Lembrando Van Gogh

Vincent Van Gogh ( Zundert, 30/03/1853 – Auvers-sur-Oise, 29/07/1890), pintor pós-impressionista holandês é uma referência mundial como artista e como pessoa.
A sua biografia impressiona pelas emoções e experiências que influenciaram a sua obra tão característica. Figura incontornável pela sensibilidade e forma de  expressão, muitos artistas tomaram as suas telas como base para a construção das suas próprias obras.
Alguns alunos da nossa escola tentaram reproduzir excertos de diversas obras, com a sua própria interpretação. 
Nesta página temos também um momento do filme de Akira Kurosawa que numa curta metragem faz a sua leitura da obra "Campo de trigo com corvos".
"Vincent para quem não vê" é uma descrição para invisuais por Erika Pessanha.

Campo de Trigo com Corvos

"Campo de trigo com corvos" (julho1890), óleo sobre tela, 50.5 x 100.5 cm, é uma das pinturas com mais força e melhor conseguidas de Vincent van Gogh (1853-1890), alguns afirmam que foi a última.
Esta paisagem foi pintada durante a sua estadia em Auvers, onde produziu mais de 80 quadros, em 70 dias, antes de se suicidar. As linhas dispersas dos diferentes caminhos que se insinuam pelo campo criam inquietude. Não há centro de perspectiva e céu e campo definem-se marcadamente, dividindo o campo visual. Do canto superior direito, um bando de corvos aproxima-se, espalhando-se pelo céu sobre o trigal.  Van Gogh utiliza a justaposição de cores vivas complementares que amplificavam as tonalidades. A sua expressão passa pela forma como utiliza as cores e também pela própria pincelada, que é intensa, grossa, carregada de tinta pura. 

Leituras desta Obra de Vincent Van Gogh

Lançado em 1990,  o filme "Dreams", dirigido por Akira Kurosawa (1910–1998), é um conjunto de oito curtas-metragens.

O sonho “Corvos” começa com o passeio de um jovem artista numa exposição de Van Gogh.
No filme existem momentos que marcam a transição entre o real e o sonho. Aqui, ela se dá pela travessia da ponte de Arles.
Tentando compreender o processo criativo do artista encontramos um Van Gogh incomodado  por perder tempo. Para ele o artista está na obra. No final do sonho, Van Gogh segue o seu caminho por entre os campos, ao desaparecer no horizonte um bando de corvos levanta voo, transformando a cena no famoso quadro “Campo de Trigo com Corvos.

A cena lança  a ideia de que o artista desparece mas permanece na obra.

"Vincent para quem não vê" 

Uma descrição de “Campo de Trigo com Corvos”

Por Erika Pessanha - Março 30, 2017

O azul é uma sensação de sopro no rosto, um assobio no pé do ouvido, o céu de Vincent é como um ranger de grandes portas que se abrem para o vento entrar. Parece haver olhos nesse céu, e eu posso fechar os meus e sinto no peito os redemoinhos da dor que ele imprimiu nessa noite.
Há rasgos nesse ranger do céu, pequenas navalhadas deixam vazar dele a escuridão, a cor negra dos corvos, é o sonho de quem nada vê, de quem não tem mais forças pra pisar o chão, de quem as esperanças se desmancharam sem forma no esquecimento, os corvos são essa ferida ou a própria alma de Vincent partindo, dependendo de como olhar para o quadro, pode parecer que vem para nós pedindo socorro e partem de terror em revoada.
Caminhos que parecem pernas em descanso, a moldura verde ao redor desses caminhos parece marcar um corpo estendido, fazendo do campo um colo de mãe, mais do que um solo que encerra as vidas.
No chão, o trigo move-se como o pulsar do coração ou como a lembrança do embalo de uma mãe, é o vento, que permeia toda a composição sendo a alma desse corpo atormentado que a obra representa. Cor mais quente do que a terra quando nos dá o abraço final, toda a natureza tem a força fugidia dos homens.
Contrastes assemelham-se a choques, trombadas, e os contrastes sugerem desespero e consolo, morte e vida. Não há uma força com mais valor que a outra, não se sabe onde é o começo ou o fim e isso faz com que os opostos tenham vida e igual importância.
Se o quadro tivesse gosto, não teria uma pitada sequer de açúcar, é um gosto amargo, queimado, quase regurgitado, dá a impressão de que se passarmos as mãos as teremos arranhadas por lixas, cortadas em pequenos furos por navalhas afiadas.
Pode-se ignorar o “Campo de Trigo com Corvos", pode-se trancar o seu consciente pra não sentir o pedaço da dor do Vincent, mas não há retorno, ele treinou toda uma vida para fazer com que o seu inconsciente abrigue um pedaço oculto de todos nós.