Marlise Geller
Efetivar a inclusão é uma ação política, social e pedagógica, pela defesa do direito da autonomia, da interação e da aprendizagem dos indivíduos na sociedade, sem discriminação. A educação inclusiva, por sua vez, se constitui em premissas fundamentadas na concepção dos direitos humanos, da igualdade e da equidade. Falar de diversidade no currículo é estruturá-lo de forma que diferentes aptidões e habilidades possam ser entendidas e contempladas no cotidiano educacional.
As políticas públicas inclusivas vêm garantindo às pessoas com deficiência o direito de vivenciar sua escolarização e aprender junto com seus pares, nas instituições regulares de ensino. A ausência de conhecimento a respeito das deficiências e das potencialidades dos estudantes, pode ser determinante para o surgimento de barreiras em relação à inclusão. A expressão e a comunicação podem ser barreiras significativas, principalmente, em situações do dia a dia da sala de aula. Estudantes com condutas que requeiram atendimento educacional especializado, podem apresentar dificuldades na sua adaptação, associadas ou não a limitações no seu processo de desenvolvimento, que dificultam o acompanhamento das atividades curriculares. Esses estudantes podem não apresentar comprometimento ou atraso intelectual, mas experienciam muitas dificuldades em se adaptar ao contexto familiar, escolar e social.
Uma forma de minimizar esses aspectos é buscar um processo de ensino mais integrador e colaborativo entre os estudantes e os próprios professores. Faz-se necessária a discussão, sobre cada estudante, com a equipe técnico-pedagógica, professores e, em alguns momentos, a própria família, objetivando o levantamento de suas potencialidades, estilo de aprendizagem, bem como das prioridades, a fim de se planejar as atividades, e, se necessário, propor adaptações curriculares.
Neste contexto, ações como a de adaptação curricular suscitam diversas reflexões, podendo ser entendida como uma forma de promover o acesso do estudante com deficiência aos conhecimentos historicamente acumulados apresentados no espaço escolar, ou seja, promover o acesso ao currículo e sua participação na classe regular. Por outro lado, há uma percepção de que a adaptação curricular possa ser uma estratégia equivocada, que não favorece a educação inclusiva, diminuindo o nível das expectativas com relação às potencialidades deste estudante.
Enfim, salienta-se que não existe uma fórmula pronta e única para incluir estudantes com deficiência, muitos desafios ainda precisam ser superados.
De acordo com o Censo realizado pelo IBGE em 2010 (BRASIL, 2012), aproximadamente 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, representando 23,9% da população do país. Neste contexto, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), sancionada em 2015, garante uma série de direitos às pessoas com deficiência. Nesta Lei, a deficiência é caracterizada como “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social” (BRASIL, 2015).
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência determina o papel do Ministério Público e de estados e municípios quanto à fiscalização e o cumprimento no âmbito da saúde, da educação, do trabalho e de políticas públicas, sendo considerado crime a violação de qualquer um dos direitos da pessoa com deficiência. Dentre os aspectos previstos por esta Lei, destacam-se a seguir:
Saúde: a pessoa com deficiência deve ter acesso a hospitais e outros estabelecimentos públicos ou privados, serviços especializados em habilitação e reabilitação e tratamento domiciliar em casos de impossibilidade de locomoção, além de medicamentos gratuitos, órteses e próteses, quando necessárias.
Educação: não há respaldo legal para recusar a matrícula de um estudante, sendo estabelecida pena de dois a cinco anos de prisão e multa para quem impedir ou dificultar o ingresso de uma pessoa com deficiência em qualquer escola regular. O poder público deve garantir cota de 10% das vagas para pessoas com deficiência para o ingresso em cursos de ensino superior, técnico ou tecnológico, além do acesso ao currículo escolar em condições de igualdade, oferecendo apoio especializado sempre que necessário.
Trabalho: com o intuito de garantir meios de subsistência para a participação na sociedade, há regras quanto à reserva de vagas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, definidas da seguinte forma: até 200 empregados: 2%; de 201 a 500 empregados: 3%; de 501 a 1000 empregados: 4%; mais de 1000 empregados: 5%. Para concursos públicos a cota de reserva de vagas varia de Estado para Estado, com média de 10%.
Em relação às políticas públicas, é interessante destacar:
- A garantia do acesso às atividades esportivas, culturais e de lazer, sendo imprescindível a acessibilidade em espaços públicos.
- A isenção de impostos e taxas, como por exemplo na aquisição de carros novos. Em alguns estados também há a isenção de IPVA - Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores e, em nível municipal, algumas cidades contam com isenção de IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano. Além da prioridade na restituição do Imposto de Renda, isenção no caso de algumas doenças específicas e dedução para alguns gastos, como, por exemplo, a aquisição de cadeira de rodas.
- A garantia de recebimento de auxílios, como por exemplo: um salário-mínimo à pessoa com deficiência com renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo; aposentadoria com redução de período de contribuição conforme o grau de deficiência, comprovado por perícia médica; auxílio-inclusão para pessoas com deficiência moderada ou grave que entrarem no mercado de trabalho; liberação do saque do FGTS para aquisição de órteses e próteses.
Contudo, o processo de inclusão, quer seja no âmbito social ou escolar, demanda reflexões, acolhimento e ações afirmativas, envolvendo de políticas públicas que contemplem pessoas discriminadas pela exclusão nos dias atuais ou no passado, como pode-se verificar pela síntese a seguir:
Educação Inclusiva
No Brasil, a discussão sobre educação inclusiva teve início na década de 1990, a partir de um conjunto de ações propostas pelo governo federal, visando fomentar ações denominadas como “política de inclusão social”, trazendo consigo a ideia inerente de população excluída (BAPTISTA, 2015). Estas ações reconfiguram o cenário educacional, trazendo para o debate aspectos como as práticas inclusivas nas escolas públicas brasileiras e a formação continuada de professores da Educação Básica, além da necessidade de assegurar recursos e serviços especializados para apoiar os serviços educacionais, a fim de garantir o acesso à educação de estudantes com deficiência em todos os níveis, etapas e modalidades da educação.
Segundo dados do EDUCACENSO (BRASIL, 2020), a Educação Básica, compreendendo a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Profissionalizante e Educação de Jovens e Adultos, recebeu 1.250.967 matrículas na rede pública de ensino no ano de 2019 de estudantes com deficiência.
A partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI (BRASIL, 2008), a Educação Especial passou a compor a proposta pedagógica das escolas, tendo como foco a inclusão de estudantes com deficiência (auditiva, física, intelectual, múltipla e visual), com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e com Altas Habilidades/Superdotação.
Um serviço importante na perspectiva da Educação Inclusiva é o Atendimento Educacional Especializado – AEE, definido como um “conjunto de atividades e recursos pedagógicos e de acessibilidade, organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos estudantes público alvo da educação especial, matriculados no ensino regular” (BRASIL, 2013, p.2).
Em princípio, as atividades desenvolvidas no AEE devem ocorrer em uma sala de recursos multifuncional, complementando a sala de aula regular, sob a orientação de um docente com formação específica para atuar na Educação Especial. Entre as atribuições do profissional que atua no AEE, destacam-se (BRASIL, 2013):
- a elaboração, execução e avaliação do Plano de Estudos Individualizado do estudante, contemplando: a identificação das habilidades e necessidades educacionais específicas; a definição e a organização das estratégias, serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade; o tipo de atendimento de acordo com suas necessidades educacionais específicas; cronograma de atendimento e carga horária, individual e/ou em pequenos grupos;
- o planejamento, acompanhamento e avaliação da funcionalidade e da aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade no AEE, na sala de aula regular e nos demais ambientes da escola;
- a orientação aos professores e as famílias em relação aos recursos pedagógicos e de acessibilidade, visando promover a autonomia e participação do estudante;
- a articulação com os professores da sala de aula regular, com o objetivo de disponibilizar recursos para o desenvolvimento de atividades escolares;
- a produção de materiais didáticos e pedagógicos acessíveis, considerando as necessidades educacionais específicas dos estudantes, considerando os objetivos e as atividades propostas no currículo;
- o desenvolvimento de atividades pertinentes ao AEE, como por exemplo: ensino da Língua Brasileira de Sinais e da Língua Portuguesa escrita para alunos surdos; ensino da Comunicação Aumentativa e Alternativa; ensino do sistema Braille e de técnicas para a orientação e mobilidade para alunos cegos; ensino da informática acessível e do uso dos recursos de Tecnologia Assistiva; orientação de atividades de enriquecimento curricular com foco em as altas habilidades/superdotação; ensino de atividades de vida autônoma e social.
Heredero (2010) define adaptação curricular como o conjunto de modificações realizadas nos objetivos, conteúdos, atividades, metodologia (envolvendo estratégias de ensino, mudanças do tempo previsto para as atividades, recursos utilizados) e procedimentos de avaliação, para atender às diferenças individuais dos alunos.
A adaptação curricular norteia a prática pedagógica, podendo auxiliar o trabalho docente e ajustar o currículo oficial da escola às necessidades dos estudantes, não devendo ser entendida como um processo individual que envolve apenas o professor e o estudante.
Com o intuito de exemplificar, sem, contudo, esgotar as possibilidades, apresenta-se exemplos de elementos curriculares básicos no processo de adaptação de pequeno porte:
Fonte: (BERETA; GELLER, 2020, p. 100)
Há diferentes documentos que podem ser elaborados, preferencialmente, por professores especialistas na área da educação especial, com o intuito de adaptar o currículo, dentre eles destacam-se o Plano de Ensino Individualizado - PEI. O PEI consiste em uma estratégia para favorecer o atendimento educacional especializado, cujo objetivo é elaborar e implementar, gradativamente, programas individualizados de desenvolvimento escolar (BRAUN; VIANNA, 2011). Ou seja, na prática pode delimitar, de forma colaborativa, o trabalho desenvolvido por professores de classe regular e o professor do Atendimento Educacional Especializado.
A realidade escolar, muitas vezes, contradiz as prerrogativas da educação inclusiva, com salas de aula lotadas, instalações físicas inadequadas e/ou insuficientes, além da falta de professores com formação adequada para o trabalho em salas de aulas inclusivas.
Receber o estudante com deficiência na escola não significa necessariamente inclusão. A inclusão ainda é um processo que está sendo desenvolvido. Porém, quando a diversidade se constitui como uma possibilidade de aprendizagem e de respeito mútuo, a Educação Inclusiva pode trazer benefícios para a sociedade.
BAPTISTA, C. R. (org.). Inclusão e escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediação, 2015.
BERETA, M.S; GELLER, M. Adaptação curricular e o ensino de ciências e matemática. In: KAIBER, C.T.; GROENWALD, C.L.O. (org.) Ensino e aprendizagem em ciências e matemática: referenciais, práticas e perspectivas. Canoas: ULBRA, 2020. p. 95-107. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1gp_nSgiqti7WvtoVwijWJRm0BiNo4d6m/view. Acesso em: 20 dez 2020.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse estatística da educação básica 2019. Brasília: Inep, 2020. Disponível em: http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica. Acesso em: 10 fev. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.
BRASIL. Nota técnica nº055 - 2013 - MEC / SECADI / DPEE. Orientação à atuação dos centros de AEE, na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, 2013. Disponível em: http://www.ppd.mppr.mp.br/arquivos/File/NOTATECNICAN055CentrosdeAEE.pdf. Acesso em: 01 dez. 2020.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Brasília: IBGE, 2012. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=9749&t=microdados. Acesso em: 20 nov. 2020.
BRASIL. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SECADI, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192. Acesso em: 10 nov. 2020.
BRAUN, P.; VIANNA, M.M. Atendimento Educacional Especializado, sala de recursos multifuncional e plano de ensino individualizado: desdobramentos de um fazer pedagógico. In: PLETSCH, M. D.; DAMASCENO, A. (orgs). Educação especial e inclusão escolar: reflexões sobre o fazer pedagógico. Seropédica, RJ: EDUR, 2011. p. 23-34.
HEREDERO, E.S. A escola inclusiva e estratégias para fazer frente a ela: as adaptações curriculares. Acta Scientiarum Education. Maringá, v. 32, n. 2, p.193-208, 2010. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciEduc/article/view/9772/6. Acesso em: 20 mar. 2018.
GELLER, M. Inclusão. In: BONIN, I.T.; GELLER, M. Diversidade, Acessibilidade e Inclusão. Canoas: ULBRA, 2020. Disponível em: https://sites.google.com/ulbra.br/diversidade/inclusao.