B R E U

multiartista
realizadora audiovisual, fotógrafa, montadora, atriz e performer

Meu nome é Bruna Castro, mas gosto de ser chamada de BREU. Assim como o breu branco (a árvore) sou originária do norte do país e assim como Bruna, BREU também significa escura. Nasci em Araguaína, no Tocantins. Sou filha de boto (sem pai) e de minha mãe. Em 2000, pós apocalipse, fui morar no interior de São Paulo, em São José dos Campos. Lá eu descobri que o meu ''R'' tinha ar demais e que as pessoas não sabiam o que significava ''triscar''. Também descobri a culpa cristã, o coral, a dançar músicas gospel, que eu era parda, grande demais e que ser sapatão era errado. Minha vida profissional começou entregando panfleto pra um trailer de lanche no bairro Jd. Satélite, aos 16. Aos 19, aprendi a mentir em nome da Vivo, que as pessoas falam atrocidades por telefone e a almoçar em 20min. Com 20 anos de idade eu entrei em um curso livre de teatro. Fiquei obcecada. Eu vivia mais no teatro do que na minha casa. Saí do telemarketing pra viver de arte. Aprendi a escrever projetos. Passamos no Fundo Municipal de Cultura e estreei o primeiro espetáculo com dinheiro pra criar, mas não pra ter cache. Durante o processo de montagem desse espetáculo conheci Pina Bausch e me apaixonei por ela. Não ousei dançar fora do meu quarto. Fiz dieta low carb pra estrear. Cantei, desenhei e me emocionei durante o “Pessoalidades” (2015). No final desse ano atuei em outro espetáculo. Esse era uma adaptação de um texto de Luis Alberto de Abreu, chamado Borandá, o qual intitulamos “Quem Migra“ (2015). Interpretei uma personagem que estava cansada de migrar, catatônica. Fiquei parada olhando pra uma única pessoa da platéia durante boa parte do espetáculo. Nunca me senti tão bem atuando. Esse processo me fez entender que o corpo pode se movimentar bem pouco e ainda dizer muito. Escrevi no meu caderno:
“Ser grande e entender o que essa dimensão é capaz de fazer para ocupar o espaço. Não sinto que devo me encaixar e nem mesmo sobrar ou ser pequena dentro dele. Sinto a necessidade de perambular. Estar de passagem. Talvez cause estragos. Talvez passe despercebida. Ou nem um e nem outro.”
Fiquei muito próxima de uma das minhas companheiras de cena, que me chamou pra dirigir um espetáculo que ela estava montando com uma amiga e que já tinha nome, se chamava “O Grito das Passaranhas” (2016). Não sei se realmente dirigi ou fui dirigida. Minha abordagem era totalmente diferente do que a que eu estava acostumada. Me tornei melhor amiga dessas duas mulheres. Montamos um grupo chamado Granadás. Falávamos sobre nós mesmas. Gritamos. Fizemos o figurino, a cenografia. Nos apresentamos no 31° Festivale - Festival Nacional de Teatro do Vale do Paraíba. Me dei conta de que eu era a única mulher negra a dirigir um espetáculo nessa cidade. Era solitário. Não existia glamour nenhum em ser a única. O processo de montagem desse espetáculo de performance fez com que eu me enxergasse enquanto sapatao negra. Nossa última apresentação foi um rito. Ao som de tambores, didgeridoo e contrabaixo. Queimamos os figurinos em uma fogueira. A gente sabia que seria a última vez. Na mesma semana eu me assumi lésbica pra minha mãe. Seis meses depois eu fui estudar Artes e Cinema em Salvador, na Bahia.

Recapitulação. Bruna Castro, BREU, tocantinense, criança cristã, parda, grande, sapatão, obcecada por teatro, aspirante a atriz, produtora, dançarina de quarto, tal como cantora de chuveiro, Maria Déia catatônica, perambulante, de passagem, diretora, figurinista, cenógrafa, iluminadora, solitária, sapatão, negra, ritualística, lésbica-fora-do-armário, estudante de artes.

A primeira vez que pisei nas águas da Baía de Todos os Santos, foi na Ilha de Itaparica, mais precisamente em Mar Grande - Vera Cruz - Bahia. De lá, dá pra enxergar uma Salvador pequena e silenciosa, como em uma maquete. Eu não entrei no mar, só molhei os pés. Fui pra Salvador na intenção de vivenciá-la aos poucos, com calma e sem pressa. Mas antes disso precisava pedir licença. Foi o que eu fiz. A partir desse dia, pude visualizar os caminhos sendo abertos. Estudar no Bacharelado Interdisciplinar em Artes, na UFBa, me fez ter acesso a dança que eu tanto sonhava e achava que não podia. Em um componente curricular chamado Corpo e Movimento, comecei a desenvolver um experimento corporal chamado “Primeiros Passos“, que permanece em desenvolvimento e que até o momento existe uma videodança com o início dele. A partir de estudos sobre as primeiras descobertas corporais que os bebês fazem, começo a descobrir a dança em meu corpo começando pelas minhas mãos. A minha intenção com o “Primeiros Passos“, é que ele seja um método para quem está descobrindo seu próprio corpo enquanto um corpo dançante, assim como eu estou. Além do “Primeiros Passos“ (2018), produzi uma performance a partir de vivências com a minha parceira de trabalho Camila. Essa performance deu início à produção de um curta metragem chamado “Pra Jorrar“ (2018), o qual eu co-roteirizei e co-dirigi. Em 2018, um projeto que desenvolvi em conjunto com as minhas amigas do grupo Granadás passou no Fundo Municipal de Cultura em São José dos Campos, esse processo fez com que eu me deslocasse entre Salvador e São José durante o desenvolvimento. Nós desenvolvemos um espetáculo de performance a partir dos aprisionamentos que perpassam os nossos corpos. Fui diretora-provocadora do “Correnteza“ (2019). Iniciei o processo de criação do espetáculo preparando um caldo para as minhas parceiras comerem por acreditar na potência do nutrir, da preparação do alimento, de plantar e de colher. Acredito na potência de descansar, de olhar com calma, de entender, de ver de perto, de repetir. Os aprisionamentos sempre vem à tona, mas o meu objetivo enquanto diretora dessa performance, era o de não reforçá-los. Me descobri enquanto uma diretora que não quer dirigir verticalmente. Eu não acredito em hierarquias.
Voltei para Salvador, após terminarmos as apresentações, em fevereiro de 2019. No final desse ano eu terminei a produção de mais um curta metragem, chamado “à beira do planeta mainha soprou a gente“ (2020), um documentário que co-dirigi com a minha companheira, também Bruna, sobre a nossa vivência enquanto sapatonas e as nossas relações com as nossas mães. Esse filme poderia ter sido sobre muita coisa a partir disso. Poderia doer e sangrar. Mas ele abraça e fala de amor. Atualmente, ele está em processo de exibição, e já foi exibido na Mostra Macambira, no RN, no Cachoeira Doc, no Recôncavo Baiano, no Festival Taguatinga de Cinema, no DF, no Festival Internacional de Cine Comunitario Afro FICCA KUNTA KINTE, na Mostra de Cinema Negro do Mato Grosso e com exibições previstas no Amazônia Doc e no Festival Brésil en Mouvements, em Paris, na França. Exceto a Mostra Macambira, todas essas exibições foram online, por causa da pandemia do Covid-19. Esse presente tem sido bem confuso pra Breu de agosto de 2020. Poderia ser um momento de olhar devagar, mas nunca me vi tão rapidamente. Tenho feito curso de animação, de cerâmica, de assistência de direção. Yoga toda manhã. Pão de fermentação natural. Trabalho tanto quanto antes. Numa agonia e vontade de conhecer todos os lugares que já passaram pela minha cabeça. De ver pessoas e sentir o cheiro delas. Olhar para além dos olhos delas. Mas olho para mim, ainda que rapidamente, para todos os cantos de mim.