Ao ver colunas de mármore, remetemos à Grécia, ao ver uma biga ou roupas de gladiador, Roma. Se te convidam para uma festa com tema “Japão”, provavelmente você tem uma certa ideia do que irá encontrar lá: roupas de gueixa ou samurai, quimonos, bambu, e talvez um painel de fundo com casas tradicionais japonesas.

Fato é que as civilizações antigas mais prósperas ao redor do mundo atingiram altos níveis de desenvolvimento nos mais variados âmbitos: linguagem, arte, culinária, arquitetura, dentre tantos outros. Todas possuem alguma contribuição a nível mundial, e uma das mais impactantes ocorreu na Inglaterra: a Revolução Industrial.

A Inglaterra, no auge de sua glória econômica por implementar um sistema de produção em massa de baixo custo, encontrava-se num estado de prosperidade, de referência mundial. Mas, quando pensamos na questão de identidade cultural e visual, o que vem à mente? Vestidos pomposos? Chá? E no tocante à arquitetura? Por que ela não é tão única e representativa como nas outras nações já citadas?

O povo inglês tinha noção de sua importância e do nível de prosperidade que atingiram, porém, quando pensamos em arquitetura inglesa, não é fácil materializar na mente algo com um estilo único que não possa ser encontrado em qualquer outro lugar da Europa, mesmo os pontos turísticos do país se assemelham à construções da França, por exemplo.

O ponto chave é que os designers e arquitetos deste período se agarraram a filosofia de que, tendo a nação como “centro” da modernidade global da época, era mais que apropriado unir o melhor de cada civilização próspera do mundo, juntando o melhor de cada estilo com o objetivo de criar a nação ideal, uma espécie de ecletismo estilístico. Segundo Rafael Cardoso : “Todas essas tendências chamadas historicistas tinham em comum a convicção de que a ruptura com a tradição imposta pela modernidade industrial havia suscitado uma crise, minando valores importantes ou, no mínimo, conduzindo a uma carência de propostas originais.” (Cardoso, 2008, pág. 94), Isto é: havia um certo receio de que a modernidade suprimisse valores da cultura tradicional anterior a Revolução Industrial, e assim, a sociedade perderia sua cultura e sua identidade, sua essência. Ainda sobre este ponto da perda da essência cultural, o autor reitera: “Outros argumentavam que era preciso saber abraçar e até mesmo celebrar essa carência, combinando os melhores aspectos dos diversos estilos disponíveis em um ‘Ecletismo’ que tirasse partido da justaposição e do equilíbrio das partes como indícios da suprema superioridade do presente.” (Cardoso, 2008, pág. 94). Pode-se entender que este desprendimento dos valores tradicionais podia não ser de todo mal, pois poderia ser reinterpretado como a quebra de um ciclo e o surgimento de uma nova era para a nação inglesa deste período. Sendo assim, tornava-se mais entendível o objetivo de reconstruir a identidade visual do país do zero aglutinando elementos estéticos de outras nacionalidades, pois, após a primeira Revolução a Inglaterra tornara-se o coração desenvolvido do novo mundo industrializado. Com isso, o conceito da identidade visual eclética se fazia mais fortalecido e embasado.

Castelo de Balmoral, completamente reconstruído para a Rainha Vitória, um exemplo do estilo Scots Baronial. Disponível em: < https://www.estilosarquitetonicos.com.br/arquitetura-vitoriana/>

Mesmo considerando este lado da história de que uma nova era demandava uma identidade inteiramente nova, ela não se difundiu pela totalidade dos artesãos, designers e arquitetos, o que propiciou para os mais saudosistas, oportunidades (valendo ressaltar que não foram de fato dadas, mas sim criadas como resposta ao crescimento do movimento da industrialização) de manter viva a tradição em meio ao turbilhão de inovações e transformações sociais advindas das constantes mudanças causadas pela revolução da indústria. O fator mais forte, impactante e consolidado deste movimento anti industrialização foi o surgimento do movimento Arts and Crafts (Artes e Ofícios, em tradução direta), que tinha como objetivo principal manter viva a tradição do ofício e do artesanato tendo como diferencial a qualidade, o sentimentalismo, e o apego à qualidade artística e estética de seus produtos, ao mesmo tempo em que o mercado era totalmente tomado por produtos industrializados por possuírem uma produção mais rápida e barata. Esse movimento foi tão significativo que ultrapassou as barreiras inglesas e se espalhou para diversos países, e então, na França, culminou na evolução para um movimento artístico histórico: o Art Nouveau (Arte Nova). “ A formação do Art Nouveau pode ser atribuída a inúmeras fontes do século 19, incluindo toda uma gama de historicismos e ecletismos, além da influência imediata do Arts and Crafts e de movimentos artísticos, como o Simbolismo e o Esteticismo.” (Cardoso, 2008, pág. 96) Afirma. Ou seja, foi constatado que a partir do fortalecimento dos costumes tradicionais era possível criar e desenvolver novas formas de expressão baseadas nela, mas com novos artifícios e novas interpretações que fossem condizentes e pudessem traduzir os valores da sociedade atual. Segundo Rafael Cardoso : “O surgimento e a popularização do Art Nouveau refletem todas as deliciosas contradições que caracterizam a era moderna. Embora reconhecido e reconhecível como um estilo definido, possuindo características claramente identificáveis e uma nítida unidade formal, trata-se não do produto de um determinado grupo, ou de um movimento unificado, mas antes do ajuntamento por críticos e pela opinião pública de uma série de designers[...]” (Cardoso, 2008, pág. 95)

De Fato, é uma teoria bastante convincente de que a Inglaterra abriu mão do desenvolvimento de sua própria identidade visual dando espaço ao ecletismo para a construção estética de uma nação central global, porém, há quem se oponha a esta ideia, e teoriza que o que realmente houve pode ter sido a possibilidade de a Revolução Industrial ter explodido com tanta força e rapidez que a arte e a cultura não conseguiram se desenvolver no mesmo ritmo e se tornou incapaz de alcançar esse desenvolvimento frenético, visto que a identidade visual e a cultura de uma nação não se constroem inteiramente da noite para o dia.

Concluindo, é inegável que a Inglaterra não tenha sua própria identidade visual, em especial na arquitetura, e que na verdade trata-se de uma prova concreta de que nada surge do nada, e que reaproveitando influências, podemos criar algo com um estilo próprio e totalmente novo, podendo consolidá-lo. Provas disso são os palácios reais e catedrais de estilo gótico, inspirados em grandes construções francesas, mas que sabemos pertencer à Inglaterra, aos uniformes dos soldados da guarda real, ao Big Ben.

Torre do Big Ben. Disponível em: <https://viagemeturismo.abril.com.br/materias/big-ben-e-silenciado-pela-primeira-vez-em-157-anos/>

Fonte: CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Ed. Blucher, 2008, 3.a ed

Texto desenvolvido por João Víctor Marques Campos para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com)