Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica
As bases do processo de curricularização da extensão, tanto a nível institucional, conforme demanda os documentos formais do IFFar, quanto a nível legal, conforme prevê o PNE e as resoluções posteriores, bem como no plano histórico da construção de extensão no Brasil, apontam para o sentido de um movimento de curricularização de uma extensão voltada para princípios que visam a formação alicerçadas em conceitos e práticas de dialogicidade, interdisciplinaridade, indissociabilidade, inovações e tecnologias sociais, tendo como pano de fundo a formação humana desse sujeito e, consequentemente, a transformação social da sua realidade.
No entanto, pode-se apontar que existe uma dicotomia entre a extensão proposta no processo teórico desta curricularização com a extensão praticada, pelo fato de que a primeira traz bases conceituais que se alinham as bases conceituais de currículo integrado e formação integral, enquanto que a segunda ainda apresenta fortes indícios de uma prática extensionista voltada para o interesse do mercado, da formação estritamente técnica, da prestação de serviços e da transposição do conhecimento hegemônico para realidades, com vistas de apenas conformar e não confrontar e problematizar este sistema.
A falta de uma formação voltada para a extensão pode ser considerada como um dos principais fatores que explicitam e, em certo grau, justificam esta dicotomia. O sujeito extensionista, em via de regra, se forma na interação com a comunidade, seja como aluno de graduação, quando se oportuniza a participação em projetos, seja como docente ou técnico administrativo, quando se propõe, num movimento voluntário, a propor novos projetos ou participar de projetos já propostos por algum de seus pares.
A extensão proposta nos documentos formais do IFFar traz claramente uma proposta de execução de atividades extensionistas que se distanciem, cada vez mais, de ações extensionistas de caráter de prestadora de serviços e que se voltem para atividades extensionistas sob dois pontos primordiais - o primeiro, voltado para uma extensão como atividade educativa e o segundo como atividade de desenvolvimento social -, que se entrelaçam e formam um só objetivo: o da formação humana, integral, de um sujeito e não objeto histórico, libertário e não domesticado.
"Em relação ao desenvolvimento, explicitam-se a rejeição aos modelos tradicionais, excludentes e não sustentáveis social e ambientalmente, que envolvem concentração de renda e submissão à divisão internacional do trabalho; a dilapidação da força de trabalho e das riquezas naturais; e a competição, promoção do individualismo e destruição dos valores das culturas populares."
PACHECO, 2012, p.56 - 57
Segundo Auler (2015, p.277-278), tais pontos articulam-se a partir de duas práxis com bases comuns e complementares, que forma um elo de ligação entre as postulações de Freire, voltadas para uma educação problematizadora, não bancária, e as postulações do PLACTS, que questionam o modelo de desenvolvimento científico-tecnológico. Estes postulados “constituem pressupostos comuns, visto que em ambos postula-se a superação da separação entre concepção e execução”, onde na concepção de Freire, voltada para a educação, “alguns concebem o currículo, outros o executam” e para o PLACTS, voltada para a ciência e tecnologia, executa-se na América Latina “uma agenda de pesquisa concebida no Hemisfério Norte” e complementares “porque, se, de um lado, Freire trabalha dimensões bastante inéditas, no campo educacional, não se dedica a aprofundar o campo da ciência-tecnologia - campo que constitui o foco do PLACTS que, por outro lado, está um tanto afastado do campo educacional”.
Outro aspecto, que influencia diretamente e, consequentemente, justifica esta dicotomia exposta anteriormente, é a necessidade de formação sobre o currículo integrado e a própria formação integral, uma vez que os institutos federais, ainda que tenham como base estes conceitos, estão materializando-os e consolidando-os no decorrer da sua própria consolidação enquanto instituição. Os IFs são instituições relativamente novas no cenário educacional e os sujeitos que as compõem são oriundos, em sua grande maioria, de uma formação universitária, com tendência a replicar modelos vivenciados em sua formação.
Os IFs têm em sua concepção uma educação pautada em um currículo integrado, mas na prática essa concepção está ainda se materializando, permitindo, deste modo, através de suas próprias experiências, avançar e (re)discutir constante e continuamente seus conceitos, metodologias e práticas. Surge aí um cenário propício para uma maior e eficaz aproximação entre os professores não só do mesmo curso, mas também a nível de campus, instituição e até mesmo na rede de educação profissional e tecnológica. A troca de experiências e saberes através de programas de formação continuada sobre currículo integrado tende a ser a força motriz da concretização deste processo, tendo como norte, nas palavras de Ramos, o primeiro sentido desta integração: a formação omnilateral.
"O primeiro sentido que atribuímos à integração é filosófico. Ele expressa uma concepção de formação humana, com base na integração de todas as dimensões da vida no processo formativo. O primeiro sentido da integração ainda não considera a forma ou se a formação é geral ou profissionalizante. O primeiro sentido da integração pode orientar tanto a educação básica quanto a educação superior. A integração, no primeiro sentido, possibilita formação omnilateral dos sujeitos, pois implica a integração das dimensões fundamentais da vida que estruturam a prática social. Essas dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao respectivo modo de produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório avanço produtivo; e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade."
RAMOS, 2008, p.3
Ainda, sob a perspectiva de necessidade de formação para a implementação de uma curricularização em que a extensão esteja alinhada com os preceitos de formação que a instituição objetiva, é necessário um processo formativo sobre esse próprio movimento, sobre o que é este processo de curricularização e como ele se concretizará na prática, tanto a nível de ensino superior, quanto a nível de ensino profissional e tecnológico, visto que esta é uma das grandes especificidades dos IFs a nível de implementação desta política educacional.
A implementação da curricularização da extensão tem como ponto de partida a sua obrigatoriedade, imposta por meio de dispositivos legais, mas sua discussão antecede tais dispositivos e deve ser encarada como uma conquista real de um processo que visa a democratização de uma educação popular, inclusiva e de qualidade. O (re)pensar o papel da extensão e o próprio papel enquanto instituição, através de momentos formativos e continuados, são essenciais para a concretização de um processo de curricularização.
"É preciso uma mudança de concepção institucional envolvendo todo o corpo acadêmico. A obrigatoriedade da curricularização pode estar imposta por documentos, mas não ser entendida como essencial no processo de formação. Se não for entendida como processo formativo, as atividades de extensão podem não ser realizadas com a intensidade necessária e, quiçá, nem mesmo ser cumpridas. É importante que sejam discutidos entre os pares das instituições a concepção, o sentido e a construção da extensão universitária mediante a legalização, para se pensar em como expressá-la no currículo e realizá-la de forma qualitativa, que beneficie a formação do acadêmico e a sociedade."
SILVA e KOCHHANN, 2018, p.710
...buscamos dialogar neste texto sobre a necessidade e importância de formação contínua sobre extensão, currículo integrado, formação humana e curricularização da extensão para a efetiva concretização e materialização destes conceitos.
Que movimentos formativos você tem se permitido participar? Qual seu grau de envolvimento com as políticas de formação sobre estes conceitos?
CAMBRAIA, A. C. ; ZANON, L. B. Formação docente: recriação da prática curricular no ensino superior. Curitiba; Appris, 2019.
GADOTTI, Moacir. Extensão universitária: para quê?. Instituto Paulo Freire, São Paulo - SP, 15 fev. 2017. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/noticias/557-extensao-universitaria-para-que>. Acesso em: 13 ago 2020.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FARROUPILHA - IFFAR. Plano de Desenvolvimento Institucional do Instituto Federal Farroupilha 2019-2026. Santa Maria - RS, 2019. Disponível em <https://www.iffarroupilha.edu.br/documentos-do-pdi/item/13876-pdi-2019-2026> Acesso em: 17 nov 2019.
SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
SCHOR, I.; FREIRE, P. Medo e Ousadia - o cotidiano do professor. Traduzido por: Adriana Lopez. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
SERRANO, R. M. S. M. Conceitos de extensão universitária: um diálogo com Paulo Freire. Grupo de Pesquisa em Extensão Popular, v. 13, n. 8, 2013.