NA ESTANTE

ENRIQUEÇA SUA ESTANTE COM OUTRAS OBRAS SUGERIDAS.

A mulher que escreveu a Bíblia, de Moacyr Scliar 

Em 1999, o autor despertou certa polêmica com esse pequeno romance, cuja protagonista descobre, por meio da terapia de retorno a vidas passadas, que pertenceu ao harém de setecentas esposas do rei Salomão, há quase três mil anos. Se era rechaçada pela falta de beleza, era admirada, contudo, por uma habilidade que a tornava única: era letrada. Por esse motivo recebeu a incumbência de escrever a história do povo hebreu, matriz da nação judaica, e dos profetas daquela parte do mundo. Dessa forma, tornou-se a primeira autora do Antigo Testamento. Parodiando as escrituras sagradas, Scliar, um judeu bem longe de ser ortodoxo, recorre até a linguagem mais informal e às vezes chula para burilar sua pequena joia de ironia e transgressão.

O menino de areia, de Tahar Ben Jalloun. 

   Quando se discute a teoria psicanalítica de Lacan sobre o amor, muitas vezes o enfoque recai apenas sobre a construção social do arquétipo romântico, marcado por idealizações e projeções de fantasias afetivas sobre o outro; por esse motivo, muitos se esquecem de que o médico e estudioso francês igualmente se ocupou do amor próprio e da autoaceitação, temas sempre relacionados à busca por uma identidade.

   De forma semelhante, o autor franco-marroquino Tahar Ben Jalloun propõe, em O menino de areia, romance lançado em 1985, uma narrativa inspirada na rica tradição oral do povo árabe, cujos contadores de histórias reúnem sua audiência em praças e mercados tumultuados para resgatar e ampliar essa herança cultural, que remonta à fabulação de Sherazade. É o que ocorre desde o primeiro capítulo, no qual vemos uma plateia em volta do primeiro dentre os vários narradores da obra, no centro do “souk” de Marrakech, ou seja, no mercado principal daquela cidade: todos ouvem, atentamente, a triste história de Mohammed Ahmed, o oitavo filho do comerciante Hajji Ahmed, criado para manter a dignidade do sobrenome da família e administrar os seus negócios, como compete aos descendentes do sexo masculino.

   Contudo, não tarda até que o simulacro se revele, porque o jovem Ahmed é, na verdade, a última a ter nascido entre oito irmãs. Envergonhado pela prole inteiramente feminina, o pai decidira que teria um herdeiro homem a qualquer custo, mesmo que essa mentira o obrigasse a lançar mão de artifícios diários, desde vestir a criança como um menino a educá-la para a liderança viril e os privilégios da masculinidade. Todavia, os anos passam, a puberdade impõe-se e surge assim, dentro de Ahmed, um clamor pela libertação. Oscilando entre identidade e alteridade, pertencimento e estranhamento, ruptura e continuidade, educação e natureza, o(a) protagonista confronta-se com o espelho, no qual vê uma mulher: Zahra. Estará ela pronta para existir?

A noite sagrada, de Tahar Ben Jalloun. 

   Publicada dois anos após o lançamento de O menino de areia, esta é a continuação da história de Ahmed, cujo percurso narrativo leva-o a transformar-se em Zahra, a mulher árabe e muçulmana que a mentira arquitetada por seu pai impediu por muitos anos de existir. O romance consagrou definitivamente a carreira literária de Ben Jalloun, a quem foi concedida uma das mais prestigiosas honrarias da literatura em língua francesa, o Prêmio Goncourt.

Floradas na serra, de Dinah Silveira de Queiroz. 

   O surto de tuberculose que assolava o eixo Rio-São Paulo, no início do século passado, levou inúmeras famílias a internarem seus entes queridos em clínicas da Serra da Mantiqueira, especialmente em Campos do Jordão, cenário do romance. É o que acontece com a protagonista recém-saída da adolescência, Elza, conduzida por sua mãe da capital paulista à cidade serrana para tratar-se da moléstia. Inicialmente resistente à ideia de abandonar a família e o noivo na cidade grande, a jovem sofre para adaptar-se ao rigor da casa de dona Sofia, senhora que aluga quartos para moças portadoras do bacilo. Aos poucos, contudo, integra-se à rotina do lugar, onde também estão hospedadas Lucília, Letícia e Belinha. Com as três companheiras de infortúnio, descobre como a palavra “amizade” pode ser tantas vezes ressignificada.

   Entre passeios terapêuticos para renovar os pulmões com o ar puro das montanhas e tratamentos traumatizantes como o pneumotórax, elas ainda encontram tempo para flertar com o mais belo e atraente médico da região, ou com um jovem e talentoso pintor cujas telas são criadas a céu aberto - enquanto não está ele próprio lutando contra a doença, em uma hospedaria para rapazes.

A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz. 

   Para muitos a obra-prima da autora, este romance histórico foi publicado inicialmente em capítulos semanais na revista O Cruzeiro, em 1954, por ocasião dos quatrocentos anos de fundação da cidade de São Paulo. Ambientada na então incipiente vila de São Paulo de Piratininga, em meados do século XVI, a narrativa reúne vários tipos sociais que compõem um painel da era colonial brasileira, desde os indígenas aculturados aos fidalgos proprietários de terras, dos jesuítas catequizadores aos aventureiros desbravadores das matas em busca de riquezas, das mulheres brancas e católicas enviadas de Portugal para casar-se com colonos às prostitutas, para quem o Novo Mundo era uma oportunidade valiosa.

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