Espaço Massapê | Março 2023 | Curadoria: Talita Trizoli
Preposições são palavras que operam a função de conexão entre substantivos, adjetivos advérbios e verbos. Sua pré-posição é uma antecedência, uma ante-sala de subordinação para um evento, uma ação, uma qualidade. Elas antecipam e potencializam relações que dão sentido ao discurso, às emanações do desejo. Nas práticas atuais de uma escrita coloquial sintetizada, agilizada e sintética de plataformas sociais e aplicativos de comunicação, consolidou-se certas formas de abreviação dessas pré-posições: a letra Q para QUE, VC para VOCÊ, e o S com uma barra / para SEM, SOB, SOBRE – o que abre margem para interpretações que apenas o contexto pode esclarecer sua razão.
Com isso, evocar como título para uma exposição a quase contração S/Demandas, cria uma suspensão de sentido para justamente aquilo que demanda sentido; a invocação de responsabilidade e desígnio parece não cumprir sua função, pois a abreviatura que a antecede não determina nada além do som sibilante do S... Seria uma ausência, uma subjugação ou uma imposição?
O caráter poroso de tal título converge com a multiplicidade de projetos e linguagens das artistas participantes dessa breve mostra do G.A.F. – outra abreviatura para Grupo de Acompanhamento Feminista, que teve sua primeira formação em 2021 durante a reclusão pandêmica, em que o digital e as telas/espelhos escuros foram a possibilidade de conexão eticamente viável à época.
São 11 artistas mulheres, auto identificadas como CIS, de gerações e contingências diversas, oriundas e/ou residentes em diferentes cidades do país – algumas se encontravam inclusive no exterior no início do grupo – e que ao longo de quase 03 anos, entre conversas, confissões, apresentações, discussões, abandonos e retornos, debruçaram-se sobre seus trabalhos com uma perspectiva feminista, a qual tive o privilégio de coordenar. Narrativas de violências de gênero, experiências afetivas de memória, desejos e pulsões de vida e morte se materializaram ali, num espaço seguro, mas crítico.
Em tempos de vida hiper-digitalizada, foram intensificadas como nunca as experiências de performance, de cobranças e demandas. As pessoas precisam “entregar” algo a todo instante, precisam presentificar narrativas, manifestar posições, produzir “conteúdo” – e consequentemente, isso gera um protocolo de pressão que implica não em uma produção de ações positivas ou estéticas, mas produz sim quadros de ansiedade, de insuficiência, de perda de sentido do desejo. Direto desse “olho do furacão” de intensidades neoliberais, capturas de projetos críticos de vida se mostram cada vez mais sagazes em seus protocolos: não há movimento social, demanda política ou crítica social que não tenha sido coaptado para a dinâmica das imagens digitais e sua alta-velocidade de informação e descarte.
Pensar então numa proposição feminista em meio a esse contexto não implicou na criação de algo “novo”, “disruptivo”, mas sim na retomada de práticas e ações relegadas a certa marginalidade ainda moderna, como a escuta e o acolhimento, criteriosos, e ainda mal digeridos pelos discursos bem-intencionados do sistema das artes, portanto, residentes em um lugar de estranhamento, mas familiar.
O G.A.F. atuou, e atua, em suas trocas SEM, SOB e SOBRE Demandas; mas com um gozo que ainda é de difícil captura...