Vila de São Jacinto - Entre a Ria e o Mar
Aqui tão perto mas ali tão longe. Entre a serenidade e o desejo de mudança
São Jacinto parece um barco encalhado nas dunas à espera da maré alta para seguir viagem. Mas ali os ciclos da Lua funcionam a outro ritmo, mais lento, mais sereno, bem mais demorado entre o mar e a ria.
Lá estão a praia, a base militar, a reserva natural das dunas e um povo tão peculiar. E uma ponte inexistente que ligue a terra à cidade de Aveiro, situada ali tão perto, mesmo à distância de um olhar mas com uma imensa ria pelo meio. Características que fazem de São Jacinto uma espécie de último reduto da paz.
E de muitos anseios também. Os 50 quilómetros por terra que separam desde sempre a freguesia da sede do concelho, e as regras que protegem desde 1979 a Reserva Natural, carimbaram esse destino condenado ao marasmo e que tarda em ser contornado.
Atravessa-se a freguesia, de uma ponta à outra, em pouco mais de 15 minutos e cumprindo os limites de velocidade do código de estrada. As pessoas, sobretudo de gerações antigas, estendem-se nas esplanadas da marginal, sentam-se nas muralhas que previnem o avanço da ria, lançam o anzol e preparam as redes de pesca tradicional.
Conversa-se muito entre vizinhas à soleira da porta. Os mais jovens pouco se notam durante o dia. Ou estão a estudar fora ou trabalham longe, onde há oportunidades.
A sirene dos Estaleiros Navais vai dando de si de vez em quando, e marca a hora do almoço e do fim do dia de trabalho. Para quem ali o tem. A empresa, praticamente a única sediada em São Jacinto, já deu emprego a muita gente da terra quando havia grandes navios a nascer por ali.
Agora não. Sinal disso é o aumento crescente daqueles homens que se dedicam à pesca tradicional. O regresso às origens piscatórias não se justifica pela saudade dos robalos, das douradas e dos safios que durante décadas alimentaram os filhos da terra.
Pegar na cana de pesca é mesmo uma obrigação para muitos especialistas em soldas, metais e embarcações industriais que não têm mais nada.
Em 1918, e nos anos que se seguiram à instalação da Base Militar, hoje designada por Área Militar, pensou-se na terra que os boinas verdes trariam com eles o desenvolvimento.
Pensou-se bem no início. Muitas infrestruturas foram construídas pelos militares, entre elas a estrada que liga a freguesia à da Torreira e que, ainda hoje, é a única possível entre São Jacinto e o país. Hoje a área, outrora também ela uma fonte de trabalho, já não tem essa importância.
Pouco resta senão a aposta numa ideia, que para já não passa disso mesmo: o turismo. Mas tudo, ou quase tudo o que garanta o cumprimento desse desígnio natural, está por fazer.
Faltam condições de alojamento (inexistentes se não fosse o parque de campismo), boas vias de comunicação (a ponte e a entrada em funcionamento do ferry-boat que faça ligações a Aveiro) e uma divulgação séria e cuidada pelas regiões de turismo.
Diz-se em São Jacinto que o tempo tende a demorar-se naquelas paragens. A escolha entre o desejo de assim continuar a ser e a vontade de experimentar a velocidade dos tempos modernos não se avizinha fácil. No entanto, também se diz, "para haver uma escolha têm de haver, pelo menos, duas opções".
notícia retirada da versão on-line do Jornal Diário "O Aveiro", por Pedro Farias