História da Metalúrgica Abramo Eberle
Nesta página, apresentamos uma síntese histórica sobre a Metalúrgica Abramo Eberle. Destaca-se o surgimento da indústria na região, a vinda da família Eberle para o Brasil, a construção da imagem do empreendedor, as transformações da fábrica quanto à força de trabalho empregada, processo produtivo e ampliação do parque industrial, até o ápice com a inauguração da Fábrica 2 - Fundição e Máquinas. Também é abordado o trabalho dos aprendizes e das mulheres operárias na Metalúrgica. O enfoque tem inspiração em uma história social do trabalho.
Gênese da indústria na região de colonização italiana
Imigrantes trabalhando na abertura de estradas. Colônia Caxias, década de 1890. Acervo: AHMJSA.
Antes de entender a indústria na região de colonização italiana é importante compreender o que significou o processo de imigração e a sua cultura do trabalho. A industrialização no sul do Brasil, e especificamente na região Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, teve a sua gênese ligada ao processo de imigração e colonização iniciado no governo imperial e continuado no período republicano. A crise econômica e social da Itália, a necessidade de substituição do trabalho escravo no Brasil e o interesse em ocupar as terras no sul do país, foram as principais razões para a vinda de imigrantes para o Rio Grande do Sul no último quartel do século 19.
No contexto da colonização, colônias oficiais foram criadas para receber os imigrantes com certa infraestrutura. Principalmente, tiveram o benefício de serem proprietários de lote para construir sua moradia e para produzir.
De forma geral, o regime da pequena propriedade oportunizou significativa mudança econômica e social para as famílias. Em pouco tempo, o excedente produtivo passou a ser comercializado, favorecendo um ambiente de trocas e de circulação de capital. Muitos imigrantes também trouxeram alguma bagagem de conhecimentos e ofícios das suas regiões de origem, montando no novo país pequenas oficinas e fábricas para atender a demanda regional, destacando-se o serviço de ferreiros, carpinteiros, oleiros e funileiros. Essas pequenas fábricas, de caráter artesanal, eram um prolongamento das atividades agrícolas, mas crescem à medida que a demanda com a chegada de novos imigrantes ia aumentando, indicando a gênese de um processo de industrialização.
A partir do ano de 1875, o Brasil absorveu uma porção significativa de imigrantes europeus, que buscavam no novo continente melhores condições de vida. A Itália passava pelo processo político de unificação, e tinha desigualdades regionais que colocavam boa parte de sua população na pobreza e miséria, sendo a emigração a decisão de muitas famílias. Durante o século XIX, estima-se que o Brasil tenha recebido pouco mais de um milhão de italianos, que espalharam-se, sobretudo, pelas regiões de São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. No contexto nacional, transformações importantes explicam o fim da escravidão e adoção do trabalho livre para os imigrantes. Em 1850, foi assinada a Lei de Terras, que estabelecia uma nova forma de acesso à propriedade. No mesmo ano, encerrou-se oficialmente o tráfico de escravos, com Lei Eusébio de Queiroz. Anos mais tarde, em 1871, foi promulgada a Lei do Vente-Livre, declarando livres os filhos de escravos nascidos após essa data. Eram estes os primeiros passos para extinguir a escravidão, o que ocorreu de fato com a Lei Áurea, em 1888. Nesse contexto, os imigrantes brancos europeus eram o principal elemento para substituir a mão-de-obra dos negros escravizados, já que estes, pela condição da sua "raça", assim considerados pelas teorias racistas do período, seriam fatores de degeneração da população.
Além das razões acima, o fortalecimento das atividades industriais foi beneficiado pela evolução das redes técnicas (ferrovia e estadas de rodagem), permitindo o escoamento da produção a outros centros econômicos do Estado do RS. No âmbito dos valores morais, os imigrantes possuíam alguma coesão étnica, tendo a religião e a moral católica como um elemento comum. Importante também foi a construção de uma cultura de valorização dos sentidos do trabalho, o que contribuiu para o aumento do contingente de empregados nas fábricas e para a disciplina destes. O conceito de trabalho, inspirado na máxima 'labor omnia vincit' ("o trabalho tudo vence"), foi visto como fator de engrandecimento moral e de enriquecimento. Nesse contexto, a Metalúrgica Abramo Eberle, uma das maiores fábricas do estado na primeira metade do século 20, é um exemplo significativo.
A família Eberle no Brasil e o início da funilaria
Abramo Eberle, o segundo filho de Giuseppe e Luigia Zanrosso Eberle, nasceu em 2 de abril de 1880, na comuna de Monte Magré, em Schio, Itália. Seu nome teria sido escolhido em homenagem a um amigo de Giuseppe, e de quem o patriarca da família adquiriu alambiques e caldeiras para trazer ao Brasil quando a família decidiu emigrar. Além das máquinas, Giuseppe também trouxe mudas de frutíferas, com o intuito de cultivá-las na nova terra.
Giuseppe (José) Eberle e Luigia (Luisa) Zanrosso Eberle chegaram ao Brasil no ano de 1884 e instalaram-se na antiga Colônia Caxias. Vieram junto os filhos Eugênio Luigi, com 6 anos de idade, Abramo, com 4, Maria Giuseppina, com 2, e Maria Luisa, com um ano, que faleceu na chegada ao Brasil. Também acompanhou a família a mãe de Giuseppe, a octogenária Catarina.
No Brasil, Giuseppe comprou uma pequena funilaria, localizada na Rua Sinimbu, que pertencia ao também imigrante Francisco Rossi, e com quem Giuseppe aprendeu o ofício de funileiro, sendo esse um dos tratos do negócio. Em razão de problemas de saúde, Giuseppe não permanece muito tempo à frente da funilaria, passando-a ao controle da esposa. Luigia logo irá se tornar conhecida no ofício, sendo chamada pelo apelido de Gigia Bandera (Luisa, a Funileira). Além de realizar os serviços da funilaria, Luigia vendia os produtos fabricados nas feiras que ocorriam na Praça Dante Alighieri, sobretudo aos finais de semana, aproveitando a vinda dos colonos para participar da missa na Igreja Matriz. O filho Abramo, ainda bastante jovem, auxiliava a mãe na oficina.
Apesar de crescer a demanda pelos produtos da funilaria, Giuseppe decidiu, em 1896, vender a pequena fábrica, para dedicar-se somente ao trabalho na propriedade rural que pertencia à família. Conforme a biografia do industrialista, escrita pelo memorialista Álvaro Franco, Abramo teria proposto ao pai permanecer à frente do negócio, e fazendo-lhe a proposta de adquirir a oficina pelo valor de 600$400.
Ourivesaria e Funilaria Central de Abramo Eberle em 1906. Acervo: AHMJSA.
Originalmente, a pequena funilaria fabricava produtos para uso pelos agricultores nos lotes rurais, destacando-se as lamparinas a querosene, artigos de grande procura em uma época em que não havia energia elétrica.
Além do serviço de funileiro, Abramo envolveu-se em atividades comerciais, buscando ampliar o seu capital. Em 1901, Abramo fez uma viagem para o Estado de São Paulo, levando produtos coloniais para serem vendidos nas fazendas de café, onde muitos imigrantes italianos estavam empregados. Saindo de Caxias, acompanhou o transporte de um carregamento de vinho, graspa, salame, presunto e queijo. Também em 1901, casou-se com Elisa Venzon Eberle, sendo a esposa a responsável, nos primeiros tempos, a responsável por preparar o almoço para os empregados da funiliaria, além de fazer pequenos consertos em guarda-chuvas e sombrinhas.
Outros acontecimentos são destacados na biografia de Abramo Eberle, escrita por memorialistas e presentes nas publicações oficiais da empresa, que certamente contribuíram para a construção da imagem de um empreendedor. Desses acontecimentos, ressalta-se a sua participação política no Município e em entidades de classe, tornando-se vice-intendente (equivalente ao atual cargo de vice-prefeito) no período de 1924 a 1928, integrando a Associação dos Comerciantes de Caxias do Sul a partir de 1906, e representando a cidade no Centro de Indústria Fabril do Rio Grande do Sul, criado em 1930.