3.2.2

 3.2.2 Caracterização da amostra

 

Após a recolha e a análise das respostas dos questionários de pré-diagnóstico, elaborou-se um planejamento esquemático e provisório para o curso, tomando como base e linha norteadora as respostas a estes 87 questionários. No ínterim, as inscrições foram efetuadas pela SME, totalizando 22 professores, sem nossa interferência nos critérios de seleção dos candidatos. Sete professores inscritos não apareceram em nenhum encontro, e três que fizeram parte no encontro inicial (portanto, influenciaram os dados levantados neste primeiro dia do curso), abandonaram ao longo do período. Houve a inclusão de uma professora no terceiro encontro, de modo que o grupo manteve 13 membros oficialmente participantes. No entanto, no último dia, quando ocorreu o encontro de fechamento com um novo levantamento de dados, uma das professoras não estava presente. Assim, no primeiro encontro do curso compareceram 15 professores, e no último, havia 12 presentes. Estes foram dois momentos de interesse na pesquisa, uma vez que se levantaram dados que caracterizaram a amostra e influenciaram nos resultados do trabalho. Apesar desta diferença quantitativa, e de alguns professores, ao longo dos encontros, faltarem algumas noites (o curso foi realizado das 19h às 23h, no Núcleo de Aperfeiçoamento de Professores da Educação Municipal – NAPEM), o grupo manteve certa constância, a qual não provocou alterações significativas nos resultados finais da pesquisa, conforme consideraremos a seguir.

Esta foi, portanto, a média de docentes mantida na maioria dos dez encontros, constituindo-se, portanto, na amostra principal de nosso estudo, e alvo de análise. No primeiro dia do encontro, apresentamos o programa proposto aos professores inscritos no curso, conforme sintetizado na tabela 14, derivada do levantamento através do questionário pré-diagnóstico.

Um segundo momento foi a caracterização didático-pedagógica desta amostra, levantando suas reais necessidades formativas, expectativas e concepções sobre a educação em astronomia, com a finalidade de efetivarmos o planejamento de uma estrutura de um processo formativo adaptado ao contexto dos participantes, a partir do esquema previamente preparado. Assim, repetimos a aplicação de quase todas as questões do mesmo questionário geral passado meses antes, uma vez que este nos levaria a um refinamento dos dados referentes àquela amostra específica. Apesar de acreditarmos que esta amostra final de professores seria proveniente deste universo de 87 docentes que responderam ao questionário pré-diagnóstico, tal fato não se concretizou, pois no inicio do curso, constatou-se que apenas 2 participantes daquele grupo haviam recebido o questionário anterior de pré-diagnóstico enviado pela SME para as escolas. No entanto, suas respostas não apresentaram uma discrepância significativa em relação ao universo de 87 questionários, como veremos adiante.

Tabela 14 – Síntese da proposta do curso

 

Este levantamento foi realizado no dia do primeiro encontro do curso e se constituiu em um segundo momento de caracterização da amostra, mediante o uso de perguntas diretas e individuais. Assim, após as apresentações iniciais e comentários sobre a estrutura proposta do curso, lançamos para o grupo algumas questões as quais deveriam responder individualmente por escrito e com os seguintes dados pessoais de identificação: idade, tempo de experiência como professor(a), série(s) que leciona atualmente, curso de formação (graduação), sem identificação nominal. As perguntas usadas estão no apêndice 03, clicando aqui.

Note-se que as questões 01 a 10 são as mesmas utilizadas no primeiro questionário pré-diagnóstico (87 preenchidos e devolvidos) e já foram justificadas anteriormente, porém, as questões de numeração 11 a 15 não fizeram parte do mesmo, de modo que elas objetivaram levantar as concepções dos professores envolvidos com o curso (amostra principal) sobre temas específicos e fundamentais em astronomia, tais como: fenômeno do dia e da noite, fases da Lua, estações do ano, formato da órbita terrestre (devido à sua relação direta à compreensão das estações do ano), forma da Terra, e conceitos de gravitação. A escolha destes tópicos específicos, para o levantamento das concepções da amostra, justifica-se pelo fato do que a maioria da literatura sobre concepções alternativas na área de educação em astronomia tem apontado, conforme a revisão bibliográfica de Driver (1989): há conceitos básicos de astronomia fundamental não completamente compreendidos e que podem oferecer resistências a mudanças conceituais ou ao aprendizado de conceitos mais complexos, se não forem adequadamente tratados antecipadamente.

Conforme considerado em capítulos anteriores, estes conceitos introdutórios em astronomia, os quais denominamos de astronomia essencial para o ensino fundamental, são os que mais aparecem nas pesquisas sobre concepções alternativas em astronomia (BARRABÍN, 1995; TRUMPER, 2001; PEÑA e QUILEZ, 2001; SEBASTIÁ, 1995). Portanto, consideramos tais conteúdos básicos como sendo primários para entendermos em que situação conceitual encontra-se a amostra, direcionando-nos a caminhos para o planejamento final do curso. Porém, isto não significa que outros conteúdos não tenham sido trabalhados nos encontros, o que se verifica com as posteriores transcrições das filmagens e suas análises. Deste modo, a estrutura do curso procurou se adequar às sugestões e expectativas apresentadas pelos participantes, através do andamento flexível do programa. Apesar de a maioria dos professores desta amostra reduzida, e principal, não ter respondido ao questionário pré-diagnóstico (apenas 2 deles o haviam recebido), o resultado obtido com o levantamento no primeiro encontro parece não diferenciar notavelmente dos resultados daqueles 87 questionários, como veremos a seguir.

Os dados pessoais desta amostra (15 professores do encontro inicial) caracterizam-na com uma média de idade de 39 anos, variando entre 62 e 24 anos. A média do tempo de experiência é de 14 anos, com um máximo de 30 anos e um mínimo de três anos de experiência. Havia, no grupo, nove professores que trabalhavam nos anos iniciais do ensino fundamental e dois nos anos finais. Quatro professoras trabalhavam na educação infantil, uma no ensino superior, e duas que exerciam outras funções pedagógicas e não lecionavam no período do curso. Quanto à formação inicial, dez respostas da amostra (67%) indicam o curso de Pedagogia; cinco de cursos com menor probabilidade de trabalho com conteúdos de astronomia: três de História (20%) e duas de Psicologia (13%); e quatro de cursos com maior probabilidade de trabalho com conteúdos de astronomia: três de Ciências Biológicas (20%) e uma de Geografia (7%), salientando que há professores participantes de dois cursos. Quanto à inclusão digital desta amostra, os resultados indicam quase todos (dez respondentes) como possuindo acesso fácil à internet sem dificuldades de utilização, enquanto apenas quatro respostas indicam um pequeno grau de problemas com seu uso, e uma com acesso limitado.

Dos professores da amostra, apenas um comenta que revisou superficialmente conceitos básicos de astronomia na graduação (curso de Geografia), ao passo que os demais negam ter estudado conteúdos desta natureza. Quanto a cursos adicionais de astronomia, nenhum deles havia participado. Ao serem solicitados a relatar exemplos de temas de astronomia (saber) e sua maneira de trabalho com os alunos (saber-fazer), os professores apresentaram as seguintes respostas, as quais procuramos seguir uma classificação semelhante à da amostragem pré-diagnóstica:

As respostas permitiram-nos realizar uma classificação bem semelhante com a do levantamento pré-diagnóstico, pois a maioria dos conteúdos aqui relatados apresenta-se em conformidade com os primeiros, exceto pelo fato de que parece surgir um novo item, a tecnologia espacial, que não foi citado em nenhum momento nos questionários anteriores. Outro fator de destaque é que um breve comparativo entre as respostas a esta questão das duas amostras (a de 87 questionários e a de 15 professores) indica que a quantidade de conteúdos relatados é maior na amostra reduzida. Talvez isto se relacione com o modo como foi empregada a técnica de coleta destes dados, uma vez que pode haver diferenças no grau de comprometimento e comportamento do pesquisado com relação ao instrumento de pesquisa utilizado (GIL, 1991 e 1996). Na primeira ocasião usamos o questionário auto-aplicado (o sujeito o recebe, responde individualmente e devolve), e na segunda, as perguntas eram colocadas uma a uma (mediante a projeção, em um anteparo, através de um equipamento multimídia conectado ao computador) e ao mesmo tempo para o grupo, onde respondiam individualmente, mas simultaneamente com os demais membros. Podemos inferir que esta variável tenha influenciado no modo como foram respondidas estas questões.

Em relação ao saber-fazer dos professores com relação aos tópicos de astronomia em sala de aula, e os recursos e materiais didáticos, as respostas foram as seguintes: pesquisas escolares, ateliês, leituras de livros didáticos e paradidáticos, construção de maquetes do Sistema Solar, uso de fotos e figuras, músicas, globo terrestre, simulação dos movimentos da Terra com representação teatral de alunos, observação do céu (nascente e poente, Sol, Lua, constelações), aula expositiva, internet, livros de histórias infantis, filmes, aulas dialogadas, perguntas para reflexão, cruzadinha, caça-palavra, textos, notícias, experimentos, calendário, softwares, animações por computador.

Quanto às sugestões de inclusões ou remoções de conteúdos para o nível de ensino que o professor da amostra trabalha, ocorreram mais opiniões de acréscimos. A memorização da seqüência dos nomes dos planetas do Sistema Solar foi optada por ser removida do ensino, e tópicos tais como foguetes, telescópios, nebulosas, e buracos negros, poderiam ser adiados para as séries subseqüentes, conforme a opinião da amostra. Um dos professores afirmou não saber comentar por desconhecer o tema, e quatro pensam que a estrutura dos conteúdos está adequada e que não há a necessidade de ser alterada, a não ser por um detalhamento maior nos livros didáticos, acrescidos de orientações didáticas e metodológicas de trabalho deste conteúdo, que eles julgaram “complexo” e “amplo”. Quanto aos tópicos sugeridos para inclusão, alistam-se: influência da Lua na agricultura e no nascimento de bebês, marés, buraco negro, maiores relações da astronomia com o cotidiano, comentar apenas as noções de planetas, Sol, Lua e estrelas na educação infantil, definir a astronomia e a sua abrangência, satélites artificiais e seus benefícios, fases da Lua, temas astronômicos que nos ajudam a compreender melhor o nosso planeta.

As respostas dos professores da amostra, com relação a fontes de consulta para o trabalho docente, mais uma vez indicam o livro didático como principal material. Depois, a internet e os livros paradidáticos foram os mais citados, seguidos pelas revistas de divulgação científica, filmes, notícias de TV, jornais, sites e revistas de circulação. Uma fonte citada que surge nestes dados e que merece uma atenção é a “vida escolar”, conforme um dos professores a define, talvez uma alusão ao saber experiencial, derivado da construção de saberes ao longo da carreira profissional, em que a vivência de determinadas situações com relação ao ensino da astronomia o conduz a atitudes que contribuem para o trabalho docente sobre este tema.

Com relação à questão sobre o interesse do professor nas previsões astrológicas, o resultado desta amostra apresenta um diferencial do da primeira, pois apenas dois (13%) afirmaram categoricamente que não liam horóscopos, sendo que cinco (33%) atualmente não liam, mas já havia tido contato com maior freqüência no passado. Seis (40%) professores costumar ler eventualmente e dois (13%) o lêem com freqüência. Embora esta amostra apresente um interesse maior na astrologia, não podemos dizer o mesmo com relação à amostra pré-diagnóstica, talvez pelos mesmos motivos já comentados em alguns parágrafos anteriores sobre a forma como foram aplicadas as questões e as condições de produção das respostas pelos sujeitos. Este é um exemplo que ilustra a discussão sobre as questões metodológicas levantadas por autores da área de pesquisa em educação, quando discutem trabalhos qualitativos e quantitativos, e até que ponto os números devem ser atribuídos com um grau de importância maior em detrimento dos dados qualitativos (ANDRÉ, 2005; ALVES-MAZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1998; ESTRELA, 1994; BOGDAN e BIKLEN, 1994; MARTINS, 1994).

A observação do céu através de telescópio ocorreu apenas uma vez para dois professores, e mais de uma para três deles. Porém, dez (67%) professores jamais tiveram a oportunidade de utilizar um instrumento desta natureza e nem visitar um observatório e planetário. Apenas uma resposta indicava que um professor levou seus alunos a um planetário, e cinco indicavam visitas pessoais a planetários, sem compromissos com a escola. Um professor relata uma visita pessoal (sem alunos) ao observatório da região (localizado na UNESP de Bauru) durante um evento público em que ocorreu um eclipse lunar.

Os professores desta amostra foram convidados a relatar algumas de suas dificuldades em seu trabalho com conteúdos de astronomia, bem como fornecer sugestões para o curso que estava se iniciando. Suas respostas também não diferenciaram sensivelmente do primeiro levantamento, cuja preocupação primária se deu basicamente com relação ao conteúdo:

Nota-se que estas respostas não são dotadas de um grau de complexidade em sua elaboração, quando comparadas com os dados do levantamento pré-diagnóstico, talvez pelo fato das condições com que foram produzidas, conforme já comentado. No entanto, podemos interpretar esta informação como resultante de falta de contato com conteúdos de astronomia, uma vez que o docente, que não promove uma aula coerente com o ensino deste tema, sentirá dificuldades em comentar, opinar ou sugerir tais temas.

Um comentário que chama especial atenção é a atribuição que um dos professores faz ao conhecimento até então construído por ele sobre astronomia: “o que sei de astronomia devo aos anos no ensino fundamental, jornal, revistas, filmes, etc”. É preocupante imaginar o professor desenvolvendo atividades docentes, cujos saberes disciplinares foram construídos somente a partir dos anos do ensino fundamental ou de fontes midiáticas, como é o caso deste professor da amostra. Conforme atestam os resultados de pesquisas anteriores, como os sintetizados em Langhi e Nardi (2008), esta enunciação ilustra a situação de despreparo do docente, que pode proporcionar, durante o processo de ensino e aprendizagem, o surgimento ou o reforço de concepções alternativas sobre fenômenos astronômicos, acarretando em sérios erros conceituais em astronomia durante as aulas que deveriam contemplar conteúdos de ciências. Estudos, como os encontrados em Nardi (1991 e 1994), Baxter (1989), Barrabín (1995), Sebastiá (1995), Camino (1995), Tignanelli (1998), Stahly (1999), Teodoro (2000), Peña e Quilez (2001), e Langhi (2005), evidenciam que os próprios professores podem possuir concepções alternativas sobre conceitos básicos de astronomia desde os primórdios de sua trajetória de vida (enquanto crianças), e que tais idéias de senso comum acabam atingindo as trajetórias formativas docentes posteriores, o que inclui a atuação em sala de aula. De fato, caso um histórico das concepções espontâneas em astronomia de alguns professores pudesse ser traçado, talvez fosse possível encontrar neles intrínsecas concepções sobre fenômenos de astronomia, incluindo mitos e crenças, que tiveram origem em sua própria infância (LANGHI, 2004) e, persistindo durante anos, atravessaram intactas os momentos em que deveriam ser desestabilizadas e modificadas, tais como em sua trajetória de formação inicial. Contudo, por inexistência de tais momentos, as concepções acompanharam toda a trajetória de vida pessoal e profissional do docente, de modo que foram incorporadas em seu constructo pessoal (ZEICHNER, 1993; GARCIA, 1999; GÓMEZ, 1992; GUARNIERI, 2000; MIZUKAMI, 1996), sendo que agora, em sala de aula, seus alunos por sua vez as apreendem, denotando uma dominância de paradigmas e reforçando ou (re)formulando concepções alternativas, sem que o professor se dê conta disto. Esta situação o induz, portanto, a uma falsa ou aparente segurança no processo de ensino-aprendizagem, porém, não o capacita e nem o habilita em sua prática pedagógica com relação ao processo de ensino e aprendizagem de fundamentos de astronomia.

Por outro lado, alguns docentes parecem cientes das suas dificuldades com relação ao trabalho de conceitos básicos de astronomia na sala de aula, conforme alguns deles evidenciaram: não domina o conteúdo; pouco conhecimento sobre o assunto; falta de tempo para aprofundar o assunto com a turma; pouco tempo para se trabalhar o tema; pouca segurança no assunto; falta de material; não consegue aproximar o conteúdo dos alunos e ficando muito abstrato; não dispõe de tantos recursos para desenvolver este tema; dificuldades nas observações astronômicas; dificuldades em responder algumas perguntas específicas, como o fim da “vida” do Sol ou o que aconteceria se a Terra parasse de girar. Estas dificuldades, de diversas origens, correspondem a trabalhos anteriores (LANGHI e NARDI, 2005 e 2008a), em que elas foram classificadas como sendo de ordem: metodológica, pessoal, formativa, infra-estrutural, e de fontes de informação (em um item posterior, na tabela 20, elencamos estas dificuldades com mais detalhes).

Apresentamos, a seguir, uma tabela que sintetiza a caracterização dos dados comentados e analisados neste item, conforme levantados no primeiro dia do encontro com os professores do curso, os quais se constituíram na amostra principal desta pesquisa.

 

Tabela 15 –Síntese da amostra composta de 15 professores do curso.

 

 

Uma análise comparativa com a amostra pré-diagnóstica (tabela 13) revela poucas diferenças discrepantes (por exemplo, na questão das fontes mais consultadas, a amostra maior representa o livro didático como principal fonte, ao passo que a amostra menor indica a internet, o que pode ser explicado pela diferença na quantidade de sujeitos para cada amostragem e na técnica utilizada para a coleta de dados).

Apesar de apresentarmos, acima, uma caracterização geral da amostra mediante a apresentação destes dados, acreditamos que os capítulos seguintes, ao analisarem os dados constituídos da pesquisa, trarão mais detalhes sobre aspectos específicos desta amostra, com relação aos elementos formativos necessários à construção progressiva de sua autonomia para o ensino da astronomia.

 

 

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.