Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica
A extensão teve diversas concepções ao longo da história, relacionando-se aos contextos e sujeitos de cada tempo e espaço. No entanto, segundo Gadotti (2017, p.2), na prática existem duas vertentes: uma mais assistencialista “que entende a Extensão Universitária como a transmissão vertical do conhecimento, um serviço assistencial, desconhecendo a cultura e o saber popular” e outra não extensionista que “entende a extensão como comunicação de saberes”.
Esta segunda vertente, proposta a partir dos questionamentos e estudos de Paulo Freire, tendo como referencial o livro “Extensão ou Comunicação?” e traz a problematização sobre o termo extensão, propondo sua substituição pelo termo comunicação.
Freire (2013) questiona através da semântica do termo extensão o ato de estender algo (conhecimentos e técnicas) para alguém (camponeses) e não diretamente sobre o fenômeno (erosão de solo por exemplo), dando sentido ao ato extensionista.
Pois para Freire (2013), por um campo associativo ao termo extensão, é possível interpretar uma posição de transmissão de conhecimento, onde o sujeito que concentra o conteúdo, visto como único sujeito ativo no ato, deposita este conhecimento, transformando quem recebe em mero recipiente, objetificando-o. O que Freire denomina de “educação bancária”. Há, portanto, um certo messianismo, criando uma relação de superioridade do entregador ao receptor, de maneira mecanicista e invasora.
Ainda, para Freire (2013), se por outro lado fazer-se uma linha associativa do termo extensão ao fazer educativo, na prática ainda não pode ser vista como um quefazer educativo libertador. A extensão como prática técnica carrega implicitamente a ideia de persuasão dos sujeitos inseridos no meio a fim de aceitarem a propaganda, caracterizando-os como objetos que necessitam substituir os conhecimentos existentes pelos conhecimentos técnicos trazidos pelo sujeito ativo e transmissor. Desta forma, o termo extensão, mesmo que numa linha associativa a extensão educativa, estaria negando o direito educativo libertador do técnico de ser educador-educando e do camponês de ser educando-educador, ocasionando a possibilidade, desta forma, da substituição do termo extensão pelo termo comunicação, recusando-se, desta forma, a domesticação do homem.
De cunho gnosiológico, Freire (2013) traz uma reflexão sobre o termo extensão em que evidencia o ato de que estender-se é a ação, tornando o conhecimento em algo estático, e quem sofre esta ação configura-se como mero espectador, que recebe passivamente o conhecimento, objetificando-o e negando-o não só o direito de ser sujeito, como também negando o verdadeiro sentido de conhecimento, visto que conhecer esta inerente a ação de sujeitos e não objetos e, somente estes, podem realmente conhecer, aprender e ensinar.
Conforme Freire (2013), somente através da práxis de ação e reflexão que este sujeito pode, através do trabalho, impingir suas ações a fim de transformar este mundo que o cerca e a simples transmissão de conhecimentos técnicos, através de ações extensionistas, não o farão conscientizar-se criticamente sobre esta realidade e sim, ocasionará uma invasão cultural, podendo ser aceitas ou negadas, parciais ou totalmente, ou ainda vistas de maneira mágica e não científica.
Segundo Freire (2013), não há transmissão de conhecimento através de uma narrativa simples de quem sabe para quem não sabe, já que o próprio saber é relativo e não absoluto. O conhecimento deve ser problematizado através do diálogo, oportunizando a reflexão crítica a partir do mundo que conhece para o conhecimento técnico, acadêmico, independentemente do conteúdo a ser problematizado. Tudo pode ser problematizado, inclusive os próprios conhecimentos científicos surgem da problematização sistematizada, rigorosa e crítica.
Para Freire (2013) então não há neutralidade no técnico que age como extensionista, pois o mesmo deve inserir-se com o sujeito com quem dialoga e problematiza no processo de transformação, conscientizando-os e conscientizando-se ao mesmo tempo, visto que o processo de tomada de consciência não é individualista, dando-se na relação sujeito/sujeito e sujeito/realidade ou homem/mundo.
A partir da problematização entre as diferentes visões de mundo e de um prévio conhecimento, que darão origem a temas, denominados por Freire de “temas geradores”, que serão organizados como conteúdo programático, que em um processo contínuo de dialogicidade, gerarão novos temas e novos conteúdos.
A investigação temática, com base na dialogicidade e participação social, defendidas por Freire, oportuniza a formação de sujeitos capazes de uma leitura crítica do mundo e, consequentemente, de problematizar e incluir, na pauta de pesquisa, temas relevantes a sua vivência, realidade e necessidades concretas.
Há aqui, segundo Auler (2015, p.278), uma aproximação entre os postulados teóricos de Freire com os do PLACTS, visto que, embora Freire esteja concentrado no campo educacional e não se dedica aprofundar o campo da ciência-tecnologia (CT) e o PLACTS se destina a este último, afastando-se em certo grau do meio educacional, a investigação temática freireana constitui dimensão central, onde “as demandas, os temas, os problemas nela identificados alimentam tanto a concepção de currículos escolares, quanto pesquisas, ainda pontuais, por exemplo, na universidade”.
A defesa de um processo contra-hegemônico, seja no campo do ensino, conforme a concepção Freireana contra a manutenção de um currículo pré-estabelecido, seja no campo da CT, conforme a concepção do PLACTS da não neutralidade da ciência e contra a manutenção de agendas de pesquisas pautadas no hemisfério norte para o hemisfério sul, aproximam tais práxis na luta por uma ruptura no processo hegemônico de concepção e execução, onde quem executa não atua crítica e democraticamente no processo construtivo das demandas que balizam estas concepções e que, naturalmente, visam atender interesses capitais e não de demandas sociais.
Auler (2017, p.291) aponta para a possibilidade de conceber um tema de Ciência e Tecnologia Social (CTS) como “um tema gerador caracterizado como demanda ainda não assumida pela pesquisa em CT, não traduzida em problema de pesquisa não investigado” (p. 292), dando “voz a atores sociais historicamente excluídos, silenciados, transformando demandas pertencentes à América Latina, em problemas de pesquisa”.
Dagnino (2019) corrobora ao postular, através da Tecnociência Solidária, a necessidade de trazer para a agenda de pesquisa temas que possam atender aos desejos e valores da comunidade e conceber conhecimentos tecnocientíficos no intuito de superar o subdesenvolvimento, a dependência, a desigualdade e, consequentemente, a exclusão social.
Ainda, para Dagnino (2010), a extensão pode ser entendida como ponto emblemático para a investigação destes temas, visto que, embora esteja configurada em segundo plano nas instituições educacionais - ficando a mercê da agenda de pesquisa e ensino, que estende a partir do que se produz de conhecimento, com base em interesses externos a realidade que a circunda -, deveria haver uma inversão de prioridades e trazer a extensão para ponto de partida, em um trocadilho de conceitos em que o autor troca extensão pelo termo intenção.
"Intenção no sentido de internalizar a agenda de discussão social como diretriz. Isso quer dizer, buscar desenvolver estas atividades com intenção conhecer os problemas e resolvê-los, mas não através de um enfoque disciplinar e pautado na verdade absoluta. A universidade se orientaria assim por uma prática que buscaria na realidade que a circunda problemas sociais que têm que ser resolvidos com um agregado de conhecimento. Sendo assim, intenção no sentido de ter intenção de fazer algo, mas também no sentido de internalizar – trazer para dentro da universidade – essa agenda de discussão social."
DAGNINO, 2010, p.286
Dagnino (2010, p.285), ainda, faz duras críticas às ações extensionistas, tachando-as, em sua grande maioria, como de “consciência pesada”, em que a “comunidade de pesquisa, marginalmente e no tempo que lhe sobra, estende o que se faz na universidade à sociedade para retribuir o que ela gasta para mantê-la”.
Tal como Freire e Dagnino, Pacheco (2010) ao discutir as bases para a institucionalização dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e ao conceituar e traçar objetivos para tais instituições, traz a prerrogativa da inserção e a problematização a partir da realidade circundante, para através de um processo interativo e dialógico, oportunizar e potencializar ações de geração de conhecimento e de uma formação humana.
A extensão nesta concepção de dialogar, transitar intertrans profissionalmente e interdisciplinarmente e colocar-se como um princípio educativo e de aproximação, interação e transformação da realidade, remete a formação de um sujeito cidadão, integral e humano, e instiga a refletir sobre que tipo de formação é a formação integral e como ela pode ser considerada na rede EPT.
...buscamos dialogar neste texto sobre a concepção "comunicativa" a partir de Paulo Freire, em que a extensão se coloca como um movimento horizontal de troca entre os diferentes saberes, respeitando as diferenças visões de mundo, tecendo ainda, algumas aproximações com o PLACTS e as percepções de Renato Dagnino para o fazer extensionista como meio de transformação e inclusão social.
Como sua instituição dialoga com as organizações não-governamentais, de economia solidária e de movimentos sociais para a problematização de temas para a proposição de projetos de pesquisa, ensino e extensão?
DAGNINO, Renato (org). Estudos sociais da ciência e tecnologia e política de ciência e tecnologia: abordagens alternativas para uma nova América Latina - Campina Grande: EDUEPB, 2010. 315 p
DAGNINO, Renato. Tecnociência solidária: um manual estratégico - Marília: Lutas Anticapital, 2019. 161 p
DALMOLIN, Antonio Marcos Teixeira. UNIPAMPA Campus Alegrete: Extensão Universitária e Articulação Universidade-Comunidade. Dissertação ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, 2014, 124 p
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? [recurso eletrônico]; tradução Rosiska Darcy de Oliveira. - [1. ed.] - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
GADOTTI, Moacir. Extensão universitária: para quê?. Instituto Paulo Freire, São Paulo - SP, 15 fev. 2017. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/noticias/557-extensao-universitaria-para-que>. Acesso em: 13 ago 2020.
PACHECO, Eliezer. Os Institutos Federais: uma revolução na educação profissional e tecnológica. Brasília - DF: MEC/SETEC, 2010.