2023

CONTOS

VENCEDOR

João Pedro Barbosa Ferreira

Técnico em Informática

    Contrato de Liberdade

A maioria das pessoas deseja a liberdade. Observo isso enquanto tomo minha xícara diária de café: A moça de suéter vermelho bebe apressadamente seu chá, pois deseja sair logo para ver o namorado. O homem de chapéu olha as horas com um gesto apressado. Ele quer ficar e ela sair, mas a reunião dele o obriga a comer o restante do seu pedaço de bolo de uma só vez para não atrasar, e a moça deve beber seu chá. As pessoas são assim, ou não podem ficar ou não podem ir.

Saindo da cafeteria, vou em direção ao ponto de ônibus. O ponto mais uma vez estava lotado de almas desesperançosas que são obrigadas a trabalhar todos os dias, assim como eu. No trabalho, a mesma coisa de sempre. Monotonia. Não posso sair até acabar meu período. Estou preso.

Caminhando em direção à minha casa, eu começo a imaginar. O que poderia acontecer se eu largasse tudo, se eu me libertasse da minha rotina? Estou preso a ela, e isso me irrita. Milhares de lugares para visitar e eu estou preso 8 horas por dia num emprego que desprezo. Eu odeio todos naquele lugar; meu chefe é uma pessoa horrível e sádica, meu colega de sala não sabe fazer nada direito e todos os clientes são superficiais. E o pior de tudo: Eu trabalho vendendo o que tanto almejo. Liberdade. Comecei a trabalhar validando passaportes já faz alguns anos. Toda vez a mesma coisa: conferir documentos, recolher a taxa, carimbar…entediante. Eu sempre olho para a foto nos documentos das pessoas imaginando para que ela vai usar aquele passaporte… Uma viagem? Sair do país? Fugir? Não importa. Todos incluem uma certa dose de liberdade, à qual eu não tenho acesso. Sou obrigado a assistir elas a conquistarem a liberdade enquanto estou preso nessa rotina monótona e entediante. Chegar em casa continua sendo a mesma coisa, como tudo em minha vida. Fazer comida, deitar e dormir para acordar cedo no dia seguinte. Mas e se eu pudesse fugir disso? Me demitir e buscar o que eu quero? Bobagem.

Novamente acordo no dia seguinte, infelizmente. Mesmo café, mesmo trabalho, o mesmo de sempre. Dessa vez sou punido por algo que meu colega de sala fez, injustamente.

-Da próxima vez, será demitido.

-Mas, chefe, como eu iria entregar o relatório se o Jonathan não fez a parte dele?

-Não importa. Esse relatório é sua responsabilidade, e você irá entregá-lo até amanhã.

-Certo.

Jonathan é egoísta, ele não se importa que para eu entregar meu relatório ele tem que trabalhar, e deixa tudo para a última hora. Meu chefe não vê isso, e eu acabo também ficando preso a ele. Aos dois.

Pela terceira vez na semana, acordo às 6h30 da manhã depois de um sono cansativo. O dia, por incrível que pareça, não está tão cinza como de costume, e para ajudar ainda me sinto tonto por não ter descansado o suficiente do dia de ontem. Vou à cafeteria, bebo café fraco, vou ao ponto e perco o ônibus. Ótimo, fugir da rotina pelo menos uma vez. Chego atrasado ao trabalho, e meu chefe obviamente vem tentar me tirar do sério mais uma vez. Já de saco cheio, não sei até que ponto eu vou aguentar as provocações.

-Está atrasado.

-Perdi o ônibus. Atrasei 9 minutos, dá um desconto.

-Eu disse que mais um deslize e seria demitido.

-Olha, o ônibus chegou mais cedo, não foi culpa minha.

-E quem disse que me importo com seu ônibus, só quero que você chegue no horário!

-Então por que você não contrata alguém bom o suficiente e que esteja disposto a participar dessa condição merda de trabalho?!

-Está demitido.

Eu já estava querendo fazer isso há meses, mas nunca tive coragem. Foi como cortar minhas algemas, uma sensação boa e desesperadora ao mesmo tempo. Eu finalmente estava livre para tomar meu tão sonhado café forte em uma cafeteria de qualidade. Saí marchando daquele prédio azul com um sorriso estampado no rosto. Caminhei até a melhor cafeteria da cidade, como um gesto de liberdade. Minha primeira ação que não dependeu do meu horário, já que eu não tinha mais um.

-Boa tarde! Eu vou querer um expresso bem forte, sem açúcar.

-Certo. Em uns 5 minutos seu pedido estará à caminho!

Andei em direção a uma mesa que não tinha ninguém perto. Aquela tarde eu passaria relaxado. Tirei um livro da mochila e comecei a ler. Logo em alguns minutos meu café chegou, dessa vez bem forte como eu gostava.

-Aqui está, senhor…? - a garçonete esperou eu dizer meu nome.

-Sephy, por favor. Eduardo Sephy.

-Prazer em conhecê-lo, Eduardo Sephy. Meu nome é Amy... - ela olhou para as pessoas espalhadas pelo café. Todas elas pareciam um pouco “cinzas”, desconexas com o ambiente em que estávamos. - Essas pessoas… todas elas parecem tão “presas”...

-Presas?

-Não sei como explicar, elas parecem estar presas de alguma forma… Presas a um ideal. Você gostaria de ser livre? - O rosto dela de alguma forma pareceu um pouco mais pontudo, e os olhos avermelhados… Devia ser coisa da minha cabeça.

-Como assim livre?

-Você tem cara de quem é cinza, mas tem uma alma colorida. Um espírito louco para ser livre, porém preso por alguma coisa…

-Eu já sou livre, me demiti hoje! Nada mais pode me segurar.

-Você tem certeza?

Por um momento, toda aquela minha manhã gravada com tanto orgulho em minha memória recente pareceu um sonho. Não tenho mais certeza de que realmente fiz aquilo tudo, de que gritei com meu chefe, nada!

-N-não, não tenho.

-Ótimo. Eu posso lhe oferecer a verdadeira liberdade. No momento você se vê preso em um emprego, né? Se você não trabalha, não consegue dinheiro para comprar comida. Dinheiro... A invenção mais sádica feita por vocês humanos… - Definitivamente ela não parecia humana.

-Certo… E o que você pode fazer para mudar isso? Como você me faria um homem livre?

-Você receberia uma certa quantidade de dinheiro todo mês. O suficiente para você comer, pagar suas contas e fazer o que quiser. Você acordaria novamente na manhã do dia de hoje, seu chefe te ligaria e diria para você “sicarius”, apenas para provar que o contrato foi cumprido. Então seria livre, como você quer, não é?

-Contrato? E qual a minha parte do contrato a ser cumprida?

-Ah, isso é simples. Você terá que me dar um nome. Apenas a pessoa que estiver em sua mente quando disser o nome será a escolhida. Dessa pessoa tirarei a liberdade. Só isso, sem efeitos colaterais, sem entrelinhas.

-E o que vai acontecer com essa pessoa?

-Ela perderá qualquer sinal de liberdade que lhe resta. Uma alma presa é uma alma morta. E então, diga, você aceita o contrato? Lembre-se de que essa morte estará em suas mãos.

-Aceito.

-E qual será o nome escolhido?

-Jonathan.

Pela terceira vez na semana, acordo às 6h30 da manhã depois de um sono cansativo. O dia está tão cinza como de costume, e pela primeira vez me sinto descansado. O telefone toca, e quem está do outro lado da linha é meu chefe, porém com uma voz bem mais ríspida do que o comum. “Sicarius!”

-Alô? Chefe? - Silêncio, o mais ensurdecedor deles até agora.

Desligo o telefone. Logo lembro de Amy, a garçonete, me afrontando com todas aquelas palavras sobre a liberdade. Minha cabeça dói, e logo quando ligo o celular para checar a data aparece uma notificação: “Transferência recebida. Valor: 5555,55 R$”.

Meu rosto fica pálido na hora, até que a televisão liga no canal de notícias: “Na madrugada de 23 de abril, um jovem é encontrado morto em seu apartamento. A pessoa que encontrou o corpo, que prefere se manter em anônimo, relata que é algo diferente de tudo que ela já viu. Aparentemente a palavra caedes, do latim assassino, estava gravada em sua pele, além da porta do apartamento em que o jovem Jonathan vivia. A questão é, quem…” Desligo a televisão. Aquilo foi culpa minha, e esse seria um segredo só meu. Para sempre.

25 ANOS DEPOIS…

Não consigo mais viver assim. Não importa o que eu faça, isso nunca muda. Toda noite eu sonho com o assassinato de Jonathan Marcus, cada noite de uma forma diferente. Com todos os detalhes. No fim, não consegui ser realmente livre; estou preso a minha culpa e vergonha. A única forma de remediar isso é indo atrás da família de Jonathan e confessando o meu crime. Bato na porta até que um senhor de cabelo branco me atende.

-Sr. Marcus? - Eu podia sentir a tristeza gravada em todo o ser dele. - Eu matei Jonathan Marcus, 25 anos atrás. - Silêncio. Por uns 3 minutos, nenhum de nós disse nada, apenas nos encaramos.

-Vá embora. Não tenho nada a te oferecer. Nem meu perdão, nem minha misericórdia em tentar tirar sua vida como você fez com meu filho, apenas a culpa pelo que fez.

Sentado no topo de um prédio, observo todas aquelas minúsculas casas. Em uma delas, já nem lembro mais qual, viveu um jovem chamado Eduardo Sephy. Esse jovem era livre. Livre de remorso e culpa, até conhecer Amy. Eduardo Sephy vendeu sua liberdade em troca de algo que ele acreditava que seria ser livre, mas ele apenas se enfiou numa jaula de dor e culpa, na qual era impossível de sair. Eduardo então viveu por muitos anos nessa jaula, até que decidiu acabar com essa dor, mas no fundo ele sabe que nunca mais será livre. O corpo de Eduardo Sephy foi encontrado na porta da frente desse mesmo prédio, já sem vida, por uma garçonete de um café local.

POEMAS

VENCEDOR

Eduardo José

da Silva

Técnico em Informática

    Tolerância

Eu tolero você sim,

Se também tolerar a mim.

E quem não sabe tolerar,

Prefiro que esteja longe, assim.


Tolerar é saber lidar,

É saber "saber", e saber errar.

É carregar a bandeira branca,

Antes de, qualquer outra, levantar.


Quem tolera, tolera a razão.

Quem intolera, tolera o vão.

Quem tolera lera.

Quem intolera, não.


Liberdade à liberdade.

Invalidade à libertinagem.

Sem Bandeiras nas hastes

E nem de hastes na mão.

...

"O Gato miou. Quase urgiu.

Fez de seu mundo um gatil.

O rato não é mais civil.

O porco finge que não viu.


O rato clamou: 'Oh, Liberdade,

Por que se esqueceu de mim?

As bandeiras na minha cidade:

São prelúdios para meu fim.'


O porco se calou. Se escondeu.

Até morrer, finge que morreu.

Migalhas de toiça, o rato roeu.

Carne de porco não é pra judeu.


O rato luta para ser livrado,

O porco, pela sua propriedade.

Mas a liberdade é contra o estado,

E o estado é contra a liberdade."

...

O homem viu, e se encantou

Com a astúcia e o determínio,

Invejável, dos animais.


Por fim riu, e lembrou

Que não é o "gato e rato"

Que nos faz ser racionais.


É o livre arbítrio do humano

Que nos condena a pensar.

Para que o livre arbitrário, tirano,

Não nos condene a condenar.


Pro tolerante e intolerante,

O tempo pôde ensinar.

Pros esquecidos e errantes,

As cicatrizes hão de lembrar que,


Ao intolerante, não o deixe camuflado.

Torne-lhe evidente e iluminado.

O tolerante deve ser ensinado, quieto.

E o intolerante deve ser intolerado.

MENÇÃO HONROSA

Ana Clara da

Silva Paiva

Técnico em Edificações

   Volte livre

Quando a sua liberdade foi tomada

O mundo parou,

A respiração acelerou

E meu coração quase saltou pra fora.


Quando a sua liberdade foi tomada,

A raiva, a tristeza

A ira, a dor e o sofrimento, se transformaram em um terremoto,

Girando e pegando tudo em mim,

E tudo o que eu fazia era virar um tsunami gigante,

Tomado em lágrimas.


Quando a sua liberdade foi tomada,

Nada mais importava,

Quem tinha feito o errado,

Quem tinha se magoado

E na realidade

Quem tinha realmente se importado.


Quando a sua liberdade foi tomada,

Involuntariamente, minha vida foi mudada.

Meus dias (meu aniversário) pararam de acelerar

Começaram então a se inundar em momentos ansiosos, perturbados e melancólicos.


Sua liberdade fez de você, alguém que eu não conhecia.

Ela nos afastou,

Ela fez com que eu sentisse raiva,

Fez com que uma única palavra pudesse se transformar em uma discussão,


Porque eu não sabia mais esconder.

Você vai ter sua liberdade de volta e eu espero que não a desperdice,

Pessoas precisam de você,

Você precisa de você.

Não a que é agora, mas a pessoa que você era quando eu ainda te tinha,

Lembra dela?

Ela está bem guardada em mim

Mas eu sinto muito,

Não consigo resgatá-la por você.


Rezo mesmo sem acreditar, que a tomada da sua liberdade

Tenha te mudado.

Rezo mesmo sem acreditar, que tudo isso tenha feito você acordar.

Rezo mesmo sem acreditar, que você volte.


Eu imploro mesmo sem me importar

Que sua falta de liberdade

Te traga de volta


Livre.