salazarentismo

Salazarentismo

A cultura portuguesa, num certo sentido ainda impregnada de uma herança da época feudal, caracteriza-se pelo indivdualismo, pela intolerância às críticas e pelo desrespeito pelas regras comuns. O que se nota ainda, e constantemente, na maneira como os portugueses se comportam ao volante, pela falta de civismo e da noção do espaço comum aos outros. A iniciativa individual, quando exprime uma postura nova ou menos habitual em relação aos velhos hábitos e sugere uma conduta respeitadora dos direitos de todos, ainda é olhada neste país com desconfiança. Na realidade, o português médio é intolerante, gosta de ser autocrático e detesta que lhe imponham regras. Talvez por isto foi possível termos tido o Dr. Salazar durante tantas décadas, ainda promovido a título póstumo por um programa de televisão como «o melhor Português». Talvez por isso a extrema popularidade de Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro (pese embora a sua reconhecida honestidade em relação ao seu trabalho e aos seus títulos académicos, que não foram tirados da Universidade Independente), e talvez por isso, assim, o primeiro-ministro Sócrates consiga ter, apesar da sua insuportável arrogância, intolerância á crítica e da sua postura autocrática, os índices de popularidade que tem. Sócrates é o alter ego dos portugueses: É aquilo que muitos portugueses gostariam de ser: Alguém que cria as suas próprias regras e não depende de ninguém, que não valoriza a liberdade individual dos outros e a própria cultura democrática que é a base da sociedade ocidental.

Curiosamente, nos países escandinavos, que o primeiro-ministro tanto gosta de apontar como exemplos civilizacionais, Sócrates nunca conseguiria ser primeiro-ministro, uma vez que o desenvolvimento destes está incontornavelmente associado a uma cultura de tolerância, de respeito pelos outros e pelas regras da comunidade. E foi isso, de facto, que permitiu à Suécia, à Finlândia e à Dinamarca, serem os países prósperos que são hoje.

Por cá, continuaremos a conduzir em excesso de velocidade e ultrapassar pela direita, continuaremos a perseguir politicamente quem fala mal de nós, continuaremos a não aceitar críticas e o trabalho jornalístico livre, agora ameaçado por insidiosos «códigos de conduta» que de destinam a que a cultura portuguesa seja afinal preservada naquilo que sempre teve de pior.

Gil Fonseca 2007/JUN/09