Explicando artigos

A genetic cluster of patients with variant xeroderma pigmentosum with two different founder mutations 

V. Munford, L.P. Castro, R. Souto, L.K. Lerner, J. B. Vilar, C. Quayle, H. Asif, A.P. Schuch, T.A. de Souza, S. Ienne, F.I.A. Alves, L.M.S. Moura, P.A.F. Galante, A.A. Camargo, R. Liboredo, S.D.J. Pena, A. Sarasin, S.C. Chaibub and C.F.M. Menck.

Revista: British Journal of Dermatology 

Introdução


Em um estudo publicado em 2017, nosso grupo de pesquisa identificou o gene responsável pela grande ocorrência de xeroderma pigmentoso (XP) em uma comunidade no município de Faina, em Goiás (GO). A comunidade de Araras está situada em uma região tropical caracterizada por alta incidência de radiação solar, contava, no período do estudo, com 17 pacientes XP dentre aproximadamente mil habitantes.


A alta incidência de XP nos pacientes da comunidade de Araras indica a existência do que chamamos de cluster genético, ou seja, um grupo de pessoas com alta frequência de uma determinada doença genética. Para estudar essa comunidade, nosso grupo obteve biópsias da pele desses pacientes a fim de estabelecer uma cultura de células e, assim, identificar nas células indicativos de qual era o gene afetado responsável pelo quadro clínico de XP, bem como os mecanismos através dos quais ele gera a doença.


O xeroderma pigmentoso é uma síndrome rara que tem como uma das principais características a alta sensibilidade à radiação ultravioleta (UV) solar por parte do paciente. Essa grande sensibilidade resulta em hipo e/ou hiperpigmentação, pele seca e descamada contendo várias lesões, bem como uma frequência muito elevada de câncer de pele em áreas do corpo mais expostas ao sol. Para se ter uma ideia, a incidência de câncer de pele em pacientes XP com menos de 20 anos é 10.000 vezes maior do que na população em geral!


Essa síndrome é causada por mutações em oito diferentes genes XP, sendo sete deles nomeados de XPA a XPG, relacionados ao Reparo por Excisão de Nucleotídeos (NER em inglês), e o oitavo, denominado forma variante (XPV), que resulta em um defeito na síntese translesão (TLS), não sendo relacionado ao NER. Pacientes XPV possuem mutações no gene POLH, que codifica a proteína polimerase eta (pol η). A principal função dessa polimerase é replicar o DNA contendo esão, “passando por cima” dela e evitando a parada do processo de replicação. Trata-se deum mecanismo de tolerância ao dano, já que não remove a lesão do DNA. Células XP-V, que possuem essa função deficiente por causa da perda de pol η, precisam evitar que as forquilhas de replicação fiquem bloqueadas por longos períodos, o que pode levar à morte celular, ou outra polimerase pode assumir o papel da pol η. Isso leva a um aumento da mutagênese nessas células, já que essas outras polimerase (TLS) não são tão eficientes em replicar os tipos de lesão causadas pela exposição à radiação UV, o que explica o alto índice de formação de tumores em pacientes XPV.


Materiais e métodos


Este estudo foi realizado tanto com células (fibroblastos) de pacientes diagnosticados com XP quanto com células isoladas de indivíduos não afetados. Essas células foram cultivadas em laboratório a partir de biópsias de pele provenientes de áreas não expostas ao sol. Então,foram irradiadas com luz UVC para medir suaviabilidade e capacidade de lidar com as lesões induzidas pela UVC. Além disso, foram feitos ensaios funcionais que poderiam nos dar dicas sobre qual dos 8 genes poderia estar mutado. Pudemos então verificar os níveis de expressão de proteína e, por fim, realizar sequenciamento do DNA extraído das células. Uma vez que descobrimos as mutações presentes nos pacientes, desenvolvemos um ensaio de detecção específico para mapear a distribuição dessas mutações na comunidade.


Resultados

Células de pacientes com XP apresentam sensibilidade a UV

Uma das maneiras mais clássicas de diferenciar células XP-V dos demais grupos XP é verificar como as células respondem aos danos causados por baixas doses de UVC quando as células são pré-tratadas com um inibidor da sinalização de resposta a dano no DNA (DDR). Porém, as células XPV possuem deficiência em pol η, e não em DDR. Assim, quando impedimos que essa via de resposta auxilie as células a resolver os problemas causados pela irradiação com UVC, evidenciamos os  problemas causados pela falta de pol η! Quando as células dos pacientes diagnosticados com XP foram submetidas a esse tratamento, elas se mostraram mais sensíveis do que as células controle (não afetadas), com maior nível de morte celular e parada do ciclo celular. Esses dados indicam que as células têm problemas para replicar quando há lesão no DNA, o que é consistente com uma atividade deficiente em pol η. Utilizando anticorpos específicos para pol η, verificamos que as células dos pacientes não expressavam essa proteína. Além disso, os estudos funcionais ajudaram a verificar que a via de NER era funcional nessas células.

As mutações

O sequenciamento mostrou a presença de duas mutações diferentes entre os pacientes XP de Araras. Essas mutações  estão localizadas em dois alelos mutantes diferentes no gene POLH: uma substituição de um nucleotídeo logo após a região codificante do íntron 6, no sítio doador de splicing (c.764 +1 G>A) e uma substituição de um nucleotídeo no éxon 8 (c.907 C>T), levando à terminação da proteína prematuramente (p.R303X).

Dentre os três pacientes estudados, um deles se mostrou homozigoto para a mutação no íntron 6 (e seus pais carregavam a mutação em heterozigose). As outras duas pacientes são irmãs e se mostraram heterozigotas compostas, carregando os dois alelos diferentes com as duas mutações (íntron 6 e éxon 8), uma em cada alelo.

Caracterização molecular 

Um ensaio molecular foi desenvolvido para genotipar (verificar a presença das mutações) nos membros da comunidade. Dos 50 indivíduos genotipados, identificamos 17 pacientes XPV, sendo que 11 apresentavam mutação no íntron 6 em homozigose, 1 apresentava a mutação no éxon 8 em homozigose e 5 eram heterozigotos compostos com as 2 mutações, uma em cada alelo. Dentre os 33 indivíduos não afetados, 20 carregavam a mutação do íntron 6, seis carregavam a mutação no éxon 8 e apenas sete não apresentavam nenhuma mutação.

Genealogia

Pudemos descobrir que em Araras houve dois efeitos fundadores distintos: um para a mutação no íntron 6 e outro relacionado à mutação no éxon 8. O mais antigo provavelmente introduziu a mutação no íntron 6 e, mais recentemente, nos anos de 1960, a mutação no éxon 8 foi introduzida com a chegada de uma nova família que se juntou aos antigos moradores da região. Além disso, identificamos a presença do alelo com a mutação no intron 6 também no município de Faina, próximo a Araras. Apesar dessas duas famílias reportarem que não eram relacionadas, a presença do alelo mutado no intron 6 nos diz algo diferente. Muito provavelmente, as memórias de ancestralidade foram perdidas com o tempo.

Impacto para os pacientes e comunidade

Os dados publicados neste artigo e sua divulgação contribuíram para o reconhecimento social destes pacientes, aumentando o cuidado com a saúde da comunidade local e das famílias afetadas. Também ajudaram na formação da Associação Brasileira de Xeroderma Pigmentoso (ABRAXP), além de favorecer a inclusão do XP no Programa Nacional de Doenças Raras.

A identificação das mutações permitiu o desenvolvimento de um método de detecção rápido e eficiente para genotipar todos os habitantes da comunidade e da região, oque é muito importante considerando a frequência de indivíduos portadores das mutações que não são afetados. Com o diagnóstico molecular, é possível fazer o aconselhamento genético dessas pessoas, garantindo um diagnóstico precoce das crianças portadoras da doença e orientando precocemente quem precisa de cuidados para evitar a luz solar de forma a  evitar o surgimento de tumores e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.

DNA Damage Induced by Late Spring Sunlight in Antarctica 

Fabiana Fuentes-Leon, Andressa Peres de Oliveira, Nathalia Quintero-Ruiz, Veridiana Munford, Gustavo Satoru Kajitani, Antonio Coimbra Brum, Andre Passaglia Schuch, Pio Colepicolo, Angel Sanchez-Lamar and Carlos Frederico Martins Menck.

Revista: Photochemistry and Photobiology 

Um estudo realizado, por nosso laboratório, na Estação Antártica Comandante Ferraz, na ilha King’s George, Ilhas Shetlands do Sul, na Península Antártica, comprovou que a incidência da luz solar na primavera daquele continente provoca muitos danos no DNA de nossas células. Na verdade, mostramos também que os danos são maiores quando a camada de ozônio, na estratosfera, é menor. A frágil camada de ozônio, que tem aproximadamente 300 DU (ou 3 mm) protege a Terra ao absorver luz ultravioleta (UV) do Sol. Quando essa camada está menos espessa, sua função protetora é reduzida permitindo que uma maior quantidade de raios UV atinjam a superfície terrestre.


Esses raios UV podem causar diferentes tipos de danos na molécula de DNA dos seres vivos e gerar mutações. Os principais danos são os dímeros de pirimidina de ciclobutano e os fotoprodutos de pirimidina (6-4) pirimidona (6-4PPs). A luz UV também pode oxidar as bases do DNA, mesmo que indiretamente.


Independente do tipo de dano no DNA, no ser humano, o resultado pode ser na forma de envelhecimento da pele ou mesmo no desenvolvimento de câncer de pele.


Okay, mas como nós comprovamos tudo isso?


Nosso laboratório empregou um biossensor baseado em DNA, para medir a indução de danos após a excitação à luz solar no ambiente, seguido por dosimetria UVB/UVA por meio de radiômetros. O DNA exposto é depois usado para medir as lesões na molécula em experimentos do laboratório. Esse dosímetro de DNA, como é chamado, foi levado e irradiado na luz solar no continente Antártico.


Mas, que humano se predispõe a uma experiência dessas?


A resposta é nenhum! Seguindo os protocolos de ética, utilizamos apenas DNA de plasmídeos bacterianos, que serviram de base para as medidas de lesões nessa molécula. Plasmídeos são pedaços de DNA circulares independentes que são amplificados em bactérias e bastante fáceis de obter relativamente puro. 


Plasmídeos de DNA foram colocados no dosímetro e  expostos à luz do Sol na primavera da Península Antártica por oito dias distintos em períodos de 4 horas (das 10:00 às 14:00 hs), sobre um suporte inclinado (na verdade um rodo!) que era movimentado a cada hora para acompanhar o movimento do sol. Ao mesmo tempo a intensidade de luz UV foi medida com um radiômetro. O dosímetro também continha DNA que ficou coberto da luz, que serviu como controle. Para comparação, amostras de DNA foram também expostas em São Paulo, no Brasil, e em Havana, na Cuba, ambas em latitudes semelhantes, a fim de comparar a diferença de incidência da luz solar no continente  Antártico com a irradiação nos Trópicos de Cancer e de Capricórnio..


A detecção e quantificação das lesões ao DNA foi feita através da técnica de eletroforese em gel de agarose 0,8%, com ajuda de enzimas de reparo de DNA que reconhecem as lesões. A quantificação de lesões também foi feita através de anticorpos específicos.


Como resultado principal, quantificamos as lesões e mostramos que nos dias em que a camada de ozônio estava mais fina os níveis de lesões eram maiores. A espessura da camada de ozônio foi obtida com dados públicos determinados pela NASA no local ou por uma base Antártica da Argentina. Além disso, e curiosamente, os níveis de danos ao DNA, foram semelhantes tanto na Antártica quanto no Brasil e em Cuba.


As amostras de DNA controle, ou seja, que não sofreram irradiação, não apresentaram danos na molécula.


Mas, por que essa incidência de luz UV é maior na Antártica?


Uma possível explicação é devido à redução da camada de ozônio estratosférico, que pode ser ainda menor em setembro/outubro, quando ocorre o fenômeno conhecido como buraco da camada de ozônio


Mas, qual a importância desse estudo?


Os resultados desse trabalho validam a séria preocupação com a irradiação solar na Antártica e no mundo, confirmando a fotoproteção como altamente necessária para os pesquisadores e qualquer indivíduo que trabalhe durante o final da primavera na região.


Qual a espessura da camada de ozônio? 


A camada de ozônio é formada por um gás ozônio (O3) disperso que cobre a Terra, a uma distância de 15 km da superfície. Porém, a camada em si é muito frágil com apenas cerca de 3 mm! Infelizmente, não sabemos como as mudanças climáticas globais (provocadas por interferência humana, como as queimadas na Amazônia) podem afetar dessa camada. E precisamos cuidar dela, caso contrário teremos dificuldades para sobreviver com mais luz UV do Sol chegando na Terra.