Anton Walter Smetak (1913 Zurich - 1984 Bahia)
UM POUCO DA EXPERIÊNCIA PESSOAL COM WALTER SMETAK
Conheci Walter Smetak no início da década de 1970, mais precisamente a partir de 1972, quando ingressei nos cursos livres dos Seminários de Música (UFBA), que eram preparatórios para o vestibular naquela escola. Acompanhava sua atuação um pouco de longe, ora assistindo aos concertos da orquestra, em que ele ainda tocava violoncelo, ora presenciando alguma apresentação de obra sua ou de peça na qual eram utilizados seus instrumentos.
Após algum tempo como aluno do curso preparatório, prestei exame vestibular, matriculando-me no curso de Composição e Regência (1974).
Já em 1976, fui aluno de Smetak pela primeira vez no curso "Da Criação Espontânea" (Festival de Arte Bahia 76, de 05 a 30 de julho), cujo coordenador era o prof. Ernst Widmer. Na época eu estudava violino, e tive que ouvir, nessa ocasião, severas críticas do professor Smetak, que me dizia que para executar improvisações, primeiro era necessário dominar plenamente as técnicas do instrumento. Em seguida, para cumprir as atividades propostas no curso, me recomendava tocar nos diversos instrumentos do seu acervo, todos expostos no Museu do Solar do Unhão no período em que ocorreram as aulas. Meu certificado registra frequência de 100% e aproveitamento máximo (como poderia perder nem mesmo um segundo de tudo aquilo?...)
Esse evento se constituiu em fértil laboratório sensorial, em diversos sentidos. Recordo a efervescência da área externa do solar do unhão, com os vários por-de-sol que presenciamos durante o mês de julho, instantes em que todos se colocavam ali numa postura de contemplação. Foi um momento de convergência de algumas linhas de pensamento, trocas e encontros pessoais, inclusive ocorrendo a apresentação do curta-metragem sobre a obra de Smetak "O Alquimista dos Sons", de Walter Lima. Smetak recusava-se a assumir qualquer representação da figura de guru, insinuada por alguns "discípulos" e advertia, acendendo o seu cigarrinho feito à mão (um hábito que nunca abandonou, além do cachimbo) que o uso de drogas que muitos buscavam, não seria um caminho aceitável para a transcendência. Algumas vezes ouvi Smetak negar a importância dos meios de alteração de consciência, afirmando: "Issso non leva a nada, non".
Oito meses depois eu já estava inscrito na matéria optativa ART 014 (Improvisação I - Música). Essa disciplina era ministrada pelo professor Smetak durante o I semestre de 1977. Nessa época, ele já vinha desenvolvendo a experiência com os violões afinados em microtons e inseriu alguns alunos nos ensaios do conjunto de violões microtonizados, que contava ainda com um naipe percussivo das plásticas sonoras, eventualmente um violoncelo tocado por ele ou um órgão eletrônico que havia recebido e que ele explorava das maneiras mais inusitadas possíveis, às vezes prendendo uma chave de fenda entre duas teclas brancas... para que melhor aula prática de Improvisação?
Nessa matéria ele apresentou a apostila "Ensaio para o Artesanato da Improvisação [Da Pequena Ciência do Homem] como referência para a parte teórica. Muita filosofia oriental e ideias místicas impregnando os conceitos de improvisação.(*)
Para mim pessoalmente, o resultado prático dessa experiência foi a composição "Peça para Orquestra Pequena”, escrita para a formação do Conjunto Música Nova da UFBA, na qual, como estudante de composição, desenvolvi de forma despretensiosa algumas das ideias que Smetak colocava com bastante ênfase nas suas aulas/ensaios: a improvisação em torno de uma "prima", ou nota estática, que era alterada por micro-variações de altura, e em torno da qual, ocorriam eventos rítmicos, variações de intensidade e timbre. A peça, apresentada em 06/05/1977 na audição da classe de Composição, sob a regência de Piero Bastianelli, contava com 5 partes: "Prima, Vida na Prima, Queda no Abismo, Reminiscência, Re-Orientação".
A partir de 1979, mostrei ao Smetak alguns dos meus primeiros instrumentos artesanais e ele me incentivou muito. Seus olhos brilhavam ao ver alguém germinando suas sementes (os meus primeiros projetos foram feitos com cabaça). Mas suas mãos já estavam um tanto trêmulas. Ele lamentava e se dizia já sem forças para executar determinadas tarefas...
Smetak ensinava a quem perguntasse, o processo por ele criado e usado para imunizar/envernizar os bambus e cabaças: naftalina, álcool, breu...
Por volta do final de 1982 ou início de 1983, vivi uma experiência que me deixou surpreso e gratificado: um dia, num repente, Smetak me convidou a subir na garupa da motocicleta (já não era a negra Prostituta da Babilônia) e conduzi-lo até a casa de Bira Reis, na Federação. Eu havia comentado a ele que Bira tinha adquirido um violoncelo bem rudimentar em algum antiquário, ou em alguma permuta, e aquela visita foi a única coisa que pude sugerir a Smetak. Nessa época ele vivia nostálgico e arrependido por vender o seu precioso violoncelo, lamentando sempre a falta do instrumento,. Queria comprar outro. Logicamente, não aprovou o Cello, por ser muito rústico e destituído das qualidades essenciais a uma boa sonoridade. Mas gostou do que viu: muitos instrumentos artesanais e uma profusão de bambus, cabaças, sementes, parte de um trabalho intenso que estávamos compartilhando ali com diversos artistas reunidos em torno de Bira. Smetak saiu dali com algum ânimo, e nos sugerindo desenvolver uma proposta para ensinar música a crianças e jovens a partir da construção de instrumentos elementares.
Roberto Luis Castro
Acesse e leia:
(*) Apostila Ensaio para o Artesanato da Improvisação - Walter Smetak:
Alguns momentos de Smetak no Museu de Arte Moderna no Solar do Unhão em 1976
Walter Smetak, como violoncelista do Conjunto de Câmera da UFBA - 1962
Walter Smetak - Discografia:
1) SMETAK (LP/1974) Walter Smetak
Faixas:
1. Tijolinhos, Material de Construção (Audição Espontânea do Silêncio, Violão Eólico)
2. AKWAS
3. Dos Mendigos
4. Sarabanda, Projeção Improvisada
5. DANSOM
6. MANTRAM .
7 IÊÉAÓÔU
8. Música dos Mendigos
9. Indiferenciações
10. Preludiando com JOSEBA
11. Uibitus e Beija-Flores, Poluição Quebratória
2) INTERREGNO (LP/1980) Walter Smetak e Conjunto de Microtons
Faixas:
1. Tendenciosa
2. Plágio
3. Espelhos
4. Trifase
5. Sementeira
6. Ofício
7. Convite
Capa e contracapa do LP SMETAK,
de 1974
Belíssimo encarte do LP de 1974
Capa e contracapa do LP Interregno,
de 1980
Encarte do LP Interregno
Encarte do LP Interregno
Veja mais detalhes dos álbuns de Walter Smetak: (do site Discos do Brasil) http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/
Walter Smetak - Discografia detalhada