DIA-A-DIA






O POLÍTICO

 

É pequeno

mui pequeno

mas vem de salto

muito alto.

 

Pena que

quando lhe tiram

o sapato

nada fique dele

senão o perfil

de carrapato.

 

 

 

 

 O PUBLICISTA

 

Este veio de longe

das berças

mas chegou a Lisboa

coisa boa.

 

Mascarou-se  com smoking

fraque, casaca

olhou em redor

com esgares de lorde

e morreu

de morte macaca.

 

 

 


A ROMANCISTA

 

Ergue o nariz

açula o cão diurno

de serviço

(o rafeiro vem só à noite)

bebe, bebe

e deita-se com raiva

e sem viço.

 

Na cama

não medita…

... só vomita.

 

 

 

 

O BANQUEIRO

 

Faz contas

de vez em quando.

 

Acerta-as

de quando em vez.

 

E sai rico à tarde

(lá pelas três)

porque dois e dois

são três.

 

 

 

 

GESTORES

 

Comem peixe grelhado

bebem água mineral

vão «subindo na vida»

sem um ovo estrelado

nem um frito animal.

 

Resta-lhes a vida

sem volta, só ida.


 

 

 

(DES)ENCONTROS

 

Tenham calma.

 

Depois

do corpo

tem de gritar

a alma.

 

Remember!





BÊBEDOS

 

Agora sabemos

tudo, mesmo tudo.

 

E depois? Depois

o quê? A Páscoa

a árvore de Natal?

 

Não, o Entrudo.


 

 

 

OS ADOLESCENTES

 

As pernas estão dormentes

dançámos pela noite fora

somos  os adolescentes.

 

Se mentes, desmentes

se desmentes, mentes.

 

Que alegria a nossa

ó bolorentas mentes!  

 

 

 

 

PEREGRINOS

 

Vamos para longe.

Viajamos sempre

mas dentro de nós

nunca, nunca.

Aí há muita dor

fantasmas, horror.

 

Melhor ir a Compostela

melhor é navegar à vela.

 

 

 

 

YES WOMAN

 

Sim, senhora doutora.

 

Claro que não, ninguém

 come fiambre com pão.

 

Senhora doutora,

quer que lhe diga?

Gostava de trazer

uma faca na liga…


 

 

 

FILHOS

 

Disseste:

Filhos? Que

não fazemos

nós por eles?

 

Respondi-te:

Tudo menos

vergonhas.

 

 

 

 

MÃE

 

Mãe, mãe, que faço agora?

Chora, meu filho, chora.

 

Mãe, mãe, que faço agora?

Ora, meu filho, ora.

 

Mãe, mãe, que faço agora?

Filho, já chega, passa da hora.


 

 


PAI

 

Pai, pai, que faço agora?

Meu filho, estou fora.

 

Pai, pai, que faço agora?

Meu filho, a esta hora?

 

Pai, pai, que faço agora?

Filho, que seca, ora, ora…

 

 

 

 

FAMÍLIAS

 

«Famílias, odeio-vos!»

Odeias o que não tens.

 

Famílias, odeio-vos!

Odeias os nossos bens.

 

Famílias, odeio-vos!

Odeias-nos, mas vens…






TAGARELICE

 

Ela disse

que

eu disse

que

 

Ela disse

que

eu disse

que

 

que

que

que

 

Que

abjecta

conjunção

de comadres!

 





 

 

História Universal

 

 

Os ricos

deram início

ao sorriso

 

Os pobres

que remédio

imitaram-nos

 

Pouco a pouco

os ricos deixaram

de sorrir

 

Então os pobres  

começaram

a rir

 

 

 


 

 

Contra a corrente

 

As mulheres proletárias

exploradas

sempre

 

As mulheres burguesas

exploradas

talvez sim

 

Os homens proletários

explorados

quase sempre

 

Os homens burgueses

explorados

talvez não

 

Um dia

 haverá apenas

pessoas não exploradas

 

Assim seja!






 

 

CARIDADE

 

 

Somos

tão

 generosos

 

Oferecemos

tudo

ou

 quase

tudo

quando

chegamos

mesmo

ao

fundo

da garrafa



 

 

  

LIMITES

 

 

 

O jovem Hegel

o jovem Marx

o jovem Wittgenstein

 

Que

dizer

mais

que

dizer

menos?

 

 

P.S.- Remember. Rimbaud: «La vraie vie est absente.»

 


 


  

A GRANDE DÚVIDA 

 

Terão

ambos

uma saudade

imensa

de amar

 

 

Mas

quando

 onde

com que vida

 sem que vida?






 

ENTRUDO

 

 

Se calhar seria bom

deixar este Entrudo

 

Mas sem Quaresma

 

Deixar a vida

sem mais ida

sem mais partida

sem mais recidiva

 

Deixar

o Entrudo

da vida

e de vez

 sem Quaresma






 

SOBRE DOIS ANJOS

 

 

Eram

dois anjos

abandonados

 

Amaram-se

 

Por instantes

foram dois anjos

acampados

à beira

da eternidade

 


 


 

 

 

 

 

 


 

 

 


 


 

 

 

 

 

 



 









































































































































































































































































































































































































































































































 

 

 


 

 

 

 

TELETRABALHO

 

Doces manhãs

de teletrabalho.

 

Nem mães

nem capitães

só os vais e os vens

do computador

Magalhães.





 

O LITERATO

 

Nunca lhe davam palmas.

Nunca.

 

Nunca a musa lhe sorria.

Nunca.

 

Foi acabar na Academia. 



 





SIMBA 



 

O meu  

cão  

não sabe  

que 

vai 

morrer. 

 

Mas 

não  

é  

um 

cão.  

 

É só  

uma pessoa  

feliz. 









TOLSTOI, 1886

 

 

Ela odiava-o.

Ele escrevia-a.

 

Às turras, às escuras

ambos bem sabiam

do que não falavam.

 

O amor

já então

estava ausente.

 

Ausente

da(s)

mente(s).

 

Tinha esvoaçado

destroçado

como um pássaro

irremediavelmente

estilhaçado.


 



  

 


A  UTOPIA

  


Estudava Bacon

Morus e Campanella.

 

Talvez

porque o seu sonho

fenecera

talvez

porque o seu sonho

morrera.

 

Estudava tanto

Bacon

Morus e Campanella

estudava tanto

mas entretanto

apareceu  Ela.

 

E foi-se a utopia

já não a via

já não a sentia

já não a queria.

 

Foi-se em um mês

foi-se  de vez.  

 

 

 

 

 



DESPEGADOS, MEU GENERAL

 


Andámos, então, a ler-vos.

 

Nós vínhamos pois daqui

deste raminho da beira-mar

tão despegado

e ouvíamos em eco nomes

estrangeiros eiros eiros

Eça eça eça

Hugo Baudelaire Maupassant

coisas e loisas de outros mundos

dos inícios do meio e do fim.

 

Fomos assim. Éramos assim mesmo

despegados ai quão despegados meu general

assim mesmo quão despegados

do mais imaterial cheiro material.

 

Foi então que vieram os tais hunos.

Traziam muitas facas muitos garfos

e milhares milhares de computadores

traziam muitas facas muitos garfos

perversos costumes ridículas dores.

 

Não ficámos por aqui e por ali.

Demos luta, estranha labuta.

Sabíamos que era tudo para perder.

Mas demos luta, ó estranha labuta.

E perdemos quase tudo

quase tudo por tuta e meia.

 

Cá ficámos, cá estamos.

Sem medo nem respeito

pelos hunos grandes vencedores.

Restam as nossas insuportáveis dores.

Essas, sim, agora e sempre, nossas.