Tudo me incomoda! Até os ativistas... O que posso fazer?
Beatriz Grácio
Beatriz Grácio
Dezembro já tinha chegado, mas, embora o frio prevalecesse, havia agora um sol diferente das nuvens de novembro. As noites, no entanto, deixavam a casa gelada. O episódio que te conto nesta carta passou-se exatamente numa dessas noites frias, depois do jantar. Tu e a tua avó cobertas com mantas, no sofá, e eu, claro, no meu cadeirão a ver o telejornal.
̶̶ Credo! Lá vêm eles outra vez com os ativistas. Já cansa!
O desdém na minha voz fez-te virar imediatamente para mim, com os olhos abertos e a brilhar, e as sobrancelhas erguidas, com espanto.
̶ Mas o que é que te irrita tanto nos ativistas, homem? ̶ perguntou a avó Aline, que estava farta de me ouvir reclamar.
̶ Tudo, tudo! Não vês que aquilo é só garganta?! Protestam, gritam, mas depois, na hora da verdade, não servem para nada, a não ser para falar, falar e falar… As ações que fiquem para os outros, aqueles que mandam, mas não se esforçam para mudar nada! E o pior é que os ativistas aparecem por todo o lado, muito bem vistos, e ainda são idolatrados! Até eu conseguia fazer um discurso contra o desperdício de água ou a criticar o racismo e a violência…
Foi aí que te olhei, já adivinhando as perguntas sobre o que tinha acabado de dizer, como: "O que são ativistas?". Mas a questão que surgiu foi muito diferente:
̶ Porque pensas assim, avô?
Olhei-te.
̶ Assim como? – perguntei.
̶ Por que é que achas que as ações são mais importantes do que as palavras?
̶ Não é que eu ache que as palavras não importam. Só que…
E fiz uma pausa.
̶ Só que…?
̶ Acho que, no final, as ações fazem realmente a diferença.
̶ Então, para ti, as palavras só completam as ações ̶ concluiu a tua avó, que bebia, muito atentamente, cada palavra daquela conversa.
Eu hesitei na minha resposta, mas escolhi dizer com confiança:
̶ Sim, pode dizer-se que é assim que penso.
̶ Mas as palavras fazem tudo!...
Quando disseste isso, eu esqueci-me novamente daquilo que tinha planeado ser para ti. Apenas quis debater aquela questão e só estava concentrado nela.
̶ Fazem tudo? ̶ perguntei-te.
̶ As palavras tocam as pessoas ̶ explicaste. ̶ As palavras podem deixar-nos mais felizes ou mais tristes, num só segundo. E, acima de tudo, é através das palavras que deitamos cá para fora o que sentimos. Então, se calhar, avô, os ativistas usam as palavras para chegar melhor às pessoas.
Eu e a tua avó não dissemos nada. Só ficámos a olhar para ti. Ela com um sorriso, claro, e eu apenas com um ar sério e pensativo. Foi pouco depois que o telefone tocou e a tua avó se levantou para o ir atender. Eu e tu esperámos na sala, até que a ela entrou na sala, de rompante.
̶ Era do hospital – disse a avó. ̶ A Margarida acordou! Ela vai ficar bem, só precisa de mais duas semanas de repouso e ainda consegue passar o Natal contigo, Catarina!
Tu esboçaste um sorriso bonito e reluzente, antes da tua avó te levar para a cama. Depois, ela voltou à sala e sentou-se perto de mim. Ficámos os dois em silêncio, mergulhados no som do telejornal, obviamente.
̶ Olha, parece que os chineses têm para lá um vírus novo... ̶ comentou a tua avó, para quebrar o silêncio tremendo.
̶ Sim – respondi desinteressadamente. ̶ Pelos vistos...