Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica
Como primeira categoria, sugere-se a interação dialógica, como categoria capaz de romper com o fazer extensionista ofertista e propagandista, no intuito de construção de um cenário construtivo na proposição de reais possibilidades de curricularização da extensão e da formação integral dos alunos. Conforme o PDI 2019-2026, o conceito de interação dialógica dentro dos objetivos e diretrizes da extensão do IFFar, é definido como princípio e está exposto da seguinte maneira:
"Este princípio orienta o desenvolvimento de relações entre a instituição de Educação e os setores sociais, marcadas pelo diálogo e pela troca de saberes em uma ação de reciprocidade. A ação tradicional de estender à sociedade o saber acumulado na Academia se completa enquanto interação dialógica, quando se consideram os saberes construídos na prática cotidiana, no fazer profissional e na vivência comunitária."
IFFar, 2019, p.63
Em alguns projetos propostos no IFFar Campus FW para o exercício 2020 pode-se perceber um alto grau de preocupação em conhecer previamente a realidade onde serão executadas as ações, caracterizando um processo de relação dialógica com a realidade complexa das comunidades e possibilitando, desta forma, conhecer e interagir para superar a ideia de extensão assistencialista para um processo de construção comunicativa da extensão (FREIRE, 2013), mostrando existentes pressupostos de conhecimento prévio da realidade, não só local como regional, e estabelecendo parcerias com órgãos e instituições.
A ação coletiva para e o envolvimento de todos os sujeitos, desde a problematização das ações, até sua execução, avaliação, reflexão e novas problematizações, compõem um escopo de possibilidades de interação dialógica (FREIRE, 2013) contínua e real, quebrando a ideologia do uso de espaços (escolas conveniadas) e sujeitos (voluntários) como objetos na transposição de conhecimentos e na imposição de propaganda, formando através destas relações um conjunto para unir forças não no intuito de se fazer algo mecânico, pensado e ofertado por um único sujeito ou instituição, mas no sentido literal do se fazer juntos e coletivamente, com diferentes visões e contribuições.
A partir das entrevistas, pode-se perceber que há a intencionalidade de dialogar com a comunidade, de criar um ambiente de problematização, de conhecer esta realidade e estes sujeitos, em que que os saberes, tanto técnicos, quanto populares, se encontram numa posição de horizontalidade.
Esta intencionalidade do diálogo pode ser percebida na fala em que a/o aluna/aluno consegue vivenciar a relação entre as técnicas, teorias e práticas apreendidas com com a comunidade através do diálogo, numa posição defendida por Gadotti (2017) de extensão como comunicação de saberes, ou ainda, como uma extensão não assistencialista, não extensionista de extensão universitária.
Outro ponto de destaque que possibilita uma maior aproximação e dialogicidade é, pelo fato de estarmos situado em uma região interiorana e geograficamente não muito extensa, a facilidade de contato com a comunidade externa, tendo como premissa uma maior articulação na busca de desenvolvimento de arranjos produtivos locais, no que Pacheco define como sendo um dos objetivos dos institutos federais.
Há, ainda, a preocupação em propor projetos que tenham características de um processo de mão dupla, em que ocorram trocas e a participação da comunidade. Nesse sentido a fala de Gadotti (2017, p.2) afirma ser a “troca de saberes acadêmico e popular que tem por consequência não só a democratização do conhecimento acadêmico, mas, igualmente, uma produção científica, tecnológica e cultural enraizada na realidade”.
Outro aspecto presente é a importância da relação da execução de projetos com temáticas que façam parte da vivência das/dos alunas/alunos, em consonância com as palavras de Freire (1987, p.50), que afirma: “o que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo”.
No entanto, é possível analisar, através das falas, que essas práticas extensionistas, embora planejadas e pensadas para uma ação dialógica, ainda sofrem "contaminações" de uma prática de cunho ofertista e transmissível, tais como é possível verificar em afirmativas que indicam um movimento da extensão como algo de dentro da instituição para fora, ou de solução de problemas a partir de conhecimentos técnicos e ou, ainda, de contribuição, levando o que se produz internamente para outros espaços, em um ato, no entendimento de Freire (2013, p.16), antidialógico, mecanicista, onde fica explícita a “a ação de levar, de transferir, de entregar, de depositar algo em alguém”, numa concepção tradicional de extensão considerada de mão única, no entendimento de Serrano (2013, p.8) “de uma Universidade que sabe para uma comunidade que não sabe.”
Também se verifica quando se relata de que maneira alguns projetos são desenvolvidos a partir da visão da/do extensionista, ocorrendo aproximações com um movimento conceituado por Freire (2013, p.32) de invasão cultural, onde o sujeito invade e “seu espaço histórico-cultural, que lhe dá sua visão de mundo, é o espaço de onde ele parte para penetrar outro espaço histórico-cultural, superpondo aos indivíduos deste seu sistema de valores”.
Ainda, quando se defende uma prática extensionista ofertista a partir de experiências anteriores e de sua formação inicial em que defende a prática de prestação de serviços como ato extensionista e, se reafirma esta prática a partir do que se desenvolve hoje, aproximando-se do que Gadotti define como uma visão mercantil e bancária de universidade:
"Existe, desde sempre, uma tensão entre concepções opostas de universidade e de currículo, uma realçando mais o caráter da universidade como prestadora de serviços ou de certificação para o trabalho e outra voltada mais para a educação como um bem público. A primeira voltada mais para o mercado e a segunda voltada mais para a cidadania. Pode-se dizer que temos duas visões de mundo opostas da universidade: uma visão mercantil e uma visão pública, uma visão “bancária” e uma visão problematizadora, emancipatória. A primeira realça apenas os aspectos da formação profissional e científica sem discutir aspectos significativos da atividade do profissional no mundo do trabalho e da cultura. A segunda busca associar essa formação para o mundo do trabalho com uma formação cidadã mais ampla, uma formação geral."
Gadotti, 2017, p.11
Com isso, num processo de extensão dialógico e libertário é importante salientar a mobilidade do extensionista, que aprende e se modifica no decorrer do processo, um diálogo entre os diferentes, uns ajudando os outros a aprenderem. Obviamente que o extensionista com um conhecimento mais aprofundado, mas que não tem a “salvação” e sim se coloca como problematizador, mediador, colaborador para construir coletivamente as tecnologias sociais.
Considerando diferentes espaços e sujeitos e uma contínua interação de diálogos e construções, há que se levar, também, em consideração, as diferentes características que compõem estes sujeitos e espaços, tais como veremos na categoria seguinte uma miscelânea de disciplinas e profissionalidades presentes neste processo.
...buscamos dialogar neste texto sobre o conceito de interação dialógica e a proposição e execução de projetos de extensão a partir da problematização de diferentes saberes sob a ótica de distintas visões de mundo, do reconhecimento e troca destes saberes de forma horizontal e posição destes sujeitos como sujeito histórico, cultural e social.
Como o processo de dialogicidade sistematizado e contínuo pode contribuir para a problematização de temas relevantes para a proposição e efetivação das atividades extensionistas?
DAGNINO, Renato (org). Estudos sociais da ciência e tecnologia e política de ciência e tecnologia: abordagens alternativas para uma nova América Latina - Campina Grande: EDUEPB, 2010. 315 p
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? [recurso eletrônico]; tradução Rosiska Darcy de Oliveira. - [1. ed.] - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
GADOTTI, Moacir. Extensão universitária: para quê?. Instituto Paulo Freire, São Paulo - SP, 15 fev. 2017. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/noticias/557-extensao-universitaria-para-que>. Acesso em: 13 ago 2020.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FARROUPILHA - IFFAR. Plano de Desenvolvimento Institucional do Instituto Federal Farroupilha 2019-2026. Santa Maria - RS, 2019. Disponível em <https://www.iffarroupilha.edu.br/documentos-do-pdi/item/13876-pdi-2019-2026> Acesso em: 17 nov 2019.
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