Por meio das lições anteriores, podemos dizer que foram apresentadas algumas dicas de como a internet surgiu e evoluiu. Ainda não era o momento de tratarmos deste assunto. Nas lições anteriores, você compreendeu como as redes de computadores funcionam, com ou sem fio, e, nesta lição, compreenderá como surgiu e evoluiu a chamada “grande rede”, ou seja, a internet. Também geraremos reflexões sobre como a disseminação da internet mudou a vida em nossa sociedade e no mundo. Por exemplo, contribuiu para o surgimento do chamado mundo VUCA, incerto, volátil, complexo e ambíguo.
Você pode achar que a internet, ou, de forma geral, os meios de comunicação atuais sempre foram da forma como vê e experimenta nos dias atuais. Mas não foi sempre assim. Imagine se você acordar amanhã, e não existir mais a internet. Ou pior ainda, sem comunicação de dados. Igual aos telefones celulares da época em que eram utilizados apenas para falar e escutar, nada de mensagens SMS. Falando em SMS, você sabia que SMS é mais uma sigla do inglês para as palavras Short Message Service, que em português significa Serviço de Mensagens Curtas?
Mas, será que este mundo sem internet, de troca de dados entre uma grande rede, de dispositivos computacionais, impactaria no que você faz todos os dias, ou seja, nas atividades do seu dia a dia? Como se comunicar com os amigos e família, assistir a algum vídeo engraçado, jogar algum jogo eletrônico, estudar, se informar sobre quase todos os assuntos, trabalhar etc.? Na verdade, esta é uma pergunta retórica. E uma pergunta retórica, não é de fato uma pergunta em que o questionador quer uma resposta do respondente, pois ele já sabe a resposta. Ele pergunta apenas para estimulá-lo a pensar sobre o assunto da pergunta feita. Nesse sentido, quando pergunto se uma completa ausência da internet mudaria o seu dia a dia, eu já sei que a resposta é: sim!
Então, isso também significa que a internet fez o mundo passar por grandes transformações. Eu me dei conta disso numa recente leitura de um livro intitulado “Inevitável” de autoria de Kevin Kelly (2017), em que o telefone levou 75 anos para chegar a 50 milhões de pessoas, o rádio, 38 anos, a televisão, 13, a internet, 4 e, depois disso, o iphone (que completou dez anos no início de 2017), apenas 3, o Instagram, 2 anos, o jogo Angry Birds, 35 dias e o jogo Pokémon go, apenas 15 dias. Por isso, considero a internet um fator importante para o chamado mundo VUCA. Mas será que avançaremos muito mais nos próximos anos em relação à internet? O que já podemos perceber?
Eu ainda me lembro do primeiro computador que tive. Entre meus, pais, tios, irmãos, primos, fui o primeiro da família a ter um computador. E acreditem, não tinha internet. Não tinha nem placa de rede. Não é estranho? Comprar um computador sem existir internet, ou mesmo cogitar a possibilidade de me conectar com a grande rede. Será que você, atualmente, gastaria dinheiro comprando um computador sem a possibilidade de conectá-lo à4 internet? Eu não compraria. Fiz minha primeira graduação sem ter computador e sem internet. Lembro de um termo que está sumindo, por causa da internet: “rato de biblioteca”. Assim eram chamados os nerds na época.
Apesar de já existir a internet na Universidade, era restrita para alguns colaboradores, não existia livro ou artigo em arquivos, não existiam livrarias on-line. Os professores indicavam poucos livros, porque não tinha o que indicar. Tínhamos que ficar horas dentro da biblioteca, não tinham exemplares de livros o suficiente para empréstimo para podermos levá-los para casa. Ou era isso, ou gastar horrores com fotocópias. Atualmente, os professores atuam mais como curadores e filtros de informações, face a tanto conteúdo que existe na internet. E não é pelo fato de estar na internet que é verdade, ou seja, tem credibilidade. Por isso, quando estiver fazendo uma graduação na faculdade, vai escutar os professores dizerem: “procurem fontes confiáveis” pelo fato de, atualmente, existir mais fofoca sem comprovações científicas do que fontes confiáveis. Lembro até hoje do dia que comprei uma placa de rede, fui até um provedor de internet, desses que atuavam como se fossem um despachante do Detran, não é igual a hoje quando você pode se conectar com a internet direto pela operadora de telefonia. Ganhei alguns disquetes para instalar o navegador, fiz um curso rápido de uma hora de como instalar e me conectar. Era estranho, utilizamos um discador que convertia a linha telefônica em um sinal de dados. E lógico, ou você utilizava o telefone, ou a internet. Mesmo com estas implicações, achei aquilo maravilhoso e pensava que algo melhor não poderia existir. Falar que tinha internet em casa era sinal de status. Como se falasse que tinha um carro de luxo, super caro na garagem. Veja como a própria internet mudou. Vamos, agora, conhecer um pouco desta história.
De acordo com Leiner (1997), a ideia da internet de forma muito similar ao que temos atualmente foi descrita muito antes de ela existir. Segundo este autor, a primeira descrição registrada das interações sociais que poderiam ser habilitadas por meio de uma rede de computadores foi uma série de memorandos escritos por J. C. R. Licklider do MIT, em agosto de 1962, discutindo seu conceito de “Rede Galáctica”. Ele imaginou um mundo interconectado de computadores por meio do qual todos podem acessar rapidamente dados e programas de qualquer site. Para aquela época, algo muito futurista, quase de ficção.
Licklider era um pesquisador e ocupava um cargo de chefia da ARPA. Lembrou desse nome? Recordando a lição sobre rede de computadores, era a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) dos Estados Unidos. E qual o motivo de a ARPA ter sido criada? Segundo Naughton (2016), o impulsionador do início dos computadores em rede e depois a internet, começa com o lançamento bem-sucedido do satélite Sputnik pela União Soviética, em outubro de 1957, um evento que chocou profundamente as estratégias de defesa dos EUA sobre disseminação e formas de comunicação caso ocorresse uma guerra nuclear. Isso foi o que levou à criação da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA), que ficava dentro do Departamento de Defesa. Ao longo do tempo, a ARPA se envolveu no financiamento, na compra, na operação e na manutenção de, pelo menos, uma dúzia de grandes computadores que eram bem caros. Estes eram enormes, ficavam espalhados entre alguns departamentos, e poucas universidades mantinham contratos de pesquisa com a agência. O problema era que essas máquinas eram incompatíveis umas com as outras e, portanto, não podiam funcionar como recursos compartilhados para a comunidade de pesquisadores financiados pela ARPA. Daí surgiu a ideia, e o financiamento para uma rede que possibilitasse a partilha destes valiosos recursos. Nasceu, então, em 1969, o projeto ARPANET (Rede de Agências de Projetos de Pesquisa Avançada). O projeto foi bem-sucedido.
O mesmo autor relata que apenas em 1972 ocorreu a primeira demonstração pública da ARPANET na International Computer Communication Conference, apresentando terminais que podiam acessar computadores localizados em todo o país. O e-mail, foi o primeiro aplicativo absoluto da internet naquela época. E, atualmente, com as redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, tem tido seu uso reduzido no uso pessoal, mas se mantido, ainda, como ferramenta consolidada no meio corporativo.
Segundo McGlynn (2020), em 1969, com base no trabalho do cientista da computação Leonard Kleinrock, é implementado o conceito de dividir dados em pacotes que podem ser transmitidos com eficiência por diferentes caminhos de rede e remontados em seu destino. É a origem da criação do que conhecemos até hoje como pacote de dados. Talvez você não saiba, mas, quando enviamos um arquivo, por exemplo de foto, ou de música, o arquivo, não trafega por cabo ou por sinal de rádio, em um único arquivo. E mesmo quando navegamos pela internet, e os sites são carregados com cores, palavras, animações e sons, não são carregados como se fossem um único arquivo. Os arquivos são quebrados em pedacinhos, chamados, tecnicamente, de pacotes de dados. Cada pedacinho do arquivo tem muitas informações, como: de quem veio (dispositivo e, automaticamente, o seu usuário), local de onde veio e para onde deve ir. Isso pode ocorrer por meio de uma ordem de envio ou de um pedido, ou seja, quando enviamos um arquivo, ou quando acessamos a internet por meio de sites, e o computador faz pedidos para sites carregarem suas páginas e, às vezes, baixar arquivos que estão hospedados nestes sites.
De acordo com McGlynn (2020), em 1974, Vinton Cerf é convocado para ajudar a expandir a ARPANET integrando outras redes. Vinton é um dos coautores do principal conjunto de protocolos de comunicação da Internet, chamado de TCP/IP (Protocolo de Controle de Transmissão/Protocolo de Internet), fornecendo padrões para transmissão de dados sem erros e identificação de destinos de rede. Esta metodologia é a que utilizamos até hoje.
A ARPANET não utilizava a comunicação entre os computadores por meio da metodologia TCP/IP, ela utilizava uma forma própria. A ARPANET e a Defense Data Network mudaram, oficialmente, para o padrão TCP/IP em 1º de janeiro de 1983, daí o nascimento da Internet. Todas as redes agora podiam ser conectadas por uma linguagem universal. Tudo parecia muito bem, mas começam a aparecer os primeiros problemas relacionados à segurança, item, inclusive, que será foco de nossa próxima lição. Em 1988, um malware (um tipo de vírus) de rede de um pesquisador da Cornell, o primeiro malware de computador, mostra a vulnerabilidade inerente da Internet. O malware chamado Morris infecta cerca de 10% das máquinas conectadas, deixando-as lentas. A segurança cibernética torna-se uma grande preocupação à medida que os dados globais crescem rapidamente, e as empresas que armazenam informações confidenciais são, rotineiramente, visadas.
Agora, imagine que tudo isso ocorria sem interface gráfica, ou seja, era tudo praticamente por meio de comando por textos, não tinha nada visual como é atualmente. Vamos dar um salto para você ter uma ideia. De acordo com Craig (2021), o primeiro site (http://info.cern.ch/) ainda ativo igual ao original, foi criado em agosto de 1991. Um ano antes, ou seja, em 1990 a APARNET tinha sido encerrada.
Craig (2021) apresenta alguns marcos interessantes na história da internet:
Em 1991, o formato de arquivo MP3 foi aceito como padrão. Os arquivos MP3, sendo altamente compactados, mais tarde se tornariam um formato de arquivo popular para compartilhar músicas pela internet.
Neste mesmo ano, foi desenvolvida a primeira webcam. Ela foi implantada em um laboratório de informática da Universidade de Cambridge, e seu único objetivo era monitorar uma cafeteria específica para que os usuários do laboratório pudessem evitar viagens desperdiçadas a uma cafeteria que pudesse estar fechada, muito cheia ou muito vazia.
O primeiro navegador de Internet amplamente baixado foi o Mosaic, lançado em 1993. Embora o Mosaic não tenha sido o primeiro navegador da Web, é considerado o primeiro navegador a tornar a Internet facilmente acessível para o público em geral. Ele tinha uma interface que podia ser clicada com o mouse e os botões de fácil assimilação sobre suas funções.
Neste mesmo ano, a Casa Branca dos Estados Unidos e as Nações Unidas entraram no mundo da internet, marcando o início dos nomes de domínio .gov e .org.
O ano de 1995 é considerado o primeiro ano em que a internet foi de fato utilizada em larga escala na comercialização de produtos e serviços financeiros. Embora existissem empresas comerciais online antes de 1995, houve alguns desenvolvimentos importantes que aconteceram naquele ano. Primeiro, a criptografia de segurança, existente até hoje (SSL), tornando mais segura a realização de transações financeiras (como pagamentos com cartão de crédito) online. E dois grandes negócios online começaram no mesmo ano. A primeira venda em “Echo Bay” foi feita naquele ano. Echo Bay mais tarde tornou-se eBay. A Amazon também começou em 1995, embora não tenha dado lucro por seis anos, até 2001.
Três anos depois, em 1998, o Google foi lançado, revolucionando a maneira como as pessoas encontram informações online. Naquela época, já existiam alguns chamados buscadores na internet, mas com a chegada do Google, a maioria encerrou as atividades. Este grande sucesso do buscador do Google impulsionou a atuar no desenvolvimento de muitos outros aplicativos. Atualmente, Google é quase um sinônimo de Internet.
E como será o futuro? O que acontecerá? Não sei ao certo, só sei que ela continuará a crescer. O que ainda é evidente em relação à internet, apesar de sua popularidade, é a desinformação em relação a ela. Para se ter uma ideia, em 2020, foi exposto por centenas de sites de notícias do Brasil que 55% da população acreditava que o Facebook é a internet. E quantas pessoas você não conhece que acha que fonte de notícias e acontecimentos são redes sociais ou o WhasApp? Até esses dias, não se falava mais nada do que em criptomoedas. Atualmente, a bola da vez é o termo Metaverso. E ao que parece, nem existe ainda um consenso do que é Metaverso.
Desmaterialização é simplesmente o processo de algo que tem corpo, é material, deixar de ser, tornar-se imaterial, sem corpo físico. Às vezes, desmaterializar pode ser associado ao termo aniquilar. Você já percebeu que a internet tem feito isso? Um exemplo é a fotografia, que antes só existia em papel e, agora, praticamente, só existem em arquivos e são apresentadas em telas de dispositivos computacionais. E, neste caso, além de desmaterializar a foto em papel, aniquilou uma grande quantidade de organizações que produziam filmes, câmeras e uma cadeia de outras empresas que se ocupavam disso, vender e revelar os filmes utilizados nas máquinas.
A mesma coisa com a música. Antes, nós escutávamos música por meio de um disco feito de um composto plástico, do tamanho de uma pizza média, mas fino, de cor preta, o chamado disco de vinil. Ou, com baixa qualidade sonora em relação ao disco de vinil, a fita K7. Estes dois elementos foram desmaterializados e transformados também em arquivos, o chamado MP3. E, consequentemente, os equipamentos, as peças de reposição, a assistência técnica autorizada etc. Temos, ainda, os livros, DVD´s e suas locadoras de filmes, aniquiladas por plataformas de transmissão online, jogos de tabuleiro e a própria TV. Se eu fosse dono de uma indústria de antes para televisores, ficaria preocupado. E as agências bancárias? Quem ainda vai ao banco? Nem para abrir conta precisa mais, tudo pode ser efetuado pela internet.
Entre tais elementos, enquanto algumas coisas que antes existiam e foram, literalmente, aniquiladas pela internet, ou seja, desapareceram, muitas outras surgiram. Empresas, produtos e serviços. Quantas coisas podemos acessar pelo fato de a internet existir, não é mesmo? Imagine se ficar, a partir deste momento, sem internet, nem terminar esta lição seria possível. E, talvez, a maior riqueza que a internet traz é a acessibilidade informacional. Atualmente, você consegue pesquisar todo tipo de assunto. Ressalto aqui novamente para se atentar à fonte, ou seja, de onde veio tal informação. Mas toda essa acessibilidade e a tendência de os dispositivos estarem sempre conectados à grande rede traz algumas consequências e riscos também. Mas, isto saberemos mais na próxima lição.
KELLY, K. Inevitável. Rio de Janeiro: Ed. Alta Books, 2017.
LEINER, B. M. et al. Brief History of the Internet. Washington; Reston: Internet Society, 1997. Disponível em: https://www.internetsociety.org/wp-content/uploads/2017/09/ISOC-History-of-the-Internet_1997.pdf. Acesso em: 6 jun. 2022.
MCGLYNN, D. Internet Evolution: A Timeline History of the Network. The Reboot, 8 dez. 2020. 2020.
MUNDIE, C. View from the Top: Craig Mundie, Microsoft. 1 vídeo (1h 3min 58 seg). Publicado pelo canal Berkeley Engineering. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rjxzYFz0W5I. Acesso em: 15 abr. 2021.
NAUGHTON, J. The evolution of the Internet: from military experiment to General Purpose Technology, Journal of Cyber Policy, v. 1, n. 1, p. 5-28, 2016.