História do antigo Laboratório de Plasmas
Construindo o sol na terra
Estamos acostumados com a ideia de três estados da matéria: sólido, líquido e gasoso. O que não nos contam é que 99% da matéria do universo não está em nenhum desses estados, mas no chamado quarto estado da matéria: o plasma. Esse é, na verdade, o estado mais comum da matéria, porque estrelas são plasma, assim como a aurora boreal, mas o plasma também faz parte do nosso cotidiano, estando presente em algumas televisões e lâmpadas. O plasma é formado quando um gás está em tal nível energético que seus átomos se ionizam, modificando suas propriedades.
Para contar a história do grupo de pesquisa com plasma na Unicamp é preciso voltar um pouco para os caminhos que a ciência percorreu até sua fundação em 1974. No final do séc. XIX e começo do séc. XX a descoberta dos metais radioativos urânio, polônio e rádio pelos cientistas Henri Becquerel, Marie Curie e Pierre Curie dava início a novas áreas da Física e da Química voltadas para o entendimento do átomo e das partículas fundamentais como prótons, elétrons e nêutrons. A manipulação dessas partículas e da grande quantidade de energia concentrada nelas abriu caminho para sua exploração e para o desenvolvimento da física nuclear. A partir do entendimento das reações de fusão nuclear e liberação de energia que ocorrem no Sol, os trabalhos publicados em 1929 por Robert R. Atkinson e Fritz Houterman lançaram as bases para o desafio de construir um “Sol na Terra”.
Como boa parte da ciência, os objetivos finais de um estudo podem parecer fora de alcance em um primeiro momento. Mas isso não impediu que um grupo de físicos na jovem Unicamp iniciasse as pesquisas em fusão nuclear no Brasil, como registrou a revista Manchete na época e nos contou Sanclair, um antigo técnico do laboratório. Em 1974, o Prof. Sérgio Porto convida o Prof. Paulo Sakanaka do Courant Institute of Mathematics da Universidade de Nova York, para integrar o Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW. Pouco tempo depois, juntamente com os professores José Busnardo Neto, Ricardo Galvão, Shuko Aihara, Massanobu Niimura, Helmut K. Bockelmann e Aruy Marotta, o Prof. Paulo Sakanaka fundaria o grupo de pesquisas em plasma e o Laboratório de Plasma da Unicamp.
Não foi um início de projeto fácil, a começar pela construção do prédio, numa Unicamp ainda em construção e que mais parecia uma antiga plantação de cana, com suas ruas de terra. O prédio, hoje remodelado para o Espaço Plasma, foi colocado nas franjas da universidade nos anos 70-80 e construído com força e vontade prática de seus cientistas e técnicos. Conforme o Relatório Técnico de atividades nos anos de 1984 e 1985, o grupo e toda a universidade sofreu com dificuldades financeiras devido à inflação, mas mesmo assim progrediram com pesquisas teóricas e experimentais. O mesmo relatório descreve como as instalações elétricas, hidráulicas e muitos equipamentos foram fruto de trabalho e planejamento da própria equipe do laboratório, que fizeram das dificuldades uma vontade de aprendizado e desenvolvimento para a ciência brasileira.
Em 1978 o grupo da Unicamp era um dos quatro grupos de pesquisas no Brasil voltados para o entendimento e reprodução de fusão nuclear controlada, na época e ainda hoje considerada um enorme desafio teórico e prático. Em 1979, um prédio foi construído para o novo laboratório de plasma, no qual foram elaborados diversos dispositivos de geometria linear e alto beta. Também foi adquirida uma máquina de confinamento magnético de geometria linear com diâmetro de 160mm e comprimento total de 2500mm, denominada Tupã 1, que entrou em funcionamento em 1982. Além disso, o grupo recebeu máquinas de outras universidades, como o Tokamak, doado pela Universidade de Kyoto em 1996, chamado de NOVA-Unicamp, tendo sido utilizado para experimentos com plasma de hidrogênio. Um dos objetivos do grupo sempre foi dotar o Brasil de autonomia científica, desenvolvendo tecnologia própria, como os maçaricos de plasma quente e plasma frio, e dominando as técnicas internacionalizadas.
Infelizmente, as linhas de pesquisa envolvendo plasma e fusão nuclear sofreram com o desmonte e desfinanciamento ao redor do mundo, quando ficou claro que o desafio era muito maior do que à primeira vista. O desenvolvimento de novas formas de energia limpa acabara colocando em xeque as primeiras iniciativas de usinas de fusão nuclear. Alguns projetos nacionais e colaborativos entre países ainda continuam, como o ITER, a ser construído na França, com expectativa de concluir a primeira usina de fusão nuclear em 2050. Mas no Brasil, em especial na Unicamp, as pesquisas foram sendo abandonadas quando as primeiras gerações de pesquisadores se aposentaram e seus orientandos e agora professores se dispersaram pelo país com suas linhas de pesquisa. Em Campinas, as últimas pesquisas foram orientadas pelo Prof. Munemasa Machida, que levaram ao desenvolvimento do plasma frio, mas que já estavam sendo realizadas em outro prédio do Instituto de Física, deixando o antigo edifício do Laboratório de Plasma para trás.
Em sua fase final de desativação o Laboratório de Plasma vivia em meio às ruínas do que já havia sido glória no passado. Com suas máquinas encostadas, tubulações remendadas e papéis empilhados, não era mais um lugar de vanguarda e inovação como já havia sido um dia. Em 2010 o interior do laboratório foi usado como cenário para o filme “O homem do futuro”, como lugar perfeito para representar um laboratório muito potente, mas ao mesmo tempo não acabado e defasado.
Além disso, para dificultar ainda mais todo o esforço dedicado para manter as atividades no laboratório, em 2013 o prédio foi afetado por um forte temporal que danificou toda a cobertura e resultou em grandes danos para os equipamentos e materiais didáticos presentes no local. Tamanho prejuízo tornou impossível a recuperação dos equipamentos e a continuidade dos trabalhos.
Em 2020, o prédio encontrou vida nova com a reforma para abrigar mais uma transformação na universidade: o Espaço Plasma. Mantendo o antigo nome do laboratório, o prédio é agora a sede do novo Programa de Projetos Estudantis Espontâneos (PE²) criado em 2019 pela Reitoria. Trata-se de um programa para o desenvolvimento de projetos espontâneos dos discentes, voltado para a formação da autonomia, criatividade, empreendedorismo, de projetos socialmente engajados, trabalhando a interdisciplinaridade e onde os alunos poderão desenvolver projetos espontâneos e extracurriculares em um espaço de coworking e em um makerspace gerido com a participação de comissões discentes.
Este texto faz parte do projeto "Tradução de um sonho", de autoria dos alunos Amanda Amparo e Renato Consorti Canavese, possibilitado pelo programa Aluno Artista da UNICAMP.