Imaginar: 

O não-casamento de Inês, o Vestido Invisível

Michele Augusto

O Não-casamento de Inês de Castro

Conceptboard: desenhos | colagem digital

70x100cm

2022

Corações Relicários: A força do sentimento

Escultura: papel | lã | esferovite

Dimensões variáveis

2022



O Não-vestido de Inês de Castro

Objeto: tule | fita adesiva | arroz | luz de led

Dimensões variáveis

2022


Fotografia de Roberto Oliveira

O Processo 

Imaginar: O não-casamento de Inês, o vestido invisível 

Por Michele Augusto 

O projeto representa a alma de Inês de Castro, personagem que combina a base histórica  e a persistência mística mantida ao longo dos séculos, pertencente à casa real portuguesa do  período medieval (entre 1340 e 1355), sendo a segunda esposa do rei D. Pedro I. A narrativa  visual do projeto artístico se baseia no romance do casal, que segundo alguns cronistas  descreveram, iniciou-se anos antes da morte de D. Constância em 1349. 

A personagem histórica de Inês de Castro nasceu em 1320 ou 1325 na Galiza, “era filha  ilegítima do nobre galego Pedro Fernandes de Castro, o da Guerra, e de uma dama portuguesa,  Aldonça Suárez de Valadares, e irmã de D. Fernando e de D. Álvaro Pires de Castro” (Inês de  Castro | Fundação Inês de Castro, sem data). Por ser bisneta, ainda que ilegítima, de D. Sancho  de Castela (pai de D. Beatriz de Castela, mãe de D. Pedro, a galega possuía sangue da mesma  casa real e era prima em 3º grau de D. Pedro.  

D. Pedro e D. Inês apaixonaram-se quase de imediato, iniciando uma relação amorosa  clandestina repleta de mistérios, que se mais tarde viria a se revelar trágica. D. Inês de Castro  morreu em 7 de Janeiro de 1355, degolada, como convinha a pessoa da sua condição, conforme  o registo exarado no Livro da Noa, ‘crónica breve’ elaborada pelos Frades Crúzios” (Inês de  Castro | Fundação Inês de Castro, sem data). 

Sua morte se deu pelas mãos de Pero Coelho, Álvaro Gonçalves, Diogo Lopes Pacheco  em Santa Clara nos jardins da Quinta das Lágrimas em Coimbra, onde o casal mantinha as suas  secretas reuniões. Conforme a lenda, as lágrimas derramadas no rio Mondego pela morte de  Inês teriam criado a Fonte das Lágrimas da Quinta das Lágrimas, e algumas algas avermelhadas  que ali crescem seriam o seu sangue derramado, ainda “de acordo com a lenda, o sangue de D.  Inês ainda mancha o fundo de pedra da Fonte, e que ainda se ouve o seu choro nos jardins da  Quinta das Lágrimas, eternamente à procura de Pedro, o seu amor perdido” (Inês de Castro,  sem data). 

A personagem de inspiração, a galega, “senhora nobilíssima [...] dotada de rara  formosura e tão extremada graça” (Figueiredo, 1817: 224), é dona de uma narrativa repleta de  misticismo, intrigas e dramaticidade, a iniciar pelo matrimônio as secretas, o seu assassinato  encomendado pelo Rei D. Afonso IV, a justiça posterior feita por D. Pedro, a narrativa mágica  da coroação póstuma como rainha, relatada de formas diversas através das crônicas, D. Pedro:  Fez desenterrar aquelle cadaver de belleza amada, e vestido, e com coroa de ouro na cabeça,  para que reinasse morta na saudade dos Portuguezes assim como havia reinado viva em sua  alma [...] (Figueiredo, 1817: 226). 

 Observamos uma dualidade de ideais, de um lado a tentativa de Pedro em legitimar a  sua união com Inês mesmo após a sua morte e do outro a intenção de desacreditar esta união  perante a sociedade, tal fato realizado por Fernão Lopes através de seus relatos favoráveis ao  reinado de D. João I (filho de Pedro I e Teresa Lourenço) em relação ao herdeiro de Pedro e  Inês, no intuito de gerar negativas para desacreditar a possibilidade de um casamento legítimo  entre eles (Ferreira, et al, 2021). 

 Fernão Lopes criou uma atmosfera de dúvida no imaginário póstumo do casal ao  evidenciar a legitimidade do casamento, “[...] e não ser duvida a alguns, que do dito  recebimento tinham não boa suspeita se fora assim ou não: que ele dava de si fé e testemunho  de verdade, que assim se passara de feito como dito havia” (As Crônicas de Fernão Lopes,  1969). Ainda reforça tal negativa na passagem que indica que o 

casamento não foi exemplado a todos os do reino em vida do dito rei D.  Affonso, por medo e receio que seu filho d’elle havia, casado de tal guisa sem  seu mandado e consentimento, porém agora el-rei, nosso senhor, por  desencarregar sua alma e dizer verdade e não ser duvida a alguns que d’este  casamento parte não sabiam se fôra assim ou não[...] (As Crônicas de Fernão Lopes, 1969). 

  O trabalho utilizou o “matrimônio as secretas” descrito na literatura e como o não casamento público do herdeiro do trono ficou registrado no imaginário popular. Adicionadas  as visões cênicas de Inês e Pedro como elemento formador deste imaginário. Para tal efeito,  nos inspiramos nos desenhos de figurinos e trajes de cena que fazem parte do acervo do MNTD.  Dentre as diversas representações do romance destacamos o Bailado Inês de Castro da Cº. de  Bailados Verde Gaio (1940) e os desenhos de figurinos de José Barbosa para as personagens  Inês e Pedro, e Aias e fotografias de Francis Graça interpretando D. Pedro e Ruth Walden como  Inês de Castro utilizadas no painel de referências iconográficas do processo.

  O não vestido de Inês se alimentou das reservas (Barthes, 2005) do corpus linguístico  das narrativas, do repertório das crônicas e de romances, assim como de aspectos plásticos das  criações de figurinos da coleção do acervo, convertidos em imagens que reflitam o caráter  sensível do drama histórico. Os figurinos para "D.Pedro e D.Inês" e sobretudo as “Aias”,  apresentam aspectos peculiares de criação ao mesclar elementos da indumentária trecentista  com o estilo de seu tempo, mais modernista na composição do traje com corpo mais afinado e  alongado, a composição do figurino mais ajustado e com uma gola mais estilizada em  comparação com a modelagem de um gorjal medieval trecentista. Aliados a suavidade de  movimentação dos corpos das fotografias dos bailados, a se inspirar em registros de Les Grand  Ballets Canadiens e Grupo Gulbenkian de Bailados, entre outras do acervo de Armando Jorge  (Fonte: MNTD, arquivos de Armando Jorge). 

O traje instalação representa a alma da personagem e o conceptboard sintetizam a força  sensível das conexões de signos obtidos através de fios condutores linguísticos e visuais, ao  sentido de “projetar as formas familiares” (Gombrich, 2007) por meio de mensagens associadas  (Barthes, 2005) de maneira simbólica e sensível através do conceptboard e o traje instalação.  O ato criador baseou-se na representação imagética do túmulo e das narrativas lendárias, na  ligação dos amantes para além vida, a santificação da figura feminina sacrificada, a questão  política de sua posição diante das relações da corte, sendo assim representada com a rainha  branca do jogo de xadrez uma vez que este jogo está presente no túmulo do casal, em Alcobaça  (construído entre 1358 e 1367), na qual contém a roda da vida, dentro deste gira a roda da  fortuna que conta-nos a história de Inês e Pedro vista pelos olhos do próprio rei (até que a morte  nos separe, sem data). Na composição escultórica contém uma cena de harmonia conjugal na qual o casal joga xadrez, conforme apontado por Isabel Stilwell (2021) em seu romance  histórico sobre o casal. 

O coração escultórico e o coração pulsante iluminado ao centro do traje representam  um relicário de força e espiritualidade, associadas ao conflito régio e o amor  que venceu a morte, "raramente se encontrou em alguém um amor tão grande como aquele que  el-rei D. Pedro teve a D. Inês, [...] não há amor tão verdadeiro como aquele ao qual o grande  espaço de tempo não faz perder da memória a pessoa amada que morreu” (As crônicas de  Fernão Lopes, 1969). Os nós que formam o coração marcam a força da alma de Inês que  transborda da figura translúcida tanto em volume quanto em luminância através do artifício  material da luz interna na posição coronária do corpo. 

Sendo assim, o não-vestido pretendeu representar a perspectiva imaginativa de uma cena deste possível matrimônio às secretas descrito nas crônicas, e de forma podemos dar vista  a esta imagem mental. O vestido translúcido apresenta o conceito da criação da forma, da  indumentária do rito posto à prova. 


   Referências

Alvarez, J. C. [et al.]. (2005). Museu Nacional do Teatro: roteiro. Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação, 2005.

_______ (2010). Museu Nacional do Teatro. Lisboa: Quidnovi.

As crónicas de Fernão Lopes, selecionadas e transpostas em português moderno por António José Saraiva. (1969) Lisboa: Portugália.

Até que a morte nos separe. (sem data). Google Arts & Culture. Obtido 9 de outubro de 2022, de https://artsandculture.google.com/story/até-que-a-morte-nos-separe/kwUhntqAH-0SLg  

Barthes, R. (2005). Inéditos: Imagem e moda (Vol. 3). Martins Fontes.

DGPC | Museu Nacional do Teatro e da Dança. (sem data). Obtido 14 de novembro de 2022, de https://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/recursos/cedencia-e-aluguer-de-espacos/aluguer-de-espacos-museu-nacional-do-teatro/ 

Figueiredo, P. J. de. (1817). Retratos e elogios dos varões e donas que ilustraram a nação portuguesa em virtudes, letras, armas, e artes, assim nacionais, como estranhos, tanto antigos, como modernos, oferecidos aos generosos portugueses. https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/267269

Ferreira, A. E. & Padreda, L. C. F. (2021). Inês de Castro — Sob o prisma do computador e da psicanálise—Uma análise bilíngue. Lisbon: International Press.

Google Arts & Culture. (sem data). Museu Nacional do Teatro e da Dança. Obtido 14 de novembro de 2022, de https://artsandculture.google.com/partner/museu-nacional-do-teatro 

Inês de Castro: A Única Rainha Póstuma de Portugal. (sem data). Google Arts & Culture. Obtido 19 de outubro de 2022, de https://artsandculture.google.com/story/inês-de-castro-a-Única-rainha-póstuma-de-portugal/8AUBC_FWA_z4Jw

Inês de Castro | Fundação Inês de Castro. (sem data). Obtido 25 de outubro de 2022, de https://fundacaoinesdecastro.com/ines-de-castro/ 

Muxagata, A. F. C (2019). A corte de D. Pedro I (1320-1367). ttps://repositorio.ul.pt/handle/10451/40806 [consult. 05/10/2022]. 

Stilwell, I (2021). Inês de Castro. 8a ed. Lisboa: Planeta dos Livros.


Atuou como docente do Curso Técnico de Produção de Moda da FAETEC - Brasil (2009 - 2022), Escola de Belas Artes UFRJ - Brasil (2009-2010 - 2016-2018).  Colaboradora do Studio Criativo Coletivo de artistas e designers em moda e figurino, em oficinas e investigação de moda, património e  sustentabilidade, 1ª edição Oficina de Reciclagem de Moda e Criação Sustentável; 2ª edição: Resgatando o patrimônio imaterial brasileiro. Colaboradora do Grupo de Mostra de Regiões e Países do Evento Quadrienal de Praga, PQ Brasil 2023 (2021 - ), membro associada Grafias da Cena (Centro OISTAT/BR), APCEN (Centro OISTAT/PT) e colaboradora PQ Brasil 2023 (2021 - ) para a Quadrienal de Praga 2023. Atualmente investiga a temática relativa ao processo criativo e patrimônio cultural como inspiração na prática artística, a partir da memória dos figurinos medievais do acervo do MNTD. 


ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8857-7258  

Email: micheleaugusto@edu.ulisboa.pt  

Portfolio: https://www.behance.net/micheledaugusto 

 @micheledaugusto