DIREITO E ARGUMENTAÇÃO
Segundo Atienza, há três campos em que se efetuam argumentações:
1- na produção ou estabelecimento de normas jurídicas (fase pré-legislativa – os argumentos são políticos e morais), fase legislativa (questões do tipo técnico-jurídico).
2- na aplicação das normas à resolução de casos.
3- dogmática jurídica:
Funções:
a) ministrar critérios para a produção do Direito nas diversas instâncias em que ele tem lugar;
b) ministrar critérios para a aplicação do Direito;
c)ordenar e sistematizar um setor do ordenamento jurídico.
- os juízes e tribunais não precisam explicar sua ações, apenas justificá-las;
- em ambos os contextos pode-se adotar uma atitude descritiva e uma atitude prescritiva
- o erro de Jerome Frank e dos realistas é confundir contexto de descobrimento e contexto de justificação
As teorias da Argumentação de Alexy e de MacCormick pretendem mostrar não unicamente como se justificam de fato as decisões jurídicas, mas também com se deveriam justificar.
Elas opõem-se ao:
determinismo metodológico: as decisões jurídicas não precisariam ser justificadas porque procederiam de uma autoridade legítima e/ou são o resultado de simples aplicações de normas gerais.
decisionismo metodológico: as decisões jurídicas não podem ser justificadas porque são puros atos de vontade.
Distinção entre justificação interna e justificação externa segundo Wróblewski:
justificação interna = lógica dedutiva
justificação externa = fundamentação das premissas
A teoria da argumentação preocupa-se principalmente com a justificação externa.
REGRAS DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE ROBERT ALEXY
Regras fundamentais:
Nenhum falante pode contradizer-se.
Todo falante somente pode afirmar aquilo que ele mesmo crê.
Toda falante que aplique um predicado F a um objeto a deve estar disposto a aplicar F também a qualquer outro objeto igual a a em todos os aspectos relevantes.
Distintos falantes não podem usar a mesma expressão com distintos significados.
Regras de razão
Todo falante deve, quando lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser que possa dar razões que justifiquem a recusa de uma fundamentação.
Quem pode falar pode tomar parte no discurso.
Todos podem problematizar qualquer asserção.
Todos podem introduzir qualquer asserção no discurso.
Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades.
Nenhum falante pode ser impedido de exercer seus direitos fixados em 2.1 e 2.2, mediante coerção interna ou externa ao discurso.
Regras sobre a carga de argumentação
Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira distinta de uma pessoa B, está obrigado a fundamentar a distinção.
Quem ataca uma proposição ou norma que não é objeto da discussão deve dar uma razão para tal.
Quem aduziu um argumento somente está obrigado a dar mais argumentos em caso de contra-argumentos.
Quem introduz no discurso uma afirmação ou manifestação sobre suas opiniões, desejos ou necessidades que não se refira como argumento a uma anterior manifestação tem, se lhe pedem, que fundamentar porque introduziu esta afirmação ou manifestação.
Regras de fundamentação
Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para a satisfação dos interesses de outras pessoas, deve poder aceitar as consequências de dita regra também no caso hipotético de que ele se encontrasse na situação daquelas pessoas.
As consequências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um devem poder ser aceitadas por todos.
Toda regra deve poder ser ensinada de forma aberta e geral.
As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem poder passar a prova de sua gênese histórico-crítica. Uma regra moral não passa semelhate prova: a) se ainda que originariamente se possa justificar racionalmente, no entanto perdeu depois sua justificação; b) se originariamente não se pode justificar racionalmente e não se podem aduzir tampouco novas razões que sejam suficientes.
As regras morais que servem de base às concepções morais do falante deve poder passar a prova de sua formação histórico-individual. Uma regra moral não passa semelhante prova se se estabeleceu nomente sobre a base de condições de socialização não justificáveis.
Há que se respeitar os limites da realização dos dados de fato.
Regras de transição
Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar para um discurso teórico ou empírico.
Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar para um discurso de análise da linguagem.
Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar para um discurso de teoria do discurso.
Regras e formas de justificação interna
Sempre que exista dúvida sobre se a é um T ou um M, há que aduzir-se a uma regra que decida a questão.
São necessários os passos de desenvolvimento que permitam formular expressões cuja aplicação no caso em questão não sejam já discutíveis.
Tem-se que articular o maior número possível de passos de desenvolvimento.
Regras e formas da interpretação
Deve resultar saturada toda forma de argumento que esteja entre os cânones da interpretação.
Os argumentos que expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à vontade do legislador histórico prevalecem sobre outros argumentos, a não ser que possam aduzir-se outros motivos racionais que concedam prioridade a outros argumentos.
A determinação do peso de argumentos de distintas formas deve ter lugar segundo regras de ponderação.
Há que se tomar em consideração todos os argumentos que sejam possíveis propor e que possam incluir-se por sua forma entre os cânones da interpretação.
Regras da argumentação dogmática
Todo enunciado dogmático, se posto em dúvida, deve ser fundamentado mediante o emprego, ao menos, de um argumento prático de tipo geral.
Todo enunciado dogmático deve poder passar uma comprovação sistemática, tanto em sentido estrito como em sentido amplo.
Se são possíveis argumentos dogmáticos, devem ser usados.
Regras sobre o uso de precedentes
Quando se pode citar um precedente a favor ou contra uma decisão, deve-se fazê-lo.
Quem quiser apartar-se de um precedente assume a carga da argumentação.
Formas de argumentos jurídicos especiais
As formas dos argumentos jurídicos especiais têm que resultar saturadas.
A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE NEIL MACCORMICK
A teoria argumentativa de Neil MacCormick está entre a teoria de Dworkin (tese da única resposta correta) e a de Alf Ross (as decisões jurídicas são arbitrárias, são um produto da vontade, não da razão).
Neil MacCormick elabora um modelo de justificação das decisões judiciais e pretende que as decisões realmente se comportem conforme este modelo. São objeto de sua análise casos do Direito da Inglaterra e da Escócia. MacCormick aponta duas vantagens neles de se analisar os casos do direito inglês:
1- cada juiz deve escrever seu voto e se decide por maioria simples;
2- os juízes são recrutados entre os advogados, não há uma carreira judicial.
Pressupostos da justificação dedutiva:
a) o juiz possui o dever de aplicar as regras do Direito válido;
b) o juiz pode identificar quais são as regras válidas (pressupõe-se que há critérios compartilhados (pelos juízes) de reconhecimento das normas válidas.
CASOS DIFÍCEIS: no julgamento dos casos difíceis é preciso distinguir:
1- problemas de interpretação
2- problemas de relevância
3- problemas de prova
4- problemas de qualificação
Problemas de interpretação e de relevância: afetam a premissa normativa
Problemas de prova e de qualificação: afetam a premissa fática
1- PROBLEMAS DE INTERPRETAÇÃO: não há dúvida sobre qual seja a norma aplicável, mas a norma em questão admite mais de uma leitura.
2- PROBLEMAS DE RELEVÂNCIA: trata-se da discussão se existe uma norma X ou Y aplicável ao caso.
3- PROBLEMAS DE PROVA: trata-se do estabelecimento da premissa menor. Provar significa estabelecer proposições verdadeiras sobre o presente e, a partir delas, inferir proposições sobre o passsado.
4- PROBLEMAS DE QUALIFICAÇÃO: trata-se da dúvida se fatos X, secundários, integram ou não um caso que possa subsumir-se no suposto fático (ou de fato) da norma.
EXEMPLOS:
1- O Race Relations Act de 1968 proíbe a discriminação no Reino Unido a partir da cor, raça, “origem nacional” ou étnica. Algumas políticas públicas no Reino Unido eram específicas para ingleses, não abarcando estrangeiros. O questionamento, a partir da argumentação dos estrangeiros excluídos, fez surgirem dúvidas se a proibição de discriminar a partir de “origem nacional” incluía ou não a “nacionalidade atual”. A interpretação da Câmara dos Lordes foi no sentido de não incluir.
2- Discussão se existe ou não responsabilidade por parte de um fabricante de bebida que, por estar em mal estado, ocasiona danos à saúde do consumidor.
3- Discussão se o testemunho de uma testemunha de um caso prova ou não determinado fato discutido na causa. Importante: o conjunto probatório deve ser coerente.
4- O Sr. MacLennan entra com ação de divŕocio por adultério contra sua esposa. Ela deu à luz à um filho depois de 11 sem ter relações sexuais com ele. A esposa admitiu este período, mas negou o adultério, uma vez que teve o filho através de técnicas de inseminação artificial.
Justificar uam decisão em um caso difícil consiste em:
1- cumprir com o requisito da UNIVERSALIDADE.
2- que a decisão tenha sentido com relação ao sistema jurídico como um todo (deve cumprir os requisitos de consistência e coerência).
3- que a decisão tenha sentido com relação ao mundo (neste ponto entram em jogo os argumentos consequencialistas).
1- O requisito da universalidade:
é a exigência de que o termo médio seja ao menos uma vez universal;
possui um alcance em relação ao passado e ao futuro
universalidade é diferente de generalidade: uma norma pode ser mais específica que outra, mas ser igualmente universal, pois a universalidade é um requisito do tipo lógico, que não tem a ver com que uma norma seja mais ou menos específica
EQUIDADE: ela se dirige contra o caráter geral das regras (é uma exceção a uma regra geral), não contra o princípio da universalidade
2- O requisito da consistência e da coerência:
Consistência: uma decisão é coerente quando se baseia em premissas normativas que não entram em contradição com normas validamente estabelecidas.
Coerência: possui relação com princípios e valores socialmente aceitáveis. Ela é um mecanismo de justificação.
Requisitos da coerência: se baseiam em dois tipos de argumentos:
a- argumentos a partir de princípios – os princípios possuem uma função explicativa (explicam outras normas) e de justificação (justificam outras normas).
b- argumentos por analogia – Atienza distingue:
b1- Analogia para resolver um problema de relevância. Ex. Quem perde a vida ou resulta ferido ao tratar de prevenir um dano a outra pessoa, causado pela ação negligente de um terceiro, tem direito a uma indenização por parte do terceiro (de acordo com uma regra do common law). A partir do uso da analogia, pergunta-se se haveria direito a indenização se o prejuízo for econômico.
B2- Analogia para resolver um problema de interpretação. Ex. Um delito de incêndio agrava-se se há uma pessoa dentro da haitação. A partir da analogia: e se a pessoa for o próprio autor do incêndio?
3- Os arguementos consequencialistas
Este é, para MacCormick, o argumento essencial na argumentação jurídica. No caso anterior sobre adultério, se se estendessem os pressupostos do adultério até abarcar também a utilização de técnicas de inseminação artificial, a consequência seria aceitar que se pode cometer adultério com uma pessoa já morta.
Para MacCormick, o resultado é diferente das consequências de uma ação. As consequências são os estados de coisas posteriores e conectados com o resultado.
O resultado da ação de decidir um caso por um juiz é a produção de uma norma válida.
As consequências jurídicas são valoradas conforme os diferentes valores de cada ramo do Direito, como o Direito Fiscal, Tributário, Criminal, etc.
Os argumentos consequencialistas são em geral hipotéticos, mas não probabilistas (são consequências no sentido de implicações lógicas).