CONCURSO LITERÁRIO

2022

CONTOS

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1º

Lugar

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Gabriela Guilherme Pereira

Técnico em Edificações

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MEMÓRIAS

Finalmente chegou ao seu destino, em uma cidade do interior: um casarão no final da rua. A fachada lembrava muito a arquitetura do período do Brasil-Colônia, mas era moderna em seus materiais como concreto e aço usado nas estruturas. A parede era branca, e coberta com camadas de poeira por toda sua superfície. Desde a fundação podia ser visto o mofo, causado pelo solo úmido, subindo pelas paredes externas. O telhado era de quatro águas e entre e acima das telhas musgo acumulado, resultado de anos de intempéries. Observou calmamente o fronte do prédio. As janelas eram estreitas e alongadas, as batentes pintadas de um azul esverdeado. A porta entretanto deveria ter sido colocada recentemente. Tinha um aspecto melhor e não combinava com o estilo da casa. A madeira dela tinha ornamentos entalhados que lembravam folhas de uma árvore, mas posicionados simetricamente.

Depois de passar pelas burocracias para se hospedar, conseguiu a chave do quarto. Seguiu as direções dadas pelo recepcionista para chegar ao aposento. Sentia-se tão cansada que nem olhou direito ao seu redor durante o caminho. Ligou a luz permitindo um vislumbre do cômodo. De área pequena, os móveis que tinha eram: uma cama de colchão fino, um guarda-roupa de madeira maciça, uma mesinha e cadeira branca. O pé direito era consideravelmente baixo, e a única lâmpada que tinha no centro do recinto era fraca e amarelada. Estava gelado lá dentro. Jogou seus pertences no chão, fechou a porta e foi em direção a janela. Empurrou as duas abas até que se abrisse completamente, que emitiu um som estridente e contínuo. Ali percebeu o quão alto era o andar. O vento estava forte, o corpo sentiu uma leve vertigem, com a sensação de que a parede cederia ao novo peso recostado no peitoril. Se afastou e virou em direção a cama, reparou as estampas floridas dos lençóis e fronhas, e se deitou. O cheiro das cobertas era realmente de flor. Imagino que se fosse uma criança talvez pensasse que o cheiro saíra das próprias flores estampadas e não do amaciante usado na lavagem. O sol que entrou pela janela aqueceu seu rosto, percebeu que mesmo de olhos fechados a imagem permanecia clara. Ao se virar para sair com o rosto do sol, as molas da cama rangiam conforme ela se arrumava confortavelmente, e olhando para o teto notou curvas na madeira clara do fôrro. Todo o quarto tinha um aspecto reconfortante, as cores usadas na parede, o tapete ao lado da cama, os pequenos arranhões na madeira do guarda-roupa, mostrava que havia história naquele lugar.

Tudo estava silencioso. Não ouvia passos de ninguém pela pensão, nem o piar de um único passarinho lá fora, ou o estalo de algum móvel se dilatando pelo calor do sol. A falta de ruídos trouxe uma enorme aflição em seu peito. Porque na verdade todos esses sons estavam ressoando mas ela não conseguia ouvir, os pensamentos em sua cabeça abafavam qualquer som que estivesse ao alcance de seus ouvidos. Depois de tudo que passou, esse foi o único momento em que parou e seu corpo gritou por ajuda. O estopim final para que mostrasse o resultado de anos sem ouvi-lo. O suor escorria pelo corpo e chegava até a roupa de cama. Mesmo com os raios de sol sob sua pele, tremia de frio. Nem as cobertas que acabara de puxar esquentavam seu corpo. Uma dor insuportável atingia o peito como se fosse pontadas ao coração que acelerava enquanto desespero tomava conta. Se virava de um lado para o outro, as oscilações de claridade perturbavam a visão, criava vultos e imagens sem sentido, misturando a realidade ao fantasioso. Os pulmões falhavam vez ou outra, quanto mais inspirava, menos ar entrava. Ofegante, não conseguia gritar por ajuda. Começou a chorar, sentia as lágrimas descerem pelo rosto e não tinha forças para secá-las. O corpo estava todo dolorido e cansado, os músculos pulsavam e estavam inquietos. Quando tentava fechar os olhos, sentia sua alma sair de si e voltar. Sua cabeça projetava seu corpo deitado como se observasse por fora. Tentou colocar na mente que era um pesadelo para tentar aliviar o medo. Por trás de todas as imagens deformadas na sua frente, sentiu um pingo de paz. Ao sentir novamente o cheiro das cobertas, lembrou de algo. Se esforçou até que conseguiu: era lembrança de sua infância, sua casa tinha um pequeno jardim com as mesmas flores das roupas de cama em que estava deitada. Ela se sentia bem naquela época, a inocência da criança, a falta de preocupação e medo do amanhã. - A dor no peito se intensificava, tinha medo de morrer e não poder viver mais momentos como aquele. - As paredes eram azuis como o céu, o telhado tinha pequenos vãos abertos e davam goteira com a chuva forte. - O corpo sentia sua roupa grudando em contato com a pele e mais tremor de frio. Tentou se levantar mas ainda tinha tontura. Teria de se acalmar primeiro. Não sabia ao certo quanto tempo passou nesse estado, mas pareciam horas presa na própria mente. Respirou fundo e reviveu. - As mesmas flores eram as preferidas da mãe e por isso estavam plantadas. Não conseguia nunca se lembrar do nome delas, mas saberia reconhecer seu perfume em qualquer lugar. A sua cor viva e vibrante hipnotizava todos os visitantes e aqueles que já estavam acostumados - Ao focar nos detalhes da flor, o coração foi desacelerando. - Gostava de ajudar tirando as pragas pela raiz, no final tinha quase um buquê cheio de trevos. - Sua cabeça ia longe em seus pensamentos, a visão parou de distorcer e os músculos foram relaxando. Seus devaneios continuaram por mais uns minutos e, sem perceber, seus sonhos lúcidos a acalmaram. Ao acordar sentia o corpo pesado, o estômago doendo de fome e muita dor de cabeça. Não sabia dizer se tudo que sentiu na noite passada realmente aconteceu. Até que ponto o inconsciente foi capaz de manifestar fisicamente e como ao sonhar acordada pôde acalmar tudo. Ficou alguns segundos olhando para o teto até que tentasse fazer algo. Fechou os olhos mais uma vez, esticou o corpo pela cama alongando os braços e pernas. Tirou a coberta e se sentou.

A roupa ainda estava encharcada de suor mas não exalava cheiro algum, prova de que parte da experiência tinha acontecido. Quando os olhos se adaptaram à luz, olhou para a janela, um pequeno pássaro saltitava e piava delicadamente, enquanto no quarto ao lado alguém impaciente andava de lá pra cá. O silêncio voltou a ser confortável. O relógio na parede mostrava que pelo menos ainda tinha tempo para o café da manhã. Sentiu o cheiro do café invadindo o quarto ao pensar sobre. Se levantou calmamente e foi em direção às malas esquecidas desde que chegou. Escolheu algo que minimamente combinasse e se vestiu. Colocou o chinelo e foi para o quintal da casa onde outros hóspedes estavam sentados. As opções de pratos eram bem características da região. Estavam dispostas na mesa em ‘categorias’: os doces separados dos salgados e, entre eles, os quentes dos frios. Encheu o prato com algo que parecia uma torta salgada, pãezinhos com manteiga e um pedaço de bolo. O mais próximo do que estava acostumada. A xícara em que colocou o café com leite estava gasta de tanto uso. Sentou na grama ao invés de ir para as mesas, sentiu tal qual o sonho lúcido, a terra e as folhas úmidas em contato com a pele. Seu corpo se aqueceu com o sol e se arrepiava com o vento forte e gelado. A comida era tão boa quanto o aspecto. A torta de frango não tinha milho, a massa era bem recheada e estava quentinha. O pão era fresco e a manteiga tinha um gosto natural. O bolo então, até repetiu. Enquanto comia, conversava com os outros que se sentaram com ela. Agradeceu por estar viva para sentir tudo isso, e prometeu que assim que voltasse para casa, procuraria ajuda. 


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2º

Lugar

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Gabriel Aragão de Carvalho

Licenciatura em Pedagogia

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VISITA

“Éramos muito jovens. Talvez não tão jovens de idade, mas de espirito e imaturidade certamente que sim. Naquela época, nós, jovens e arruaceiros, junto de nossa trupe de maloqueiros, saímos pela cidade bebendo e fumando tudo aquilo que o pouco dinheiro que tínhamos permitia. Você na verdade bancava a maior parte, afinal, eu nem sequer morava na cidade, e gastava boa parte de meu pouco dinheiro na condução. Você se lembra disso? Farei você lembrar, e quando lembrar quem sou...

Naquela época você namorava, e a pessoa era muito atraente, admito. Vocês formavam um bom casal. Havia uma certa mística entre vocês, talvez por um certo tabu de tal relação; tabu este bem conhecido por toda a cidade, e posteriormente por mim. Ora, eu jurei não mais ficar revirando o passado, pois isso me fazia mal e me deixava cada vez mais ansioso. No entanto, tal imagem de vocês dois volta e meia retorna a minha mente, e hoje você vai ouvir. Dessa dupla maravilhosa que formavam, em meu íntimo, pois racional e conscientemente eu não sabia, havia uma ânsia para que a dupla se tornasse trio. Mas certamente que já sabes disso, pois já lhe falei e falei também à aquela pessoa. Falei, mas não falei como falo com você agora. Falei no estado dionisíaco tal como uma bacante que vê leite e mel saindo da terra e que despedaça leões. Falei naquele estado em que estamos re-ligados à natureza e aos nossos mais crus instintos.

Tu sabes que sempre tive uma queda pelo rosso liquido daquelas garrafas que nem se presam em quebrar quando caem ao chão. Mas, espero que se lembre, como a aguinha dos russos nos era mais bem-vinda, pois era barata (por uma relação preço-percentual etílico) e subia bem mais rápido, deixando nós e nossa trupe cada vem mais longes dos limites, respeitando tão quão somente, os limites municipais. Numa dessas bebedeira que presenciei, ou melhor, tenho flashes de memória de reuniões, talvez até rituais de iniciação, e talvez eu tenha participado, embora não me lembre bem. A brasa e uma violência velada e simbólica, a promiscuidade de luzes piscantes e bruxuleantes são cenas que me vem à mente, embora muito fragmentadas. Hoje penso que o ritual nunca acaba (somos seres ritualísticos) mas aumenta os espaços entre um e outro. E num desses, mesmo que tu não saibas, criaste quem sou e hoje. E hoje irei retribuir, como ato de vingança e amor: te tornarei quem tu serás amanhã.

Ainda não sabes quem sou? Pois não. Não acenda as luzes ainda. Não chame ninguém, não grite. Não agora. Refrescarei ainda mais sua memória. Contarei um caso em especifico, este que considero o início de mim mesmo. Assim há de você lembrar.

Era uma noite como uma qualquer. A cidade morta jazia em seu leito. A luzes da praça e da rua eram as únicas luzes da noite, pois nem a lua aparecia. Saímos nós e nossa trupe e fomos farrear na praça, para tristeza dos idosos que moravam lá perto. Não nos seria surpresa se chamassem os capatazes fardados do estado para nos bater outra vez, mas isso não aconteceu naquela noite. Bebíamos e riamos, dançávamos e jogávamos aqueles jogos que em todo boteco de esquina se conhece, aquele que quem ganha ou quem perde bebe. Você, com toda a sua impassividade e apatia, bebia e nem sequer parecia estar acometido pela vertigem, emborcando copo atrás de copo. Assim seguiu-se por mais alguns minutos, talvez uma hora.

Eu já havia parado com o jogo. Já me conhecia bem na época, e sabia que minha resistência não era muita. Mas você não, continuava firme. Foi então que a garrafa esvaziou, e nossos comparsas saíram todos para encher mais um jarro, juntando todas as moedas que tínhamos no bolso.

Por um breve instante que me virei de costas para acompanhar os amigos indo em direção ao bar mais próximo que creio que tu desapareceu. Não o vi ir com eles, então fui a sua procura (a razão já havia se esvaído de mim há muito tempo; era agora só impulso). Te achei virando uma esquina. Lá você estava largando numa guia de calçada que logo se coloria-se de escarlate, vivo, fresco. Assim, prontamente tratei de te levantar para lhe socorrer. Foi aí que vi teu rosto machado, com um sorriso que só dois amantes compreendem o que significa. Sim, eu sabia o que tu querias, mesmo sem dizer. Palavras são efêmeras, desnecessárias. Quando eu estava sentido a quentura, a maciez de teus lábios ferruginosos foi quando os outros chegaram e nos acharam. O pânico se instaurou em mim. Dois manchados de sangue de uma vez não era uma coisa comum, nem mesmo para nosso grupo. E este foi nosso último encontro.

Sim... Agora vejo em teus olhos. Já sabes quem sou. Agora vem a parte fácil de responder: o que eu quero? Você me deu uma benção, uma maldição. Depende do ponto de vista. Quero retribuir.”

– E foi isso que foi dito, doutora. Exatamente com essas palavras. Lembro-me como se fossem minhas próprias palavras.

– O que houve depois? Perguntou a doutora.

– Infligiu-se um corte na mão e sujou meu rosto de sangue. Depois, saltou pela janela e sumiu no breu. Eu sei que vai voltar para me chamar. Estou ouvindo agora.

– Tem certeza disso? Como sabes que não era um sonho?

– Doutora, há alguma diferença entre sonhos e realidade? Afinal, os delírios oníricos não se fazem no reino dos fatos concretos?


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3º

Lugar

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Nathalia Vitória Bispo da Silva

Técnico em Edificações Integrado ao 

Ensino Médio

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VIVENDO O SEU SONHO

Em uma parte do Planeta Terra, bem distante de qualquer lugar habitado por humanos, havia uma vila chamada "Vila Maribel", nela habitava-se quase todo tipo de animal, como roedores, herbívoros, insetos e uma longa lista se estende; todos viviam em perfeita harmonia, todos amavam o que faziam, mas um ser minúsculo não levava a vida desta mesma maneira, uma barata chamada Aski; ela admirava a vida de todos os outros Maribelos que ali moravam, mas não compreendia porque tanta falta de sorte para consigo de nascer barata.

Aski estava saindo de sua nona entrevista de trabalho somente nesta semana, sucesso em nenhuma. Saía batendo suas pequeninas patinhas que sustentavam um corpo raivoso, enquanto seguia o caminho de volta para sua casa resmungando:

—Por céus! Não estou acreditando que não fui aprovada de novo, eu já tentei atendente, padeira, garçonete, babá, jardineira, faxineira, cozinheira e nada, nada! Digo que sou pequena demais, que não sou tão forte nem feroz, mas sou uma barata! Mas digo que posso dar meu jeitinho e tudo correrá bem e o que recebo? "Sinto muito Srta. Barata, você não se qualifica para este cargo" Ah! Por favor né…

—Está tudo bem Aski? - pergunta um tico-tico que acabara de pousar perto dela.

—Não, não está! Acabei de ser rejeitada para um cargo de novo, já perdi as contas de quantas vezes levei o belo de um "Não".

—Calma, a próxima pode dar certo - incentivou o passarinho.

—Diz isso porque é um tico-tico! Você se encaixa para ser taxista; é bonitinho, tem asas e pode voar, e nem precisa de transporte, leva seus pequeninos passageiros em sua própria garupa. Certeza que está se remoendo por dentro para não rir de mim! Adeus!

A barata Aski pensara que tudo aquilo era culpa do fato de ser um inseto peçonhento, como seu azar para conseguir emprego e para ter amigos – pois não tinha nenhum –, resumindo… Ela não era feliz. Desde que se conhece sonhava em ser qualquer outro ser vivo; sonhava em ser uma foca e saber nadar tão bem ou um esquilo e ter tanta agilidade, sonhava em ser um beija-flor e ter tanta rapidez e leveza! Ou até uma coelha para ter a fama de mais fofa da vila e estar quentinha durante toda a estação de Inverno, mas seu maior sonho era ser uma feroz e fofa abelha.

Quando Aski se prepara para deitar-se em sua cama, ela desaba em seu pranto, desaba a chorar, lágrimas lhe escorrem por sua face, construindo trilhas sem um destino final exato; soluços atropelavam suas faces que dizia para si mesma:

—Eu queria tanto não nascer uma baratinha. Como seria incrível se eu fosse uma abelhinha, como seria incrível – lamentava enquanto pegava no sono.

Ao amanhecer, Aski levantou-se bem cedo, pois iria continuar a sua busca para contratação de um emprego, quando ficou de pé, ponderou por um instante, havia uma certa estranheza no ar.

—An? Onde está meu cabideiro? E por que as paredes do meu quarto estão pintadas de amarelo, sendo que são vermelhas? Meu guarda-roupas era tão pequeno assim? Espera aí! Tudo está diferente aqui, essa não é a minha casa! – berrava apavorada e incrédula.

Quando passou na frente do espelho de corpo inteiro, assustou-se mais ainda, ela não era mais a barata Aski, ela se transformara na abelha Poppit, uma das abelhas que trabalha na fábrica de mel da Vila Maribel. Aski percebeu que a sua vontade de tornar-se realidade fora tão forte e intenso que por fim, realizou-se. Racionalizou que teria que atuar sendo a Poppit e fazer toda a sua rotina, abobada dizia para si mesma enquanto arrumava-se para trabalhar:

—Minha Santa Bromélia! Não sou mais uma barata feia, peçonhenta e fraca, agora sou uma linda abelha fofa e feroz, pois tenho até um ferrão!

Voando alegremente para a Fábrica ela cumprimentava a todos que via. Resumindo este conto, ela saiu do trabalho o oposto daquilo que sentira quando entrou; ela foi uma péssima funcionária, não tinha jeito para isso, nem para nada daquilo que não fosse coisas de barata. Enquanto voltava para casa cabisbaixa, ela esbarra-se com um esquilo, porém seu susto foi tão grande, que Poppit fica seu ferrão no pobre animal, sem intenção alguma.

O esquilo berra tanto que toda a Vila Maribelpara e atentam-se para a cena, até que um deles liga para a polícia e a ambulância; em questão de minutos ambos chegam, para a abelha foi tão inacreditável a cena do polícia vindo ao seu encontro laçando as algemas em seus pequenos braços trêmulos que Poppit gritava:

—Foi sem querer, eu imploro! Não me prendam! Não me prendam, eu imploro! – repetia sem pausas, apavorada.

Seu pavor foi tão gigantesco que tudo o que lembrará era de que estava na cadeia por ter ferroado sem um motivo aparente, não sendo aparentemente por legítima defesa (lei aplicada para abelhas), durante os dias em que estava presa, pensava em tudo até ali, fazia isto todos os dias, desde o momento em que acordava até a hora de dormir. Até que o dia do julgamento chegou, e abelha Poppit foi conduzida até o local.

—Pela lei do artigo 121, capítulo 18, parágrafo 49, “é extremamente proibido para abelhas, ferroar qualquer ser vivo, que não seja por legítima defesa, caso contrário, responderá processo e poderá levar até 10 anobelas de prisão”. Em sua defesa senhorita Poppit, tem a oportunidade para testemunhar – disse o juiz:

—Eu...eu...– tomou fôlego e disse —Eu não sou a Poppit..sou Aski, a barata Aski. Desde pequena sonhava em ser qualquer outro ser Maribelo, principalmente uma abelha, eu não gostava de ser uma barata, achava que tudo que dava errado na minha vida, era por causa deste fato, mas no período em que estive detida, refleti e na verdade, não era isso...era o fato de eu não me aceitar, não aceitar a minha realidade, a realidade da minha vida; tornar-me uma abelha, não era meu sonho...era a fuga da minha própria realidade, descobri que, para se ter um sonho é preciso enxergar sua realidade primeiro, mas não basta só isso, também precisa aceitá-la; não é que eu tenha sonhado errado, somente não tive bravura o suficiente pra enfrentar, me enfrentar, se eu tivesse feito isso não teria ferroada o pobre esquilo sem querer quando me trombei com ele, se eu não estivesse presa, talvez eu não estaria aqui, talvez eu fosse feliz, se apenas eu abrisse meus olhos e observasse tudo ao meu redor e visse tudo o que eu tinha – quando girou a cabeça via que se transformava novamente em barata, isso esclareceu as bocas abertas no tribunal —Somente bastava ver em outras perspectivas, em outro ângulo, trocar a minha lente... obrigada por me ouvirem.

Para lhe dizer de forma sucinta, a baratinha foi liberada, pois o juiz viu com seus próprios olhos que Aski na verdade era mesmo uma barata porque enquanto dizia que seu sonho fora realizado ela ia se transformando de abelha Poppit para barata Aski, se ela tivesse falado e não tivesse se transformado talvez ela ainda continuaria presa, talvez se sentiria horrível por um longo tempo, um tempo extenso, visitou o esquilo no hospital lhe contou toda a história a mesma que contou quando estava no tribunal, por um momento ele não acreditou e continuava com raiva dela, mas então a perdoou e acreditou nela, pois ela contava isso em forma de barata e por fim, pediu-lhes desculpas, foi a uma entrevista para trabalhar no corpo de bombeiros e ganhou a vaga, mas a maior transformação de sua vida foi a de que ela se aceitou, aceitou sua realidade e percebeu que seu sonho não era ser uma abelha, seu sonho na verdade, era ser feliz, e agora ela o alcançou, precisou passar por muito, mas o realizou, e agora era feliz. FIM 


POEMAS

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Lugar

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Pedro Roberto da Silva

Licenciatura em Pedagogia

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ESCAPE

Cidade erma e dormente,

Ruas vazias e aquietadas

Vento suave que sopra silente

Agitando as folhas mortas nas frias calçadas.


Becos escuros, vielas gélidas

Onde repousam almas despedaçadas

Os gatos passeiam por sobre os muros

Quase todas as luzes estão apagadas. 


E eu, aqui me encontro

Em algum quarto úmido da grande cidade

A insônia me visita com sentimentos profundos

Batem-me à porta a tristeza e a saudade. 


O corpo pesa

É o cansaço do cotidiano

E dói só de pensar

Que estamos ainda na metade do ano. 


Quarto repleto de solidão

Garrafas de cerveja sobre a mesa

O vento impertinente invade o ambiente

Tocando minha face com sua frieza. 


Uma lágrima dolorosa brota

Da profundeza turva de meu olhar

E é assim que por fim, desmorono

Cansado de ser forte, coloco-me a chorar. 


Todas as agonias vêm à tona

Esmiúço as agruras da realidade

Mas de repente, deixo-me levar

Pela canção repleta de sonoridade. 


As lágrimas cessam

Lembro-me da criança que fui e que ainda repousa em mim

Revisito velhos sonhos

Sonhos de alegria sem fim. 


Vejo-me ainda menino

A brincar e a correr por entre os raios do sol

Isso foi muito antes de eu morder as iscas do destino

E permanecer em agonia como um peixe no anzol. 


O que faço para lidar

Com todos os reais e pesados sentimentos?

Eu deixo-me levar pelos sonhos

Só eles me trazem alento 


Fecho os olhos, alço voo

Imagino-me livre na imensa estrada

Ampla e infinita

Longe de tudo, no meio do nada. 


O céu é rajado em tons de cinza

No vento parece haver uma canção entoada

Grandes pássaros voam em harmonia

A vegetação ao redor é densa e dourada. 


Noutras madrugadas

Já estive também no espaço

Lá não havia gravidade

Lá também não havia fracasso. 


Flutuei durante horas,

Depois visitei marte

Lá só havia sossego

e silêncio em toda parte. 


Estive também na fúria das ondas

Na madrugada insondável no meio do mar

Sem medo do oceano traiçoeiro

Um destemido marinheiro que sabia navegar. 


Eu já estive no silente bosque

Com os pés soterrados pela neve fria

Não assustado pelos sussurros constantes

Que me cercavam oriundos da floresta sombria. 


Eu vaguei pelos campos

Já estive nas montanhas

Eu conheci outros planetas

E também a Alemanha. 


Já estive em Atlântida

e no palácio de Cnossos

Já andei nas catacumbas

já vaguei em meio os ossos. 


Eu já alcei tantos voos

Eu já circulei a Terra

Conheci o assombroso front

Sim, eu visitei a guerra. 


Eu já estive em tantos lugares

Quanto pode imaginar

Eu já estive em cada praia

Que é tocada pelo mar. 


Eu não estive em lugar algum

Sempre estive neste quarto sombrio, nesta cidade

Eu sempre fui apenas mais um

Tentando lidar com a realidade. 


Quando tudo fica muito pesado

Quando sinto-me fraco e incapaz de dominar a minha dor

Uso a minha doce válvula de escape

Desde criança fui um sonhador. 


Quando sentia em meu âmago

Meus fantasmas causando-me danos viscerais

Eu perdia-me em sonhos e encantos

Para fugir dos prantos eu me recolhia a delírios de muitos carnavais. 


Já chamaram-me de louco

Lunático, dramático,

Infantil, insano?

Não, apenas mais um

Mortal, humano. 


Apego-me aos sonhos

Sem eles, seria frágil barco a velas na tempestade

São eles a minha âncora

Minha fuga da realidade. 


Sou apenas mais um

Tentando lidar com o emaranhado de dor

Mas aposto, que em cada uma das janelas iluminadas

Na cidade silente, na fria madrugada

Há também um ansioso

Ou um eterno sonhador.



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2º

Lugar

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Victor Moraes

Técnico em Informática Integrado ao 

Ensino Médio

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SÓ PORQUE EU NÃO SEI

Um mundo.

Um mundo imaginário, difícil de descrever, quase que indecifrável, 

Incompreensíveis fatos em série. 

Sexta série. 

O sonho da sexta série de ganhar a corrida contra nós mesmos, 

De ponto de vista questionável, série de perguntas sem sentido; de um mundo de sentido cem. 

Centenário da quarentena, 

Presos dentro das próprias cacholas prestes a surtar com o pigmento. 

A cor da felicidade, o amarelo alegre do carro que passa na rua: a fachada diz pra termos mais calma. 

A fachada que interrompe a atenção do trânsito e transita na mente dos que não sabem ler, 

A calma que clama por paciência, mas se esvai. 

Pela dependência, principalmente, da prestação de serviço que devo ao meu eu de ontem; estava cansado e não o fiz. 

A calma do socorro de quem o pede, já em alguma camada do poço, 

Mas que pensa sempre em ver o topo, às vezes nem na luz a fé tem foco. 

A enxurrada de incertezas que podem nos dominar, 

Das inseguranças que podem amedrontar, da falta de coragem que você mesmo vai criar; a quase que pura arte do pensar. 

Pensar no que se já vimos de tudo, 

No mundo indescritível, 

Onde, se sentir e até sentir o outro é sinônimo de sucesso midiático e instantâneo lucro. 

Quando, e onde, a necessidade de suprir o vazio é sempre ligado ao sombrio, 

Que assusta e rouba do pássaro o assovio, que força o erro dos corações que já nascem frios. 

Onde eu digo e te levo pro nada, mas te tento lembrar pra depois me lembrar, que o passo leve e fino as vezes tem relação com nosso caminho; 

As vezes até em caco de vidro. 

Sabemos e esmagamos que precisamos trilhar o futuro e que o tempo é pago e pressiona e que as flores do seu jardim estão quase que em coma e que não temos sonhos e que não sabemos que podemos e que a calma nos sempre acompanha e que pra sempre terei a voz fanha. 

Fanha e falha por tentar digerir o máximo, 

Mastigar o que é foda e o que é esdrúxulo, 

E tentar se ver no meio de todos, 

No meio do luxo, 

Carregando o fim drástico que seria se não fosse... como se eu soubesse saber do futuro. 

Como se não fosse o quê, 

Eu que te agora pergunto. 

Aqui o ritmo sempre tá na pauta, já estava mais que sentindo falta. 

Sentindo falta de me ver no turbilhão da maré alta, 

Sabendo que a boia fura e na água não se salta, se afoga e aprende a nadar. 

Falta da metáfora quase que sem sentido, sempre gostei de não muito me explicar e a ordem um pouco mudar. 

Era falta de me ver. 

Vem você, 

Sentir, 

Falta de você. 

Pare de sonhar, 

Venha logo viver.