Fundações profundas moldadas in loco
Por Juliana Nakamura
Edição 146 - Setembro/2013
Com ampla oferta de tecnologias para execução, as fundações profundas moldadas in loco são frequentemente associadas a estruturas de grandes cargas ou a características de solo superficial ruim. Mas, na realidade, até mesmo solos com baixa capacidade de suporte em pequena profundidade podem obrigar a utilização desse tipo de fundação para a construção de uma casa ou um sobrado, por exemplo. "O que define o sistema mais adequado não é o porte da obra, mas o tipo de estrutura e as características do solo", explica a engenheira Gisleine Coelho de Campos, pesquisadora do agrupamento de fundações da divisão de engenharia civil do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT).
São consideradas fundações profundas aquelas cujo comprimento da estaca predomina sobre sua seção transversal, ou a camada de suporte está a uma profundidade maior que 2 m. Tais elementos podem ser executados in loco ou ser pré-fabricados.
"Uma das vantagens das estacas moldadas in loco e que, em geral, induzem a sua escolha em grandes centros urbanos, é o baixo nível de ruído e vibração", comenta Campos. Outro ponto forte das fundações moldadas é o controle do processo. "Esse tipo de fundação nos permite maior garantia da cota final de projeto e do assentamento da base", destaca o consultor em fundações pesadas e geotecnia, Luiz Antônio Naresi Júnior.
Aprimoramentos tecnológicos
Nos últimos anos, novos equipamentos permitiram que a execução das fundações in loco se tornasse mais segura, rápida, e com ainda menos impactos no entorno. Um exemplo disso foi a chegada recente das hidrofresas, máquinas que permitem a execução de estacas-barrete em solos de elevada resistência e em rochas brandas.
"Com a otimização da execução das fundações mecanizadas e com a disponibilidade de perfuratrizes maiores, houve um expressivo aumento de produtividade, reduzindo o prazo da obra e os níveis de ruído", acrescenta Naresi, lembrando que, nos dias atuais, há equipamentos e perfuratrizes capazes de atingir profundidades superiores a 20 m e com grandes diâmetros.
Felipe Cruz, coordenador de operações de avaliação de fundações da Concremat Inspeções e Laboratórios, destaca outros progressos promovidos nos últimos anos na engenharia de fundações. Entre eles, a utilização, em escala, das estacas tipo hélice contínuas monitoradas, técnica que oferece agilidade e controle do método executivo. "Também houve avanços para avaliação da qualidade de execução e projeto de fundações moldadas in loco por meio de ensaios não destrutivos, como os ensaios de integridade (PIT, TIP e CHL), e o ensaio dinâmico para determinação da capacidade de carga de estacas (ECD)", ressalta Cruz.
Mas se por um lado os equipamentos permitiram desenvolver fundações cada vez mais profundas com maior produtividade, por outro, a falta de investigações geotécnicas para subsidiar a elaboração dos projetos é uma limitação. "Ainda são utilizados métodos arcaicos, que não dão conta de monitorar a execução das estacas com confiabilidade. Além disso, a falta de normas específicas para cada método executivo contribui para a falta de padronização. Com isso, os procedimentos executivos acabam ficando a critério de cada empresa", lamenta Cruz.
Para Gisleine Campos, ajudaria a alavancar o desenvolvimento desse segmento uma mudança cultural das equipes de projeto e execução das obras. "Seria interessante que todos passassem a exigir mais e melhores ensaios comprobatórios de integridade e de capacidade de carga destes elementos", finaliza a engenheira.
TECNOLOGIAS DE ESTACAS PROFUNDAS MOLDADAS IN LOCO
Estacas tipo Franki
Executado no Brasil pelo menos desde os anos 1940, esse método consiste na produção de estacas de concreto armado com base alargada, e com tubo que pode ser posteriormente recuperado, obtida pela introdução de material granular ou concreto por meio de golpes de um pilão. A técnica é indicada quando a camada resistente está em profundidades variáveis. Também pode ser aproveitada em terrenos com pedregulhos ou pequenos matacões relativamente dispersos. Contudo, não é recomendada para execução em terrenos com matacões quando as construções vizinhas não podem suportar grandes vibrações, e em terrenos com camadas de argila mole saturada.
Assim como as demais estacas moldadas no local, a Franki permite atingir o comprimento desejado, podendo chegar a grandes profundidades. Além disso, a existência da base alargada aumenta a capacidade de carga da estaca.
As limitações dessa tecnologia dizem respeito à vibração do solo durante a execução, podendo atrapalhar e até danificar construções vizinhas. A cravação pode provocar o levantamento das estacas já instaladas devido ao empolamento do solo circundante que se desloca lateral e verticalmente. Além disso, a estaca danificada pode ter sua capacidade de carga prejudicada ou perdida devido à ruptura do fuste ou pela perda de contato da base com o solo de apoio. Por causa dos impactos gerados na vizinhança, essa tecnologia é cada vez menos utilizada em grandes centros urbanos.
Estacas Strauss
Também muito tradicionais, as estacas Strauss são moldadas in loco com 25 cm a 55 cm de diâmetro. Elas são executadas por escavação mecânica por meio de balde-sonda ou piteira, com uso parcial ou total de revestimento recuperável, e posterior concretagem. Essa técnica é usada principalmente em locais confinados, terrenos acidentados e interior de construções existentes com o pé-direito reduzido. Pode ser utilizada também em locais com restrições a vibrações.
Em comparação com as estacas Franki, as Strauss têm capacidade de carga menor. Uma estaca com 25 cm de diâmetro, por exemplo, pode suportar até 20 t. Já um elemento de 38 cm chega a suportar 40 t. Esse tipo de tecnologia possui limitação quanto ao nível do lençol freático. Também apresenta dificuldade para escavar solo mole de areia fofa por causa do estrangulamento do fuste. Por outro lado, o equipamento utilizado é leve e de pequeno porte, facilitando a locomoção dentro da obra e possibilitando a montagem do equipamento em terrenos de dimensões reduzidas.
O processo de execução inicia-se com a abertura de um furo no terreno com um soquete para colocação do primeiro tubo (coroa). Em seguida, aprofunda-se o furo com golpes de sonda de percussão. À medida que o tubo desce, rosqueia-se o tubo seguinte até a escavação atingir a profundidade determinada. O concreto é, então, lançado e apiloado com o soquete. Após a concretagem, colocam-se barras de aço de espira para ligação com blocos e baldrames na extremidade superior da estaca.
Estacas tipo hélice contínua monitorada
Cada vez mais utilizadas em áreas urbanas, as estacas tipo hélice contínua monitoradas são produzidas a partir da perfuração do terreno por meio de um trado helicoidal contínuo, que retira o solo sem desconfinamento. Uma vez atingida a profundidade de projeto, o concreto é bombeado por dentro do trado a partir da cota de ponta da estaca. O trado é, então, sacado simultaneamente ao bombeamento de concreto. O método exige a colocação da armação após a concretagem. Para controlar a pressão de bombeamento do concreto, o sistema possui instrumento medidor digital que informa todos os dados de execução da estaca.
Indicada para obras que demandam rapidez, ausência de barulho e de vibrações prejudiciais a prédios da vizinhança, a estaca tipo hélice contínua pode ser executada em terrenos coesivos e arenosos, na presença ou não do lençol freático. É uma solução técnica e economicamente interessante para obras nas quais há um grande número de estacas sem variações de diâmetros, em função da produtividade alcançada. As estacas tipo hélice contínua também podem ser executadas abaixo do nível d'água.
As principais desvantagens dessa técnica estão relacionadas ao porte do equipamento, que necessita de áreas planas e de fácil movimentação. Além disso, por causa de sua elevada produtividade, a execução exige central de concreto no canteiro de obras. De forma geral, a solução é competitiva financeiramente quando há um número mínimo de estacas a se executar para compensar o custo com a mobilização do equipamento. Dependendo da profundidade da estaca, do diâmetro da hélice, do tipo e resistência do terreno e do torque do equipamento, é possível executar de 150 m a 400 m de estacas por dia por esse método.
Estaca Ômega
De execução semelhante à hélice contínua monitorada, as estacas Ômega permitem o deslocamento lateral do terreno sem o transporte de solo à superfície, resultando numa melhora do atrito lateral. Os diâmetros disponíveis iniciam com 270 mm, e depois de 320 mm a 620 mm.
A diferença entre a estaca tipo hélice contínua e a Ômega está, basicamente, na configuração da haste de perfuração. Na primeira, as pás perfazem toda a haste, de modo que, com a rotação, a terra deslocada na perfuração seja transportada pelos sulcos metálicos até a superfície do terreno. Nas estacas Ômega, as pás se concentram apenas na região da ponta da haste. Com a rotação do eixo, o volume de terra é transportado até um nível da haste projetado para compactá-lo contra a parede do furo. Todo o processo é monitorado por sensores ligados a um computador colocado na cabine do operador.
Por não gerar ruídos nem vibrações, as estacas Ômega têm sido opção para obras em bairros sujeitos a programas de restrição de ruídos. No que se refere à profundidade, é possível executar por essa técnica estacas de até 28 m de profundidade, dependendo do equipamento, torque e diâmetros a serem utilizados. Tecnologia relativamente recente no mercado, poucas são as empresas que oferecem esse sistema no Brasil.
Estaca-raiz
São estacas escavadas com perfuratriz, executadas com equipamento de rotação ou rotopercussão com circulação de água, lama bentonítica ou ar comprimido. Dependendo do equipamento utilizado, as estacas podem ser executadas em ângulos diferentes da vertical (0° a 90°).
A perfuração se processa com um tubo de revestimento e o material escavado é eliminado continuamente por uma corrente fluida (água, lama bentonítica ou ar) que, introduzida por meio do tubo, reflui pelo espaço entre o tubo e o terreno. Na sequência, coloca-se a armadura e concreta-se à medida que o tubo de perfuração é retirado.
Por conta da ausência de vibrações e de descompressão do terreno propiciadas pelo processo de perfuração, a estaca-raiz é indicada em casos como reforço de fundações, fundações de obras com vizinhanças sensíveis a vibrações ou poluição sonora, ou em terrenos com presença de matacões, rocha ou até mesmo concreto.
A execução desse tipo de estaca compreende a seguinte sequência: perfuração auxiliada por circulação de água, instalação da armadura, preenchimento do furo com argamassa, e remoção do revestimento e aplicação de golpes de ar comprimido.
A estaca-raiz foi desenvolvida na Itália, no final da década de 1950, tendo como função básica o reforço de fundações. No entanto, os desenvolvimentos da técnica executiva e dos conhecimentos da mecânica dos solos permitiram aumentar, com segurança, a capacidade de carga e a produtividade desse tipo de estaca. A NBR 6.122:2010 - Projeto e Execução de Fundações fixou a obrigatoriedade de realizar um número mais alto de provas de carga quando se usam estacas-raiz.
Brocas
São estacas executadas sem molde por perfuração no terreno, com auxílio de um trado de pequeno diâmetro. A execução é manual, normalmente feita pelo próprio pessoal da obra. O trado utilizado possui quatro facas, formando um recipiente acoplado a tubos de aço galvanizado. À medida que prossegue a escavação, os tubos vão sendo emendados. A perfuração é feita por rotação e compressão do tubo, seguindose da retirada da terra que se armazena dentro do trado. O furo é posteriormente preenchido com concreto apiloado.
As estacas-broca são indicadas para obras de pequenas dimensões que exigem baixa capacidade de carga (até 5 tf). Além disso, só podem ser executadas acima do lençol freático. Como limitações, essa tecnologia resulta em estacas sem garantia de verticalidade. Também implica risco de introdução de solo no concreto durante o enchimento. É importante evitar a utilização desse sistema em argilas moles saturadas, a fim de evitar possíveis estrangulamentos no fuste da estaca.
Mas as estacas tipo broca apresentam também algumas vantagens. A principal delas é não provocar vibrações durante a sua execução, evitando, desta forma, danos nas estruturas vizinhas. As brocas também podem servir de cortinas de contenção para construção de subsolos quando executadas de forma justaposta.
Estacas-barrete
Com seção retangular, as estacas-barrete são escavadas com uso de lama bentonítica, executadas com equipamentos de grande porte, como o clam-shell e hidrofresas. A técnica, de rápida execução, permite atingir profundidades de até 70 m, bem como executar a estaca em praticamente todos os tipos de terreno, com nível de água ou não, e atravessar matacões. As estacas-barrete são indicadas quando é necessário atravessar camadas de grande resistência.
A sequência executiva das estacas-barrete pode ser dividida em quatro etapas principais. Primeiro, coloca-se a guia (que tem o papel de guiar a ferramenta de escavação), completando com lama o volume escavado. Uma vez atingida a profundidade prevista, coloca-se a armadura e a bomba de submersão para a troca de lama usada por nova. Em seguida, é realizada a concretagem submersa com concreto plástico. Terminada a concretagem, procede-se ao aterro da parte superior e ao arrancamento da guia. A produtividade varia em função do tipo de solo e condições do terreno, mas como referência, é possível executar 50 m de estacas-barrete por dia com uma espessura de 40 cm.
A lama bentonítica utilizada no processo é um fluido resultado da mistura de água e bentonita que cumpre o papel de estabilização de paredes das escavações. A bentonita é uma argila que, em presença de água, forma uma película impermeável (cake) sobre uma superfície porosa, como é o caso do solo, sem se misturar ao concreto.
Estacas injetadas
As estacas injetadas são aquelas produzidas a partir da injeção sob pressão de produtos aglutinantes, normalmente calda de cimento. Elas podem ser executadas com maiores inclinações (0º a 90º), apresentar resistência de fuste superior, se comparada aos demais tipos de estaca com mesmos diâmetros, e resistir a esforços de compressão e tração, desde que convenientemente armadas.
Dentre as suas aplicações, destacam-se a estabilização de encostas, o reforço de fundações, a execução de fundações em terrenos com blocos de rocha ou antigas fundações, e a execução de fundações em obras offshore.
A execução de uma estaca injetada moldada no solo compreende as seguintes fases: 1) Escavação do furo com equipamentos mecânicos apropriados de pequenas dimensões; 2) Colocação da armadura; 3) Moldagem do fuste. A injeção deve ser feita de maneira a garantir que a estaca tenha a carga admissível prevista no projeto. O consumo de cimento da calda ou argamassa injetada deve ser no mínimo de 350 kgf/m³. A resistência estrutural do fuste deve ter um fator de segurança mínimo à ruptura de 2, calculada em relação às resistências características dos materiais. Já a capacidade de carga deve ser verificada experimentalmente, por meio de provas de carga à compressão e ou tração. Quando utilizadas estacas injetadas com diâmetros iguais ou menores que 20 cm atravessando espessas camadas de argila mole, deve ser considerado o efeito de flambagem na estaca.
Trado helicoidal
Trata-se de uma evolução da broca, mas em vez da escavação manual, é utilizado um trado mecânico. Com isso, torna-se possível atingir profundidades maiores, porém, ainda acima do nível da água. A escavação com trado sem lama bentonítica é indicada para obras de pequeno porte e para solos com boa resistência, para garantir que a escavação permaneça estável durante a inserção da armação e da concretagem.
A vantagem dessa solução reside na grande mobilidade e produção do equipamento e na ausência de vibração. Além disso, permite a amostragem do solo escavado, possibilita atingir a profundidade desejada e determinada em projeto e pode ser executada bem próxima às divisas. Uma vez instalado e nivelado o equipamento, posiciona-se a ponta do trado sobre o piquete de locação e inicia-se a perfuração. Quando a haste é totalmente helicoidal, a perfuração prossegue até a cota projetada e inicia-se a retirada da haste sem girar.
Aproximadamente a cada 2 m, a haste é girada no sentido contrário ao da perfuração e, com o auxílio de uma pá, o solo é removido entre as lâminas. Quando somente um trecho da haste é helicoidal, a operação é repetida várias vezes antes de se atingir a cota prevista em projeto.
Quando a cota de projeto é atingida, podese iniciar a concretagem da estaca após o apiloamento do fundo. No caso de estacas armadas, após o apiloamento do fundo, a armação é posicionada no furo antes do lançamento do concreto.
Estacas escavadas de grande diâmetro (estacões)
Indicados para uso em obras sujeitas a cargas elevadas, os estacões são escavados mecanicamente, normalmente com emprego de lamas bentoníticas, e têm seção circular, normalmente com diâmetros entre 0,7 m e 2,5 m. O comprimento das estacas é bastante variável, atingindo até 70 m. Essa tecnologia permite a inspeção do solo à medida que se escava, oferece rápida execução e pouca vibração, podendo ser executada junto a construções existentes. Além disso, as estacas escavadas de grande diâmetro podem ser construídas em presença de lâmina d'água, o que ocorre em obras marítimas e em construção de pontes. Nesse caso, a escavação mecânica e a concretagem submersa são precedidas da cravação de camisa metálica por meio de martelo vibratório na maior parte das vezes.
Como limitações, esse tipo de fundação requer um amplo canteiro de obras para equipamentos e tanques de armazenamento de lama e depósito de solo escavado. O nível do lençol freático muito alto ou lençol com artesianismo podem dificultar a execução, principalmente quando em camadas de areias finas e fofas.
Nos últimos anos, a introdução de equipamentos mais modernos e compactos permitiu ampliar o campo de aplicação desse tipo de estaca em substituição a soluções como estacas cravadas pré-moldadas, metálicas e tubulões pneumáticos. O método pode ser usado em qualquer tipo de terreno, para executar estacas inclinadas e para a construção de cortina de contenção com estacas espaçadas ou secantes.
Fontes: apostilas "Fundações", do departamento de engenharia de construção civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) e do departamento de engenharia civil da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPR); "Fundações Teoria e Prática", Waldemir Hachich, Editora PINI; catálogo de empresas executoras; Associação Brasileira de Empresas de Engenharia de Fundações e Geotecnia (Abef); Manual de Estruturas - Fundações, Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP).
Luiz Antonio Naresi Junior
(31) 9230-1333