Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica
Coordenadora:
MARIANE MARTINS RAPÔSO
Resumo do Produto:
O atual contexto imposto pela pandemia do vírus coronavírus SARS-CoV-2, causador da infecção conhecida como Covid-19, trouxe uma série de mudanças a partir do início de um período de quarentena e, consequentemente, do ensino remoto nas escolas do Brasil. A necessidade de estar em casa trouxe consigo desafios econômicos, sociais e de saúde física e mental. As relações de convivência familiar impostas pela situação geraram uma turbulência de sentimentos, sensações, ações e reações. No caso dos estudantes, para alguns surgiram novas responsabilidades, como o cuidado de casa ou a entrada no mercado de trabalho. O sentimento coletivo derivado dessa situação e seus desdobramentos faz emergir uma série de demandas de saúde mental, como estresse, depressão e ansiedade, gerando vários anseios comuns aos indivíduos. Entretanto, tais demandas do mal-estar social nem sempre são contingenciadas pelos indivíduos. Por outra perspectiva, as vivências e impressões individuais são capazes de criar registros históricos relevantes de um período notável da História contemporânea. Para além do que é gravado pela História oficial, as narrativas pessoais registram detalhes que poderiam passar despercebidos. A memória constitui, dessa forma, a possibilidade de reconstruir eventos e preencher lacunas que porventura venham a existir na narrativa. Ainda, a memória permite ao indivíduo refletir sobre o seu ser e estar no mundo mediante o exercício de alteridade ao conhecer e compreender a existência de outros no decorrer da História. Neste ínterim, surgiu na aula de Artes do Instituto Federal Farroupilha campus Frederico Westphalen do ano letivo 2020 a proposta de registros individuais das vivências dos alunos em meio à pandemia. Essa atividade foi inserida no chamado “Diário de Bordo”, instrumento didático-pedagógico desenvolvido e utilizado pela professora da disciplina. A professora propôs aos alunos, ao fim do primeiro período de aulas remotas, que escrevessem cartas a colegas definidos previamente. Junto com as cartas deveriam ser enviadas fotografias e desenhos que demonstrassem a perspectiva destes sobre suas atividades, seus sentimentos e suas expectativas sobre a pandemia. Os registros obtidos foram os mais diversos, desde os mais sutis e delicados até os mais pragmáticos, que simplesmente cumpriram uma tarefa imposta em um entre tantos componentes curriculares. A partir dos registros, tão singulares, foi possível demarcar a dialética entre a subjetividade dos escreventes, a construção de cada um, com a objetividade de uma tarefa, um exercício de aula. Embora fosse uma construção pessoal, o individual expressava em grande parte os anseios, os desejos e os acontecimentos do coletivo, como se o discurso do singular contasse a História dos tempos agora vividos. Por esta razão, surgiu a ideia de criar um registro físico mais duradouro e de maior alcance, em que as narrativas escritas e visuais produzidas pelos alunos pudessem ser compartilhadas. Também, a criação de um material que reúna esses registros individuais possibilita o estabelecimento de uma linearidade da história a ser contada, que passa a ser mais bem compreendida enquanto parte da História da atualidade. Portanto, delimitou-se como objetivo deste trabalho a criação de um livro que contenha parte dos registros destes alunos, selecionados por servidores do campus ligados às áreas de linguagens e de tecnologia da informação e comunicação, escolhidos a partir do critério de possuir alguma perícia com relação à produção de imagens e textos escritos. Projeta-se o uso de dados do ano letivo 2020 e do primeiro semestre do ano de 2021. O resultado poderá ser distribuído a escolas e bibliotecas da região, além de disponibilizado na biblioteca da própria instituição e de outros campi, e ainda por meios digitais, a fim de estabelecer uma rede pela qual este trabalho se comunique e possa criar algum conforto e sentimentos de cuidado e solidariedade por meio do compartilhamento da experiência do vivido e da narrativa enquanto cuidado de si. A apresentação de tais narrativas pode também levar, por fim, à documentação de hábitos, costumes, práticas e valores dos tempos atuais, servindo como mecanismo de arrolamento e manutenção da cultura dos alunos, de suas famílias e, consequentemente, de parte da sociedade atual.
Palavras-Chave:
Memória, Narrativas de si, Cartas sobre si, Narrativa visual, Pandemia.
Justificativa para execução do produto:
Surgido no fim de 2019, o vírus SARS-CoV-2 se espalhou por todo o planeta durante o primeiro trimestre do ano de 2020, causando a pandemia da infecção conhecida como Covid 19. A ocorrência de uma situação de saúde global, como há muito não acontecia, trouxe consequências não só com relação à saúde física dos indivíduos, mas também no que diz respeito à saúde mental e às relações dentro de cada sociedade. Desta feita, os indivíduos mudaram suas espacialidades1, seus hábitos, suas formas de ação e relação e estabeleceram modificações em suas relações, sejam familiares ou profissionais. As relações presenciais se restringiram e as relações extrafamiliares basearam-se principalmente em relações virtuais (imaginando que tenha sido cumprida a quarentena de forma adequada). Assim, surgem novos contextos, novas obrigações, novas demandas, enfim, surge o cenário de um mundo novo ao qual alunos e professores devem “dar conta”. Embora esse cenário de desafios possa ser promissor para o desenvolvimento de novas habilidades, a realidade que se apresenta desde então pode sufocar cada ente da sociedade. Jornada tripla de trabalho, cuidado com os filhos, ausência de separação do espaço íntimo e de trabalho, novas tarefas, necessidade de novos aprendizados se tornaram demandas deste período. Isso se soma às demandas mentais, relacionadas a um mal-estar generalizado, causado por um cenário de acúmulo de mortes, perdas, miséria, descontentamento e desalento. Mas se por um lado surge o desejo de conformação, a ciência nos apresenta maneiras de refletir a respeito dos acontecimentos, sentimentos e sensações que nos cercam. Além das diversas manifestações solidárias e construtivas com relação à sociedade e, especialmente, a parcelas mais carentes da população, passou-se a refletir sobre possibilidades e contribuições de ferramentas que possibilitem o cuidado de si e a reflexão sobre o que se vive no momento. Neste sentido, a partir de estudos desenvolvidos desde a sua graduação, a professora de Artes do Instituto Federal Farroupilha campus Frederico Westphalen (IFFar-FW) propôs atividades que possibilitassem a organização de estratégias de organização das experiências através do ato de registrar suas vivências de forma artística. A partir da proposta concebida por professora a partir dos trabalhos e dos apontamentos dos estudantes, construímos relatos escritos e narrativas visuais das vivências dos alunos posteriores ao período de distanciamento social. Assim, após um período inicial de propostas reflexivas de significantes relacionados à Arte, solicitou-se aos alunos a escrita de cartas aos colegas, em duplas ou trios pré-estabelecidos através de escolha randomizada. Além das cartas, cada aluno deveria escrever narrativas visuais na forma de desenhos e fotografias. Cada escrita dos alunos constitui um relato de suas visões deste tempo que vivemos. As construções de narrativas contam a história deste período. Elas apresentam a possibilidade de um registro da memória individual da época vivida. Mas elas também ultrapassam o individual, uma vez que ecoam experiências, vivências, concepções e acontecimentos que influenciem o coletivo. Isso porque os registros, embora estejam contando a experiência de uma pessoa, contém o registro de hábitos e costumes, de práticas e da cultura como um todo ao longo da pandemia. Deste modo, os registros pessoais se tornam também registros históricos e sociológicos. As narrativas constituem também um exercício de cuidado de si. Ora, já foram destacadas as demandas de ordem mental e social que emergiram com a pandemia. Desta feita, surge a necessidade de ordenar os sentimentos e as estruturas de organização pessoal a fim de criar mecanismos de superação das questões surgidas no período. De acordo com FOUCAULT (2012, p.149-150) (...) ao se escrever, se lê o que se escrever, do mesmo modo que, ao dizer alguma coisa, se ouve o que se diz. A carta que se envia age, por meio do próprio gesto da escrita, sobre aquele que a envia, assim como, pela leitura e releitura, ela age sobre aquele que a recebe. O exercício da escrita de si, desta maneira, ultrapassa uma prática de desabafo. Ele se torna registro histórico, e cuidado de si e construção de alternativas de organização pessoal. Também atua como exercício de alteridade, uma vez que a leitura de seus escritos e dos escritos dos colegas possibilita a compreensão das situações vividas. Deste modo, também entram em manutenção o exercício de solidariedade e de pertencimento: vendo o outro, compreendo o que ele vive e passa, e também me sinto parte de um grupo, alguém que não está isolado, sozinho, em tempos de comoção e inquietação social. Os registros que surgiram nas aulas de Artes de 2020 foram bastante profícuos. Trouxeram uma riqueza de detalhes e de estruturas narrativas, tanto das visuais como das escritas, assim como dos fatos ditos e dos ocultos – aquilo que não foi feito, não foi dito, ou foi feito de maneira mais simplória, mas que nesta maneira de fazer também conta uma história. Uma vez que foram coletados registros de grande riqueza, refletiu-se sobre a possibilidade de criar registros que perdurassem no tempo, que mantivessem essas memórias salvas e disponíveis para futuras gerações. Por isso, criou-se o projeto de escrita de um livro a partir dos trabalhos realizados pelos alunos no componente curricular em questão. A experiência do indivíduo, então, se expande e demonstra ao outro formas de ser e agir possíveis. Como afirma Larrosa, Se a experiência de si é histórica e culturalmente contingente, é também algo que deve ser transmitido e ser aprendido. Toda cultura deve transmitir um certo repertório de modos de experiência de si, e todo novo membro de uma cultura deve aprender a ser pessoa em alguma das modalidades incluídas nesse repertório (LARROSA, 2011, p. 45). Além disso, tal prática propõe-se a refletir sobre as características estéticas da existência. De acordo com Krutzen, “estetizar o sujeito, nesse sentido, envolve a busca por uma harmonia entre os vários domínios, tanto retirando a ética do registro do ‘bem’ quanto deslocando a estética do domínio do ‘belo’”. (KRUTZEN, 2011, p. 129-130). Tais registros transpassam a escrita, e incluem outras formas diversas de expressão poética e estética. Isso porque A formação intelectual não era mais apenas a aquisição de uma cultura científica relativa a um conjunto de disciplinas e a sua história, mas mais fundamentalmente a tomada de consciência de um conjunto de pontos de vista possíveis sobre si mesmo e seu meio, a atenção voltada para os pressupostos construtivos da epistemologia do aprendente, a integração consciente do processo consciencial às práticas, a capacidade de verbalização das experiências, o poder-comunicar com terceiros, a capacidade de identificação e de diferenciação com as teorizações e experimentações de outrem, a capacidade de atribuição de sentido às ações empreendidas (JOSSO, 2010, p.31). Por isso, a proposta solicitou outras formas de expressão presentes no cotidiano dos adolescentes que foram público-alvo desta ação. Foram escolhidos o desenho, por ser uma representação que necessita do registro a próprio punho, e de fotografias, que fazem parte do cotidiano de adolescente por conta do desenvolvimento e do acesso a dispositivos eletrônicos que possuem a capacidade de realizar tais registros. Esses registros, além de fixar fatos, ultrapassa a realidade dos fatos, se sujeitando à interferência subjetiva do autor (OLIVEIRA, OLIVEIRA e FABRÍCIO, 2004). Desta feita, a proposta de criação de um livro com os trabalhos dos alunos permite o registro das atividades de sala de aula, como também o registro de um período de nossa história recente e mecanismos para a compreensão dos mesmos por gerações futuras.
Objetivos Gerais:
- Produzir um livro a partir dos registros de alunos sobre o seu cotidiano no decorrer da pandemia de Covid-19 criados para a aula de Artes do Instituto Federal Farroupilha campus Frederico Westphalen no ano letivo 2020 e no primeiro semestre do ano letivo 2021; - Registrar as memórias de alunos de cursos técnicos integrados do Instituto Federal Farroupilha campus Frederico Westphalen acerca de suas impressões, experiências e vivências no decorrer da pandemia Covid-19; - Exercitar as narrativas visual e escrita enquanto cuidado de si, na medida em que elas permitam organizar e refletir sobre suas práticas e experiências ao longo da pandemia, compreendendo assim também os objetivos II e III do artigo 33 do Regulamento de Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha; - Elencar as formas de ser e estar no mundo como representações da cultura do mundo em que os indivíduos participantes da produção estão circunscritos; - Difundir a produção dos alunos entre a comunidade ao redor do Instituto Federal Farroupilha campus Frederico Westphalen, por meio da divulgação entre escolas municipais e estaduais da cidade, assim como da biblioteca municipal, atingindo o objetivo; - Atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, especificamente com relação aos itens 4.1 e 8.6, no sentido de auxiliar na permanência dos alunos pela reflexão sobre si; 4.7, no sentido do desenvolvimento de conhecimentos e habilidades para o desenvolvimento sustentável nos termos ali postos; e 11.4, no sentido de fortalecer esforços e salvaguardar o patrimônio cultural e natural do mundo.
Resultados Esperados:
Organização e Impressão do Livro; Contato e estabelecimento de parcerias com as escolas da cidade e da região; Registro histórico e cultural do atual contexto vivido.