Textos paradidáticos


Trabalho escolar

HISTÓRIA 3º ANO (texto paradidático) (somente o texto) as imagens estão no texto-documento


WILLIAM FONSECA FREIRE

POLÍTICA DE COLONIZAÇÃO (AGRICULTURA E MIGRAÇÃO NA ZONA BRAGANTINA)

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Fonte: Ernesto Cruz, SPVEA (1955) - Representação das áreas formadas ao longo da antiga Estrada de Ferro que ligava Belém ao município de Bragança. O incentivo a agricultura nessas áreas foram um dos principais pilares nessa região da Amazônia.












A partir do mapa da extinta estação ferroviária você consegue identificar os nomes das paradas do trem? eles são familiares?

levante hipóteses para explicar qual seria as função de ramais próximo da estrada principal?

Como seria a vida dos moradores nessa época? quais suas atividades produtivas? formas de lazer? manifestações culturais?

1-A rua e a colônia: é muito comum ouvir na nossa região a utilização das expressões rua e colônia para demarcar dois espaços sociais que longe de serem excludentes são representações simbólicas de área rural e urbana. O município de Nova Timboteua por exemplo é formado por essas duas dimensões geográficas: áreas urbanas (centro comercial- administrativo, pequenas vilas) e áreas rurais, desse modo, popularmente o senso comum utiliza a denominação rua para se referir ao primeiro caso e colônia no segundo, em algumas situações de forma preconceituosa, sobre o último demarca-se o viver na cidade como uma suposta superioridade sobre quem vive ou viveu em áreas rurais.

Fonte: autor desconhecido, janeiro de 2016 disponível em: http://www.portalfadesp.org.br/subportal_noticia.asp?id_noticia=26621 . Centro urbano do município de Nova Timboteua - núcleo comercial, político administrativo, e moradias particulares.

Foto: William Freire. novembro de 2018, área rural de nova timboteua na atualidade, pessoas costumam chamar esses lugares de colônia.


Segundo o historiador Durval Muniz Albuquerque Júnior, esse preconceito é uma forma desigual de identificar alguém pelo simples fatos de pertencer ou ser proveniente de um território, lugar, de uma vila, de uma cidade ou outros, resultado de disputas de poder em diferentes campos da vida social que acaba produzindo estereótipos que ao invés de buscar compreender a realidade, os contatos entre grupos diversos acaba generalizando, simplificando e portanto desumanizando o outro, às vezes o próprio vizinho.

Desse modo, vamos apertar os cintos e fazer uma viagem no tempo que talvez nos ajude a compreender melhor essas questões, não é que vamos tirar lições do passado para entender o presente, ou seja, explicar o presente pelo passado, mas tentar investigar as seguinte questão: porque se classificam as áreas rurais de produção agrícola como colônia? nossa parada é uma estação que fica entre o final do século XIX e início do XX, um tempo que também alguns homens e mulheres pensaram suas diferenças de lugar em termos hierárquicos, pois, consideravam que a cidade talvez fosse sinônimo de civilização e progresso, e o campo deveria se subordinar a esse lugar da modernidade, quanto ao lugar é uma parte do território amazônico localizado nas áreas próximas da cidade do Pará, termo como se referiam na época a capital do atual Estado, Belém.

Viajar no tempo? você deve está se perguntando como fazer isso? parece uma brincadeira de criança ou filme de ficção científica… Realmente não podemos voltar ao passado, mas tentamos nos aproximar dele através de um conhecimento produzido pela sociedade, que basicamente faz perguntas como essas a partir das evidências deixadas por homens e mulheres de outros tempos que aparentemente são “coisas antigas” mas fazem parte da nossa vida, estão aqui: algumas guardadas em locais específicos como arquivos e museus por exemplo, e outros dispersos. O historiador desmonta essas peças dando significados para elas, tentando responder suas perguntas.


1.1 - Tempos de transformações

Nas últimas décadas do século XIX o Brasil passou por inúmeras transformações vale destacar os intensos debates sobre o fim da escravidão e a circulação de novas ideias dentre elas as republicanas. Tais movimentos acabam provocando duas mudanças institucionais: o fim da escravidão (1888) e um ano depois a implantação do regime republicano substituindo o estado imperial (1889). As regiões mais ao norte do país não passavam distante desses processos, na referida época por essas lados do país a produção da borracha começa a ganhar destaque na economia internacional, contudo apesar de considerar importante essa atividade para amazônia, vamos falar de uma outra pouco abordada nos livros didáticos, a agricultura e que na época ocupava os debates políticos quando se projetava quais rumos adotariam para garantir um espaço na era do progresso.

Essa arte milenar está diretamente ligada com a formação da mesorregião denominada de Zona Bragantina. O território recebe um maior fluxo de pessoas nas últimas décadas do Império, resultante de uma preocupação por parte dos governantes locais buscando ocupar áreas próximas a capital do Pará, garantir o abastecimento de gêneros alimentícios para cidade de Belém entre outros fatores envolvidos em um processo modernizador iniciada na segunda metade do século XIX que associava civilização, desenvolvimento e progresso, apesar da mudança do regime político, esse incentivo a agricultura se mantém principalmente no discurso das autoridades da época.

Vale ressaltar que essas áreas não eram “desocupadas”, mas existiam outras lógicas de ocupação que o geógrafo Rogério Rêgo Miranda denominou de “rio-várzea-floresta” caracterizado por articulações sociais e culturais de sociedades indígenas, quilombolas e outras vilas formadas ainda no período colonial como a vila Souza do Caeté que se transformou posteriormente no município de Bragança. A partir de meados do século XIX é o início de um outro processo que se estende até por volta de meados do século XX, caracterizado por outra dinâmica sócio-espacial inseridas em um padrão que foi se construindo ao longo do tempo marcado pelo trinômio: cidade-estrada- colônia. Depois dessa breve apresentação vamos observar esse fenômeno por outras lentes, nosso objetivo é que você perceba outros personagens nessa história para além das autoridades ou conceitos mais gerais que às vezes ocultam outros sujeitos nessa narrativa.

1.2 - Memórias de colonos

Dona Maria Leonilce Saraiva nasceu em Nova Timboteua no ano de 1934, na época uma pequena vila agrícola pertencente ao município de Igarapé-Açú, seus pais eram cearenses que migraram nas primeiras décadas do século XX para o Amazonas e com a crise da borracha, se deslocaram para o Pará vivendo como lavradores nas regiões da Zona Bragantina. Ela utilizou a memória para construir essas representações das lembranças de sua família por causa de uma pesquisa histórica, desse modo ela afirma:

“Quando eles saíram do Ceará foram para o Amazonas trabalhar em seringal de lá eles vieram embora pra cá, pra cá começaram a trabalhar em lavoura. Quando eu nasci e me criei o papai trabalhava na roça. Sabe aquele Igarapé que o pessoal chamo de Luís Leandro, aquele terreno do outro lado de lá era do papai, a gente tomava banho naquele igarapé ali” (entrevista realizada em 18/02/ 2008). Fonte: FREIRE, William Fonseca. No tempo do pimental: as mãos que produziram o ouro preto timboteuense. monografia. Bragança - PA: UFPA, 2008)

Vale notar que essas experiências familiares foram sendo reconstruídas pela memória da depoente, que em um dado momento relata também o que seus pais contaram para ela talvez repetidas vezes, em momentos diversos no trabalho, no lazer, transmitida oralmente por meio de narrativas ou em versos, pois, segundo ela seu pai gostava de contar as coisas do Amazonas em forma de versos que denotavam aspectos da vida dele enquanto seringueiro e relembrava para os familiares lugares, animais e outras situações enfrentadas na vida ribeirinha. Vejamos:

“Ela (mãe) contava tudim, ela morava no barracão, no tempo em que ela era solteira, aí depois que ela casou eles tinha a casinha deles. Casa assim na beira do rio, tudo alto e baixo, passava uma casa assim, era duas, três horas de viagem, sei que era longe as casas um do outro, morava na beira do rio, tinha vez que a cobra estremecia e fazia aquela zuada dentro de casa, ela ia ver assim a cobra tava subindo e descendo o lombo dela no rio. O papai tinha até o verso do Amazonas, o papai cantava eu me alembro que falava dos pássaros, falava dos peixes, me alembro bem que que quando era pequena ele cantava, sei que ele falava o nome dos peixes ‘tudim’ quando eu era menina eu até cantava… dos lugares”. (Fonte: idem. ibidem).

Essas narrativas eram contadas em um outro contexto da família que passava para a condição de colonos, sua memória também capta representações do trabalho familiar nesse contexto centrados na figura do pai o provedor que lida com a terra e da mãe que cuida dos animais, mas percebemos em outros momentos que se tratava de uma produção familiar que contava com a participação de todos os membros para garantir a sobrevivência e a reprodução material e simbólica desses sujeitos históricos: “Papai plantava roça, pai plantava milho, arroz, feijão, cana tinha um canavial enorme, papai não comprava açúcar, feijão, arroz, farinha. Carne era difícil, só quando mamãe queria comer um pirão escaldado de carne de gado, mamãe criava peru, pato, porco tudo ela criava (...)”

A depoente ainda cita em seu relato outros hábitos alimentares da família associando-os ao fato de seus pais manterem algumas tradições do seu lugar de “origem”:

“Papai matava porco assim novinho, porque porco novo é bem gostosinho, aí mamãe que matava, o papai trabalhava com cana mas tinha um cara que tinha um engenho, ai ele pedia para fazer rapadura, ai ele passava uma semana trabalhando pra lá, aí era a mamãe que matava e assava de forno (...) quando ela acabava aquilo ali, ela ia fazer uma cuscuz que cearense gosta de um cuscuz, aí ela fazia cuscuz pra comer com carne de porco”

A fonte nos permite evidenciar, além de aspectos da oralidade outros relacionadas à forma como a depoente reproduz na memória uma forma de produzir muito comum nas áreas da região amazônica: a diversificação produtiva como uma estratégia para garantir o sustento da família, esse modo de produção denominado de agricultura de subsistência talvez esses relatos sejam semelhantes as memórias contadas por outras famílias, inclusive a sua… Vamos recuar no tempo e retornar o nosso ponto de partida.

1.3 - Zona bragantina um celeiro agrícola na Amazônia: Nova Timboteua

Nova Timboteua é um município situado na zona bragantina, região nordeste do atual Estado do Pará, sua formação histórica está diretamente ligada com o contexto apresentado inicialmente: as políticas de colonização agrícolas e a abertura de uma ferrovia ligando Belém à Bragança iniciadas pelo governo imperial na segunda metade do século XIX e continuando no republicano durante as primeiras décadas do século XX.

Essas políticas estavam associadas à expectativa não só de abastecer cidades e a capital mas constituir na região um importante celeiro agrícola, com técnicas diferentes das adotadas pela populações tradicionais vistas como sinônimo de atraso, ou seja, o espaço das experiências indígenas, quilombolas e ribeirinhos constituídos de saberes seculares deveriam ser substituídos por técnicas ditas científicas, modelares dos padrões civilizatórios europeus, não é à toa que a distribuição de terras desde o período imperial e passando para o regime republicano fora idealizado para trabalhadores rurais de origem europeia, vale lembrar que nesse contexto os sujeitos históricos locais partilhavam do ideal que associa a europa à um padrão de civilização, um modelo a ser alcançado como sinônimo de progresso.

Durante os primeiros governos republicanos, segundo a historiadora Edilza Fontes na passagem do século XX para o XX há um esforço por parte de intelectuais, jornalistas, políticos e outros no intuito de fomentar as propagandas para atrair imigrantes de origem europeia para a região amazônica. É exemplar nesse sentido os álbuns que foram produzidos nesse período objetivando construir uma imagem positiva do Pará com o intuito de desconstruir a imagem que seria um lugar impossível de prosperar uma sociedade civilizada de acordo com os padrões da época.

Desde o período imperial as políticas de assentamento de colonos se dava ao longo das primeiras aberturas da estrada de ferro, (ver imagem) o historiador Francivaldo Nunes evidencia em seus estudos os desdobramento dessas políticas ao analisar o estudo de algumas colônias agrícolas, no caso bragantino: a de Benevides. Demonstrou por meio de fontes da época as dificuldades de estabelecer essa política, não somente a partir da visão das autoridades, mas sobretudo dos colonos estrangeiros e nacionais, pois, apesar da propaganda e da política de preferência a homens e mulheres europeus, nos primeiros tempos essas iniciativas se mostram infrutíferas e logo apela-se para o trabalhador nacional, sem deixar posteriormente essa preferência pelo elemento europeu, mas diante das experiências iniciais dificultosas de aclimatação desses grupos, imediatamente se refaz os projetos de colonização agrícola no intuito de incluir também os lavradores nacionais principalmente oriundos das províncias que atualmente chamamos de nordeste.

(Fonte: A Vida Paraense. Belém. 30/03/1884. In: SALLES, Vicente. O negro na formação da sociedade paraense. textos reunidos. Belém: Paka-Tatu, 2004, p.76). Imagem comemorativa da abolição da escravidão em Benevides, nota-se ao fundo a ferrovia como sinônimo de progresso desenvolvido pelo imaginário social da época.

No período republicano se retoma a construção da estrada de ferro que foi concluída durante o governo de Augusto Montenegro, no ano de 1908, e ao longo deste empreendimento bafejado pelos lucros da economia da borracha nos cofres estaduais, ao mesmo tempo que se formavam vilas também se distribuía lotes de terra com finalidades de incentivar um projeto de desenvolvimento agrícola, garantir a presença da república disciplinando o trabalhador agrícola por meio das iniciativas de controle da sua produção. Contudo, apesar das expectativas, e das políticas percebemos que esses colonos estrangeiros e nacionais na sua maior parte de origem nordestina, também imprimiam suas marcas nesse espaço, ao se depararem com situações como abrir terrenos, destocar árvores, limpar igarapés e outros, revelam que essa empreitada estava longe de ser o paraíso das propagandas do governo.

A historiadora Franciane Gama Lacerda fez uma importante pesquisa sobre essas regiões, e procurou “contar” (narrar e analisar) esses processos históricos na perspectiva dos migrantes cearenses, sem contudo perceber as interações desses com o território e outros sujeitos: supervisores das colônias, imigrantes estrangeiros principalmente espanhóis, outros colonos nacionais e etc. (veja textos complementares neste site), ou seja, salienta as dificuldades de sobrevivência, as lutas pela posse da terra principalmente quando colonos não tinham acesso a título dela, a questão dos problemas de abastecimento local, as estratégias para garantir a sobrevivência de famílias, além desses aspecto enfatiza as valores que regulavam o cotidiano desses homens e mulheres, como noções de justiça, direito e respeito, amizade laços de solidariedade para enfrentar o problema da fome por exemplo, bem como as formas de lazer como as festas públicas oficiais como as visitas de autoridade como as do governador Paes de Carvalho, e outras mais populares como as organizadas por cassacos trabalhadores responsáveis por aberturas de estradas em Quatipuru com a participação de homens, mulheres e crianças inclusive recém-nascidos.

É nesse contexto problematizado pelos historiadores que se forma Nova Timboteua, para efeitos didático pontuamos duas áreas de povoamento nesse processo: uma inicial às margens do Rio Peixe-Boi e outra distante nas margens da ferrovia. A primeira ainda no período imperial: Em 1888 ano da abolição da escravatura o colono Serafim dos Anjos Costa teria requerido junto ao governo provincial áreas de terras pertencentes a Belém, outros também fixaram residência no local como Manoel Maria e Afonso Roberto Pimentel bem como outros colonos que também estabeleceram moradia no local, na ocasião ergueram uma capela em homenagem a Nossa Senhora do Livramento, segundo registros oficiais diz que o povoado de Timboteua teria se extinguido em 1906, na verdade o que ocorrera foi uma retração demográfica, uma vez que alguns quilômetros do local, uma outra vila se formara ao redor de uma das paradas do trem.

Foto: William Freire, abril de 2018. alunos apresentando uma pesquisa local sobre patrimônio material da vila Timboteua, núcleo de povoamento original, nota-se ao fundo a imagem da antiga Igreja de Nossa Senhora do Livramento, os estudantes por meio de entrevistas com antigos moradores, fotos e anotações das doações para a construção da atual ermida que substituiu essa retratada na fotografia, socializaram a pesquisa em sala de aula

Desse modo, analisaremos o segundo caso: o povoado chamado tabuleta por causa da quilometragem da ferrovia, além de parada obrigatória contava com uma estação de beneficiamento agrícola, tendo 650 lotes e 569 colonos registrados segundo o historiador Ernesto Cruz, devido ao seu crescimento foi elevado em 1915 a categoria de povoado na mesma época quando o mapa, apresentado no início do texto, foi elaborado. Contudo o nome tabuleta não era popular, ao que parece a população se referia à localidade de Timboteua, daí para diferenciar do núcleo original passaram a chamar de Nova Timboteua.

Fonte: autor desconhecido, início do século XX. fotografia representando a primeira estação de Timboteua, depois foi construído outra, atualmente o prédio pertence aos correios.

Foto: Adrielson Furtado. 20 de abril de 2013. Atualmente o prédio foi tombado pelo IPHAN -considerado patrimônio material do Brasil. Compare com a fotografia anterior e discuta com os colegas as mudanças e permanências observadas nas imagens.

O nome Timboteua está relacionado com a abundância de uma planta chamada popularmente de Timbó (Derris elliptica guianensis - nome científico) nas margens dos rios e igarapés do primeiro povoado, a planta era usada pelos indígenas e colonos para pescar peixes, a técnica consistia em envenenar a água com as substâncias do vegetal para facilitar a captura dos animais. (veja a figura abaixo)

Imagem representando indígenas pescando com timbó. A planta quando esmagada liberava substâncias ictiotóxicas na água, atordoando os peixes, que eram facilmente pegos. gravura do artista Sebastião Vieira da Silva. Fonte: Cavalcante, Messias S. Comidas dos Nativos do Novo Mundo. Barueri, São Paulo. Sá. 2014, 403 p.

Esse “conflito” acerca do nome do povoado pode indicar que colonos do núcleo fluvial construíram uma identidade com a formação do primeiro povoado e ao migrar para uma área considerada mais próspera não se identificaram com o nome tabuleta, nesse caso percebemos que os colonos também interferiam na forma de nomear esses espaços e que esse não era apenas determinados pelas autoridades oficiais, ou poderia ocorrer disputas entre os próprios colonos e demais moradores quanto à forma de nomear os novos territórios.

A maior parte desses colonos eram provenientes de estados nordestinos, como atesta a documentação cartorial da época e a memória local como de Dona Leonilce. Sobre o primeiro caso vale mencionar os estudos da historiadora Maria de Nazaré Morais que pesquisou sobre o cotidiano da morte entre as famílias tradicionais de Vila Timboteua, o primeiro povoado de formação fluvial. Segundo a pesquisadora, os inúmeros atestados de óbito dão conta que nas primeiras décadas do século XX a população sofria com as constantes epidemias de febre amarela e malária, ela pesquisou também a memória local para saber como a população enfrentava tais problemas identificando, portanto,várias práticas na tentativa de evitar a doença ou de lhe dar com a morte que envolvia a alimentação e à recorrência aos saberes populares como ervas para produção de remédios caseiros, demonstrando que na ausência mais efetiva dos agentes civilizatórios e científicos, como a presença de médicos, a sociedade buscava seus próprios meios para enfrentar o problema, com finalidades de sobrevivência física e simbólica.

Sobre essa questão simbólica, vale ressaltar que nem só de trabalho viviam os primeiros moradores, o lazer também compunha esse cotidiano, a população se divertia nas festividades de santos, a exemplo a marujada dedicada a São Benedito. Em Nova Timboteua cabe destacar as festividades dos padroeiros da cidade São Francisco de Assis e Nossa Senhora de Nazaré, como evidencia o registros paroquiais em tempos posteriores:

As festas dos Padroeiros da Matriz -São Francisco de Assis e Nossa Senhora de Nazaré tinha como finalidade precípua conseguir recursos para a manutenção da igreja. Os “paroquianos” apareciam nos bingos e banquetes e eram generosos em suas doações: ofereciam bois e galinhas para animar os leilões e a classe dominante local tinha a liderança da festa. (Fonte: Livro de Tombo da Paróquia de São Francisco de Assis - Nova Timboteua - 1969-1988)

Apesar da fonte ser escrita tempos depois mas se refere às práticas religiosas que foram se constituído ao longo do tempo, nota-se que a festa apesar de ser religiosa era um momento de diversão e também um espaço para definir hierarquias sociais, uma vez que os grupos mais influentes detinham o comando da festa, desse modo percebemos que as atividades econômicas desenvolvidas na região geram lucros para alguns membros da comunidade, desvelando posteriormente na formação de patrimônios e na diferenciação social.

1.4 - Mudanças político-territoriais

As vilas locais pertenciam ao município de Igarapé-Açú nas primeiras décadas do século XX, ainda recorrendo a memória local alunos entrevistaram um antigo morador da Vila Timboteua que atualmente está com 92 anos, e por meio de suas lembranças evidenciou as estratégias de locomoção na área, principalmente para chegar até o povoado de Peixe-boi, por onde passava a estrada de ferro, uma vez que o acesso por terra até o outro povoado era mais difícil

Desde 1938, comecei a pescar, trabalhar e tudo (...) No tempo que eu me entendi aqui era Igarapé-Açú, era município de Igarapé-Açú , hoje já passou para município de Nova Timboteua. Isso aqui (Velha Timboteua), Marudá, Bonito, Quatro -Bocas, tudo era Igarapé-Açú (...) meu pai nesse tempo era funcionário da prefeitura, ele ia prestar conta em Igarapé-Açú, todo mês (...); era três dias de viagem, ele ia de canoa, esperar o trem em Peixe-Boi, o trem passava sete horas, ele pegava o trem e ia para Igarapé- Açú. (...) (Sr. Binuca, entrevista realizada em dezembro de 2018)

Tal como nas outras vilas a produção desses colonos giravam em torno de atividades agrícolas, seja para o sustento da família, seja para o pequeno e o grande comércio: as principais produções eram farinha de mandioca, milho e arroz, prevalecendo desse modo a agricultura familiar como forma de trabalho. Essas atividades eram desenvolvidas junto com as atividades extrativistas como produção de malva, madeiras, açaí além da criação de animais e pescaria desenvolvida nos rios próximos, principalmente no rio Peixe-boi. Ainda nas primeiras décadas do século XX, segundo a historiadora Franciane Gama Lacerda, essa associação entre agricultura e extrativismo, principalmente da madeira eram alternativas encontradas pelos colonos para sobreviveram às inúmeras adversidades nestas áreas, por vezes incompreendidas pelas políticas governamentais da época, imprensa local que diante de resultados não alcançados no primeiro momento culpava os próprios colonos diante das expectativas não atendidas, desconsiderando o espaço de experiência desses sujeitos históricos.

Esse padrão agricultura, pequenas propriedades, extrativismo e comércio se mantém nas décadas seguintes, no ano de 1943 o povoado é desmembrado de Igarapé-Açu, passando para a categoria de município na segunda interventoria de Magalhães Barata, durante a Segunda Guerra Mundial. Alguns anos depois a agricultura ainda ocupava o centro das atividades como confirmam as estatísticas município de 1948 que indicavam um percentual de 40% da população envolvidas nessas produções agrícolas e extrativistas , com ênfase na produção de arroz, malva e madeiras.

Foto: autor desconhecido. Povoado de Peixe-boi na época pertencente ao município de Nova Timboteua. década de 50. Trabalhadores carregam malva provavelmente para comercializar nos armazéns da região.


REFERÊNCIAS

COSTA, Francisco de Assis. Racionalidade camponesa e sustentabilidade: elementos teóricos para uma pesquisa sobre a agricultura familiar na Amazônia. In: Cadernos do NAEA/ UFPA, nº 12, Nov, 1994, p. 05-45

CRUZ, Ernesto. Colonização do Pará. Belém: INPA, 1958.

FREIRE, William Fonseca. No tempo do pimental: as mãos que produziram o ouro preto timboteuense (1974-1982). Bragança: UFPA, 2008.

LACERDA, Franciane Gama. Migrantes Cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Belém: Editora Açaí/ Programa de pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/ Centro de Memória da Amazônia (UFPA), 2010.


MIRANDA, Rogério Rêgo. Interfaces do rural e do urbano em área de colonização antiga na Amazônia: estudo de colônias agrícolas em Igarapé-Açu e Castanhal (PA). In: CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 7, n. 14, p. 1-36, ago., 2012

MORAIS, Maria de Nazaré. Famílias tradicionais de Vila Timboteua. Monografia. UFPA. Bragança: 1992.

NUNES, Francivaldo Alves. A semente da colonização: um estudo sobre a colônia agrícola de Benevides (Pará, 1870-1889). Dissertação (mestrado): UFPA: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia - PPHIST, Belém, 2008.

_____________, Colônias agrícolas na Amazônia. 1ª ed. - Belém, PA: Editora Estudos Amazônicos, 2012.