Ao longo da história, é perceptível a falta de representatividade das mulheres em diversos âmbitos, já que muitas vezes são “apagadas” da narrativa por causa de uma visão machista e sexista presente na sociedade praticamente desde sempre. Esse tipo de comportamento excludente se tornou tão comum que muitas vezes passa despercebido, tornando-se totalmente banal. Por isso, é preciso sempre relembrar que mulheres não só fizeram parte como também tiveram enorme impacto na história da humanidade em diversos meios. Nesse sentido, serão citadas duas personalidades femininas que estiveram presentes nos movimentos Art Nouveau e Art Decó e que revolucionaram além do meio artístico, sendo importantes para a inspiração e inserção de mais mulheres nessa área.


Art Nouveau

“[...] a formação do Art Nouveau pode ser atribuída a inúmeras fontes no século 19, incluindo toda uma gama de historicismos e ecletismos, além da influência imediata do ‘Arts and Crafts’ e de movimentos artísticos, como o Simbolismo e o Esteticismo.” (CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design, pp. 96, São Paulo: Ed. Blucher, 2008, 3.a ed).

Ann Macbeth

(25 de setembro de 1875 – 23 de março de 1948)

A britânica Ann Macbeth era bordadeira, designer, autora, professora e membro da Escola de Arte de Glasgow, na qual se graduou. Também participou ativamente de movimentos sufragistas, sendo membro do “Women's Social and Political Union”, e produzindo painéis para esses movimentos.

Ela morou na Inglaterra, e, em 1897, foi à Escócia para estudar bordado na Escola de Arte de Glasgow. Foi aluna de Jessie Newbery, uma bordadeira renomada daquele período. Após concluir sua graduação em 1901, logo se tornou assistente de Jessie Newbery, e seu notável trabalho de bordado foi publicado na revista “The Studio”. Ainda em 1901, Macbeth exibiu seus bordados na Primeira Exibição Internacional de Glasgow e, em 1902, suas obras foram incluídas na Exibição Internacional de Arte Decorativa Moderna em Turim, na Itália, na qual ganhou uma medalha de prata pelo seu design do Brasão de Armas de Glasgow. Em 1906, começou a lecionar bordado, trabalho em metal, design de encadernação e cerâmica. No ano de 1908, ela assumiu o cargo de chefe do departamento de bordado da Escola de Arte de Glasgow.

Foi Macbeth que produziu o banner para a marcha sufragista da “National Union of Women's Suffrage Societies” de 1908, de Edimburgo. Em outubro 1909, a filial de Glasgow da “Women's Social and Political Union foi presenteada com um banner bordado produzido por Macbeth. Para uma exposição em 1910, ela projetou o banner “WSPU Holloway Prisoners”, uma colcha de linho com assinaturas bordadas de 80 sufragistas em greve de fome. Ela participou, em 1911, do planejamento da “Exposição Escocesa de História Nacional, Arte e Indústria”, fazendo parte do comitê da “Seção de Artes Decorativas e Belas Artes”. Em 1912, se tornou Diretora de Estudos no “Needlework-Decorative Arts Studio”.

Entre os anos 1911 e 1924, publicou seis livros sobre bordado, tais quais “Educational Needlecraft” (inicialmente publicado em 1911, com Margaret Swanson), “The Playwork Book” (inicialmente publicado em 1918), “School and Fireside Crafts” (inicialmente publicado em 1920, com May Spence), “The Country Woman's Rug Book” (inicialmente publicado em 1921), “Needleweaving” (inicialmente publicado em 1922), e “Embroidered Lace and Leatherwork” (inicialmente publicado em 1924). Dentre esses, o livro didático “Educational Needlecraft” recebeu aclamação internacional e influenciou amplamente o ensino de bordados. Ela também produziu vários designs de joias, e alguns deles apareceram como ilustrações em livros de Peter Wylie Davidson.

Em suas aulas e livros, Macbeth difundiu a abordagem do “Glasgow Movement” sobre o design e colocou em prática as ideias do movimento “Arts and Crafts”. Além disso, em suas publicações, aumentou o prestígio da costura doméstica e influenciou uma nova geração de designers-artesãs, encorajando-as a produzir suas próprias roupas e a não copiar padrões. Ela defendia o uso de “materiais humildes”, como o linho e o algodão, pois eram mais baratos e acessíveis. De 1920 em diante, Macbeth também ensinou artesanato no “Women’s Institute” e participou de programas que objetivavam amenizar as dificuldades econômicas locais.

Ela se tornou uma renomada bordadeira e designer. Sua produção, além dos bordados, incluiu encadernações, trabalhos em metal e designs para os fabricantes de carpetes “Alexander Morton and Co.”, “Donald Bros. of Dundee”, e “Liberty's & Knox's Linen Thread Company”. Para essa última, Macbeth também forneceu bordados no estilo Art Nouveau que fizeram parte dos catálogos de pedidos pelo correio da empresa até o início da Primeira Guerra Mundial. Esses designs foram vendidos pela Liberty como decalques de bordado para vestimentas e mobiliário. Em 1920, ela se mudou para Patterdale em Westmorland, Cúmbria. Permaneceu na Escola de Arte de Glasgow como professora visitante até sua aposentadoria, em 1928. Em Patterdale, continuou a produzir bordados, que frequentemente eram grandes designs decorativos, e produziu vestimentas e cortinas para igrejas. Ela também fabricava as próprias porcelanas e as decorava. Desenvolveu um método simples de tecelagem de tapetes que foi descrito em seu livro “Country Woman’s Rug” em 1929.

A “St. Patrick's Church” em Patterdale, Cúmbria, abriga alguns dos bordados criados por Macbeth. Exemplares de suas obras foram exibidos nas salas de chá da “Miss Cranston” em Glasgow por um longo período. Ela também produziu bordados para a “Glasgow Cathedral”. Além disso, muitos de seus trabalhos, tanto em bordado quanto em cerâmica, foram exibidos no “Kelvingrove Museum” em sua exposição “Making the Glasgow Style”, de 30 de março até 14 de agosto de 2018.

Seus painéis bordados frequentemente apresentavam mulheres com guirlandas ou mulheres inseridas em uma paisagem, características muito presentes no Art Nouveau, e que se assemelhavam aos vitrais da época. Geralmente, o estilo Art Nouveau “[...] está associado [...] com a sinuosidade de formas botânicas estilizadas, com uma profusão de motivos florais [...] em curvas assimétricas e cores vivas, com a exuberância vegetal de formas que brotam de uma base tênue, [...] se entrelaçam e irrompem em uma plenitude redonda e orgânica [...].” (CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design, pp. 96, São Paulo: Ed. Blucher, 2008, 3.a ed). Essas características eram muito presentes nos trabalhos de Macbeth:

Art Decó


“O Art Decó está ligado intimamente ao surgimento de um espírito assumidamente modernista nas décadas de 1920 e 1930.” (CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design, pp. 98. São Paulo: Ed. Blucher, 2008, 3.a ed).


Sonia Delaunay

(14 de novembro de 1885 – 5 de dezembro de 1979)


A ucraniana Sonia Delaunay mostrou interesse pela arte desde cedo. A partir dos 5 anos, morando na Rússia, visitou museus e galerias e, com isso, seu gosto pela pintura foi despertado. Estudou em São Pestesburgo, na Rússia, e posteriormente, aos 19 anos, vai para a Alemanha estudar na Academia de Belas Artes de Karlsruhe. Mais tarde, instalou-se em Paris e frequentou a Academia da Paleta. Em Paris, no ano seguinte a sua chegada na cidade, Sonia participa de uma exposição coletiva ao lado de Braque, Picasso, Derain, entre outros. Sua primeira exposição pessoal acontece no ano posterior, na mesma galeia da exposição coletiva, a “Notre-Dame-des-Champs”.

Era uma artista multitalentosa, atuando nas área de pintura, design, figurino e cenografia. Ainda assim, “Sonia tem sido menos reconhecida por sua contribuição à história da arte moderna e abstrata do que merece. Tem sido marginalizada por uma narrativa da história da arte que prioriza artistas homens e, por vezes, posiciona seu trabalho como decorativo.” (Juliet Bingham, curadora da exposição sobre Sonia Delaunay na Tate Modern). Mesmo nesse contexto, Sonia foi uma figura importante na jornada pelo reconhecimento das mulheres no campo artístico, principalmente no movimento Art Decó.

Após o término do seu casamento com Wilhelm Uhde, Sonia se casa com Robert Delaunay em 1910. É junto a ele que Sonia funda o “Simultané” (ou “Simultaneidade”), uma teoria baseada no uso da cor, que significa dar uma sensação de movimento, de ritmo, à obra, por meio do posicionamento próximo de cores contrastantes. Em 1911, nasce Charles, o filho do casal, e Sonia decide fazer um cobertor composto por pedaços de tecido, como os que ela tinha visto nas casas dos camponeses ucranianos, para seu filho. Quando terminou de produzir esse cobertor, o arranjo das peças de material evocou concepções cubistas para Sonia, que, em seguida, tentou aplicar o mesmo processo a outros objetos e pinturas.

Quilt feito por Sonia para seu filho Charles

Durante a Primeira Guerra Mundial, Sonia e Robert viajam para a Espanha e Portugal, onde se instalaram na Vila do Conde entre 1915 e 1917, em uma casa que chamaram de “La Simultané”. A cultura, a luz e as cores fortes desses países inspiram o trabalho da artista. O ritmo da dança dos países ibéricos era representado nas obras de Sonia em composições dinâmicas e estilizadas. Dançarinos e mercados de rua servem de inspiração para suas telas, nas quais formas arredondadas começam a aparecer e dão a nítida sensação de movimentos circulares. Em Portugal, Sonia realizou importantes obras inspiradas na arte popular Portuguesa. Nessa mesma época, o coreógrafo Sergei Diaghilev, interessado pelo trabalho de Sonia, encomendou-lhe o projeto de figurinos para o seu ballet “Cleópatra”.



Depois de um tempo de permanência entre Portugal e Espanha, Sonia voltou a morar em Paris em 1920 e se dedicou ao desenho de moda e de tecidos, aos quais aplicou parte das suas teorias sobre a relação entre cor e forma. O seu uso de padrões geométricos e intensamente coloridos revolucionou o design de têxteis, assim como suas combinações desses panos coloridos no vestuário. Essa identidade visual produzida por Sonia mostrava a sua inserção no movimento Art Decó, pois este é “[...] caracterizado como [...] mais construtivo, [...] mais geométrico, [...] mais mecânico, menos um entrelaçamento de linhas e mais uma sobreposição de planos [...].” (CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design, pp. 96. São Paulo: Ed. Blucher, 2008, 3.a ed).

A visão dela sobre a moda foi muito relevante, já que a construção técnica de suas roupas foi projetada para atender ao que ela chamou de “requisitos da vida real das mulheres”. Nesse sentido, ela planejava modelagens libertadoras que permitissem o movimento às mulheres - trabalhar, dançar, praticar esportes, entre outras atividades. Dentro dessa perspectiva, ela escreveu uma carta direcionada a Jacques Damase, em maio de 1968, protestando: “Todas as [minhas] obras foram feitas para mulheres e todas foram construídas em relação ao corpo. Não eram cópias de pinturas transpostas para o corpo das mulheres, como um costureiro fez com Mondrian e Pop Art […] acho isso completamente ridículo.” O que parece ser um elemento particularmente importante no design de roupas de Sonia é que ela projetava peças para serem usadas por corpos, de acordo com suas formas, e não em oposição a elas, como costuma acontecer. Ela chamou seus tecidos pintados à mão “contrastes simultâneos”, expressão que refletia o seu interesse pelas relações cromáticas.


Após o falecimento de Robert, seu marido, em 1941, Sonia se estabeleceu em Grasse, no sul da França. Na década de 1960, realizou uma série de pinturas abstratas designadas “Rythme Couleur” ( ou “Ritmo e Cor”). Continuou a produzir sua arte até o ano de sua morte, 1979, em Paris.


Algumas obras da série “Ritmo e Cor”:

Seus designs inspiraram o músico David Bowie, que, em uma histórica apresentação em 1979 no programa Saturday Night Live, apareceu no palco vestindo trajes enigmáticos desenhados por ele próprio e Mark Ravitz, inspirado pelo figurino dadaísta projetado por Sonia para a peça teatral “Le Coeur à Gaz“. A roupa era uma espécie de barril rígido em forma de smoking que permitia apenas movimentos robóticos.





Bowie, ainda encantado com as formas de Delaunay, inspirou o figurino de suas duas turnês posteriores “Ashes to Ashes” e “Scary Monsters”:

Também é notável a influência de Sonia, principalmente na moda, em designs de grandes marcas, como Prada, Missoni, Jean Paul Gaultier, entre outros.



Texto desenvolvido por Alícia Costa Leite para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).