tão simples
Como a poeira do chão"
---
"Saudade, um final de festa
Adeus! Suspiros e ais...
Nesga de sombra que resta
Da luz que não volta mais"
----
Fiz farofa de pão de mucunã,
Me inspirei no velhinho do roçado,
O sertão é o palco esverdeado
Que eu ensaio as canções do amanhã...
Minha artista da seca é acauã,
No inverno, o carão é meu cantor,
Um imbu espremido é meu licor
E um juá eu não dou por um confeito,
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador!
----
"Quando eu 'forrei' minha mãe
A lua nascia cedo
Pra alumiar o caminho
De quem deixava o degrêdo"
---
Eu não sei onde é o seu lugar
Se ele prega a justiça ou prega a paz
Mas visita pra mim ele não faz
E isso aí só faz é me revoltar
Se um dia na vida eu lhe encontrar
Eu lhe chamo de louco e de chacal
Lhe ameaço na ponta do punhal
Nunca mais ele canta Jingle Bell
Eu não sei onde está Papai Noel
Que não traz meu presente de Natal
---
"Dos meus prazeres de outrora
Que passaram de momento
Tenho como pagamento
As consequências d'agora
De minha vida uma hora
É hoje um fardo pesado
Sem tempo sentenciado
Quem me prendeu não datou
E a natureza tomou
Tudo quanto tinha dado"
---
"Na vida busco esperança
Driblando o monstro do medo
Sereno como criança
Nas ilusões do brinquedo"
---
Encontrei em você o que todo homem quer
O meu anjo da guarda em feição de mulher
Um veludo na pele, uma boca de flor
Um amor de novela sem novela de amor
---
"Se isso aí se tornar realidade
E alguém do Brasil nos visitar
Nesse nosso país vai encontrar
Confiança, respeito e amizade
Tem o pão repartido na metade
Tem o prato na mesa e a cama quente
Brasileiro será irmão da gente
Vem pra cá que será bem recebido
Imagine o Brasil ser dividido
E o Nordeste ficar independente"
---
Tive toda carcaça de bacana
Aprendi dar calote, puxar saco
Mostrar cara de forte sendo fraco
Mostrar pose de rico sem ter grana
E na listagem da feira da semana
Quando a nota do bolso estava escassa
Poderia faltar feijão e massa
Mas um litro de rum tinha que ter
Por incrível que possa parecer
Já fiz muita besteira com cachaça
----
Nessa época meu gosto social
Era mais um motivo de galhofa
Meu almoço era um resto de farofa
Minha cama um pedaço de jornal
O boteco meu clube social
A meota de cana minha taça
Os colegas de copo minha raça
O enterro de um bêbado meu lazer
Por incrível que possa parecer
Já fiz muita besteira com cachaça
----
"Eu fui menino que andou descalço
Pulando corda, jogando peão
Botando lenha pra fazer o fogo
Batendo enxada pra cavar o chão"
---
Eu fico preocupado
E pergunto pra saber
Se os home deixar o campo
Com medo do padicer
Desta profissão ingrata
Quem vai aplantar batata
Pra esses dotô comer?
Pois ninguém come automóvel
Papel nem computador
Nem bola de futibol
Nem disco nem gravador
Come sim é o produto
Vindo da mão do matuto
Sertanejo lavrador
----
"Um dia no paraíso
Jesus fez grande sermão
Na velha casa de Adão
Foi um dia de Juízo
São Pedro que tava liso
Ali vendeu um jumento
Por 24 e 'quinhento'
Pra comprar 'cumidoria'
Foi muito pão nesse dia
Diz o Novo Testamento"
---
A pobreza amargava como fel
No período infantil por mim vivido
Eu não tinha brinquedo colorido
Da estrela, da grow ou maritel
Mas eu tinha uma pipa de papel
Que bastava ter vento pra voar
E um jegue xotão que pra andar
Era só eu montar e dar um grito
Meu passado infantil não foi bonito
Mas eu tenho prazer de recordar
Mocinha de Passira
Me recordo da casa pequenina
Onde o vento da noite desfilava
No romper da aurora eu me acordava
Com o som da orquestra da cantina
Passarinhos cantavam na matina
Borboletas voavam pelo ar
Quando a noite apagava a luz solar
Vinha a lua enfeitando o infinito
Meu passado infantil não foi bonito
Mas eu tenho prazer de recordar
---
Ivanildo: Não sou ídolo dos cristãos/Sou apenas peregrino/Durmo, sonho, sinto e penso/Como palhaço ou menino/Fazendo ensaios da vida/Nos cenários do destino
Bastião: Sou poeta e tangerino/Enfrentando o sol medonho/Contemplando os campos verdes/Sentindo um olhar risonho/Amansando as aves brancas/No lago azul do meu sonho
---
Quando os pardos nevoeiros
Se rasgam e a água rola
Um sapo vomita espuma
Onde o boi pisa, se atola
E a fartura esconde o saco
Que a fome pedia esmola
---
Eu sou pai de 5 filhos
Que a natureza me deu
De manhã compro 6 pães
Cada um agarra o seu
A mulher pega o que sobra
Quem passa fome sou eu
---
"Jesus nasceu em Belém
Conseguiu sair dali
Passou por Tamataí
Por Guarabira também
Nessa 'viage' de trem
Foi 'pará' no entroncamento
Não encontrando aposento
Dormiu na casa do cabo
Jantou cuscuz com quiabo
Diz o Novo Testamento"
---
"Quando Dom Pedro Segundo
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e ao mundo
O poeta Zé Raimundo
Começou castrar jumento
Teve um dia um pensamento
Tudo aquilo era boato
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento"
---
"Padre, eu mereço clemência
Porque não pequei sozinho
Reparta essa penitência
Com a mulher do meu vizinho"
----
Ninguém calcula a distância
Que ficou minha alegria
Minh'alma tem a tristeza
Da coruja quando pia
Na solidão dos sepulcros
Nas noites de ventania
---
Os carinhos da mãe estremecida
Os brinquedos do tempo de criança
O sorriso fugaz de uma esperança
A primeira ilusão da nossa vida
O adeus que se dá por despedida
O desprezo que a gente não merece
O delírio da lágrima que desce
Nos momentos de angústia e de desgraça
Passa tudo na vida, tudo passa
Mas nem tudo que passa a gente esquece
---
Nasci fitando as colinas
Onde as águas cristalinas
Espalham pelas campinas
O pranto que o céu chorou
Onde a terra faz um adro
Mostrando a risco de esquadro
O mais invejável quadro
Que a mão de Deus desenhou
---
Meu cabelo embranquecido
Meu velho corpo abatido
E essa pele ressequida
São provas do que sofri
Nas ladeiras que subi
Na caminhada da vida
- João Dorico
---
Quando o céu mostra o crepúsculo
E o dia chega ao fim
Um aperto, uma saudade
Eu sinto dentro de mim
Enquanto estou contemplando
Eu fico a Deus perguntando
Se o fim da vida é assim
- Sebastião Dias
---
Andam teus olhos perdidos
Dizes, de tanto chorar
Pois eu perdi os sentidos
De os andar a procurar
---
Disse o cego: os olhos meus
Futuramente irão ver
As alvoradas de Deus
Num eterno amanhecer
---
A vida do ser humano
Pelo tempo é dirigida
A mocidade é uma estrela
Cintilante, bem luzida
E a velhice a plataforma
Da última estação da vida
---
Nem o dia da Mentira
Com tanta banalidade
Impedirá qu'eu prefira
Os amigos de Verdade
(Edmílson Ferreira)
---
"Alguém já me perguntou
O que são mesmo os poetas?
Eu respondi: são crianças
Dessas rebeldes, inquietas
Que juntam as dores do mundo
Às suas dores secretas"
(Dimas Batista)
---
Percorro os quadrantes do sul e do norte
Buscando a verdade jamais atingida
Percebo que a morte precisa da vida
Assim como a vida precisa da morte
No campo da luta só vence o mais forte
No entanto o vencido não pode parar
Prossegue na vida dos filhos, no lar
Produz outras formas de vida na cova
Conforme o processo que a tudo renova
Assim como as ondas na beira do mar
Galope maior de um poeta maior: Dimas Batista.
---
Numa casa de palha eu hoje faço
Meio século de vida de casado
Com uma réca de filhos do meu lado
E uma esposa coberta de cansaço
Inda vejo na velha o mesmo traço
Da beleza que fez seu cantador
Misturar-se nas raias do calor
Que ela tinha na bela mocidade
Só a neblina da neve da saudade
Enverdece o jardim do nosso amor
- Versos de Chico Buriti, roceiro-cantador à época dos versos vivendo no Ceará (Carnaubinha). Fonte: Quadra Quadrado Quadrão, de Vanderley Pereira
---
Repentista não é profissão só de homem. Aqui vão versos de Mocinha da Passira:
Amor é vinho servido
Em alva taça pequena
Quem bebe pouco quer mais
Quem quer demais se envenena
Quem se envenena de amor
Morrendo, Deus não condena
---
Estrofe d' Os Nonatos, cantada de improviso em João Pessoa, com o tema "Túnel do Tempo":
A vida, sem perceber
Tudo que eu tinha tomou
Fragmentos de amizade
Que a saudade espatifou
Eu pus no túnel do tempo
E o trem dos anos levou
---
Soneto intitulado "Quem Sou Eu?", de Francineto Teodoro (Riacho dos Cavalos/PB), retirado da publicação francesa Repentistas Nordestinos (Troubadours du Nordeste):
Quem sou eu se nem eu sei o que sou?
Muitas vezes tentando me explicar
A mim mesmo me ponho a perguntar:
Por que vim, de onde vim, aonde vou?
Foi do ventre da mãe que me gerou
Que o destino surgiu pra me guiar?
Ou o tempo se nega de informar
Como a minha existência começou?
Essa minha pergunta vive exposta
Mas não vem uma frase por resposta
Pra dizer como tudo aconteceu
Nesse mundo sem fim vivo vagando
Cabisbaixo, tristonho e meditando
Perguntando a mim mesmo: quem sou eu?
---
Eu olhando a estiagem
Deitado na minha rede
Vi um açude sem água
Com três rachões na parede
E uma abelha no velório
Da flor que morreu de sede
- João Paraibano
----
"Já nas avenidas belas
Cada edifício é um nome
Num bonito apartamento
Um burguês que tudo come
Ocupa os vãos que um pedreiro
Construiu passando fome"
- Bela crítica social de Sebastião Dias
---
Trinta deu a cacetada
Em cima do cabelouro
Trinta e um veio e sangrou
Trinta e dois tirou o couro
Quem escapou dessa vez
Pra alcançar trinta e três
Já foi com cara de choro
---
Eu sofri do mesmo jeito
Que os conterrâneo sofrêro
A mãos da seca escrevêro
Umas tragédia em meu peito
No fundo do meu esprito
Juro como tenho escrito
Um romance doloroso
É uma história escrivida
No livro de minha vida
Que se apagar é custoso
---
Confiei na minha sorte
Sempre fui o que Deus quis
Nem a certeza da morte
Vai me fazer infeliz
---
Já bem velho e sem saúde pra muitas viagens, Pinto do Monteiro tinha uma mercearia que, ao que parece, nunca deu muito certo. Cantando com João Furiba, Pinto queixou-se:
Negociar sem ganhar
Não há cristão que suporte
Por isso eu acho melhor
Lutar em busca da sorte
E viajar com você
Ao Rio Grande do Norte
João Furiba, em seguida, propõe uma solução:
Se você quiser ter sorte
Na sua mercearia
Mande por uma etiqueta
Em cada mercadoria
E ponha meu nome nela
Que conquista a freguesia
Pinto responde ligeiro:
Triste da mercadoria
Que nela tiver seu nome
Pode vir um gabiru
Com quinze dias de fome
Caga o pão e mija o queijo
Passa por cima e não come
---
Já não tenho meus dentes naturais
Que mordi rapadura e biscoito
Cadê minha pressão doze por oito
Que no peito não tá batendo mais
Dou um passo pra frente dois pra trás
Assim mesmo com pouca agilidade
Que as feridas abertas pela idade
Ninguém seca com pano de compressa
Vi o tempo passando tão de pressa
Que nem lembro que tive mocidade
João Paraibano
---
Louro Branco, improvisador ímpar que viveu um passado de extravagâncias, converteu-se ao protestantismo após uma cachaçada. Cantando com o grande poeta Valdir Teles em SP, após sua conversão, terminou uma estrofe dizendo:
"Palavrão não dá certo para mim
Que sou crente em Jesus de Nazaré"
Valdir, conhecendo o passado de Louro, assim respondeu:
"Você diz que é crente mas não é
Assumiu com Jesus um grande débito
Pois você sempre foi um grande adepto
De umbanda, xangô e candomblé
Viveu sempre cantando em cabaré
Engolindo aguardente até cair
Vem agora querendo me iludir
Doido branco da cara sem-vergonha
Vá fumar seu cigarro de maconha
Encha o rabo de cana e vá dormir"
Este episódio é relatado no livro "O Ídolo Que Não Morreu", de Diniz Vitorino, que termina o relato com um merecidíssmo elogio:
"Um Valdir Teles desse faz a viola agradecer-lhe"
----
A filhinha de um mendigo
Sentada aos seus pés, num beco
Comendo um pão doce e seco
Diz: "Papai, coma comigo"
E o velho pensa consigo:
"Meu Deus, mudai sua sina
Pra que a minha pequenina
Não sofra o que eu sofro agora"
Ri a filha, o velho chora
Depois que a feira termina
---
Se o pranto é irmão do riso
Nascidos do mesmo amor
Tanto me faz estar rindo
Como sentindo uma dor
Que o sofrimento é da vida
Como o perfume é da flor
---
Pra dividir minha herança
Ma faltava um candidato
Aí fui num orfanato
Da cidade de Esperança
Adotei uma criança
Morena, da minha cor
Só não vai ser cantador
Porque é uma menina
Quem adota um filho assina
Um atestado de amor
(Adauto Ferreira)
---
Meu filho nunca faças o que eu fiz
E o que eu fiz não procures nem saber
Fite bem meu semblante que lhe diz
O que eu tenho vergonha de dizer
Não roubei, não matei, porque não quis
Ceifar vidas humanas pra viver
O meu mau foi cantar pra ser feliz
Tendo dor pra chorar até morrer
Como é triste, meu filho, ser poeta
E fingir que é filósofo, que é profeta
Não reunia multidões, pregar à esmo
E aos céus enviar cantos fingidos
E tentar consolar os oprimidos
Quando o mais oprimido sou eu mesmo
---
"Paraíba, minha terra
Tudo quanto em mim se encerra
De pureza e de Verdade
Vai nesses versos que são
A voz do meu coração
O grito de uma saudade"
(Zé da Luz)
---
No fim de sua vida (viveu mais de 90 anos), Pinto do Monteiro já não enxergava nem andava. Seu grande amigo e poeta João Furiba, com quem fez cantorias históricas, foi visitá-lo nesta época. Entrou sem que Pinto percebesse (pulou a janela) e surpreendeu-o com esses versos:
Há muito tempo eu não vinha
A esta santa moradia
Encontrar o velho Pinto
Me traz muita alegria
Que é mesmo que eu ganhar
No bolão da loteria
Pinto, que estava deitado como que dormisse, virou-se rapidamente e respondeu:
Jamais imaginaria
Que você chegasse agora
Com essa tua presença
Tive até uma melhora
Quer ver eu ficar bom mesmo
É quando você for embora
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Louro Branco e Jorge Macedo em desafio (trecho):
[JM]
Você já foi na favela
Onde a polícia socorre
Foi a baixo meretrício
Bebeu, amou, tomou porre
E agora falando em briga
É o primeiro que corre
[LB]
Eu até bebendo porre
Fiz menino feio e belo
Hoje eu não faço mais nada
Nem brugela e nem bruguelo
Que ninguém bate no prego
Sem levantar o martelo
[JM]
Sei que você já foi belo
Mas perdeu a condição
Que o tempo te transformou
E com essa transformação
Eu já vi que sua arma
Esgotou a munição
[LB]
Meu já nasceu Bastião
Lula, Pedro e Juarez
Nasceu Tereza Joaquina
Nasceu Maria Inês
Hoje se nascer mais um
Foi Zé Pilintra que fez
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Duas estrofes, de dois grandes poetas. Lourival Batista, cantando em desafio sobre conquistas amorosas, disse:
"Isso foi antigamente
Quando você era macho
Mas um sujeito perverso
Passou-lhe a faca por baixo
O sangue desceu na perna
E o gato aparou o cacho"
Seu oponente, entretanto, era Pinto do Monteiro, célebre cantador (por muitos considerado o maior de todos) que não levava desaforo pra casa e não tinha papas na língua. Pinto responde prontamente:
"Enfraquecido me acho
Por um cabra mau e bruto
Quando correu a notícia
Que perdi esse produto
Tua mãe chorou três dias
E ainda hoje tá de luto"
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Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
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Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
Luís de Camões
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Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.
Luís de Camões
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Responderam-me a chorar,
Com voz de quem muito amou:
Sabeis que dor os desfez,
Ou que traição os gelou?
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Desabafa no meu peito
Essa amargura tão louca,
Que é tortura nos teus olhos
E riso na tua boca!
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Com tanta contradição,
O que é que a tua alma sente?
És alegre como a aurora,
E triste como um poente...
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Enquanto teus lábios cantam
Canções feitas de luar,
Soluça cheio de mágua
O teu misterioso olhar...
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A mulher tem na face dois brilhantes
Condutores fiéis do seu destino
Quem não ama o sorriso feminino
Desconhece a poesia de Cervantes
A bravura dos grandes navegantes
Enfrentando a procela em seu furor
Se não fosse a mulher mimosa flor
A história seria mentirosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor
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