MEDEA 2020

Simulação de um cabo de alta tensão a muito baixa frequência

Primeiro Lugar do Concurso MEDEA|11

A equipa REBOBINA ganhou o primeiro Prémio do Concurso MEDEA|11. A entrega do prémio foi efetuada no Física 2020 (22.º Encontro Nacional de Física / 30.º Encontro Ibérico do Ensino da Física) realizado no Instituto de Educação de Lisboa (5 de setembro de 2020).

Fig. 1 - Equipa "Rebobina"

A nossa equipa é constituída por (da esquerda para a direita): Luis Afonso (professor), Adolfo Morgado, Vasco Couto, Gonçalo Silva e Lourenço Barreto (alunos 12.º ano de física da Escola Secundária José Gomes Ferreira), figura 1.

Simulamos um cabo de alta tensão a muito baixa frequência a partir de um fio de baixa tensão a muito baixa frequência, estudamos o campo magnético gerado pelo fio em função da distância e da temperatura e a permeabilidade magnética.

Também estudamos, para comparação, uma situação real em que um cabo de alta tensão aterra.

Verificamos se os valores dos campos magnéticos medidos estão de acordo com o estipulado pela Organização Mundial de Saúde

Relatório Intermédio

Simulação de um cabo de alta tensão a muito baixa frequência

Construímos uma estrutura que nos permite simular um cabo de alta tensão a muito baixa frequência, a partir de um fio de baixa tensão a muito baixa frequência.

Devido à pandemia COVID-19, a estrutura e o medidor de campo elétrico e magnético disponibilizado pela SPF encontram-se inacessíveis no interior da nossa escola. Prevê-se que a partir do dia dezoito de maio, iremos ter acesso a todo o material referido.

Um dos elementos da equipa Rebobina levará todo o material para casa e, por videoconferência, todos participarão nas medições já planeadas. Estas tarefas serão concluídas até ao final do mês de maio.

Temos também planeado deslocarmo-nos, com todos os cuidados que a pandemia COVID-19 exige, a um local onde um cabo de alta tensão a muito baixa frequência aterra para medir os campos elétricos e magnéticos.

Temos já registados os valores sugeridos pela Organização Mundial de Saúde para os valores do campo electromagnético que a população pode estar sujeita e que podem ser consultados no documento que se encontra na página https://www.who.int/peh-emf/publications/facts/fs322_ELF_fields_portuguese.pdf .

Durante o mês de junho e até ao dia dezanove faremos o tratamento dos dados adquiridos e elaboraremos o relatório final.

Lisboa, 8 de maio de 2020

Sistema

Para obter o fio de baixa tensão usado para simular a linha de alta tensão usou-se o esquema da figura 2. Os dois fios, de 1 mm de diâmetro, são separados à saída da fonte de alimentação (230V, 50Hz). Um deles, o fio principal, atravessa a estrutura de madeira construída, figura 3, e o outro, o fio secundário, é afastado 4 metros, para que o campo magnético gerado quando a corrente o atravessa não interfira com o campo magnético gerado quando a corrente atravessa o fio principal; em medições preliminares do campo magnético verificou-se que o campo total gerado pelos dois fios é construtivo em algumas zonas e destrutivo em outras e como se pretende estudar o campo magnético gerado por um fio, afastou-se o fio secundário para um lado e mediu-se, no lado oposto, o campo quando este atravessa a estrutura construída.

O sensor usado foi o Spectran NF-5010 com as configurações seguintes: modo Spectrum, com a leitura instantânea da intensidade de campo; função 3D, leitura tridimensional, para diminuir erros de leitura; pré-configuração Power que permite medir campos a muito baixas frequências (45 a 65 Hz). Em todas as medições do campo magnético apresentadas foram realizadas 5 medidas independentes e calculadas as respetivas incertezas (1).

O termómetro usado, com uma resolução de 0,01 ºC, é acoplado a uma interface CBL2 e a uma calculadora gráfica TI-83 usando o programa DATAMATE. As medições da temperatura apresentadas resultam das medidas registadas, de 60 em 60 s, durante todo o intervalo de tempo em que foram realizadas medidas do campo magnético, para cada janela de temperatura, e do cálculo das respetivas incertezas (1).

Inicialmente usaram-se três recetores: uma lâmpada económica de 8 W. uma lâmpada de infravermelho de 150 W e um aquecedor de 1800 W a 2200W. Estes valores de potência são os declarados pelos fabricantes.


Figura 2 - Esquema de montagem

Figura 3 - Montagem experimental

Escolha do recetor

A escolha do recetor significa a escolha da corrente a usar no circuito. A tensão da fonte de alimentação (pública) usada é (230,0 ± 2,5) V a 50 Hz.

As medições do campo magnético obtidas encontram-se nas figuras 4, 5 e 6, respetivamente para a utilização da lâmpada económica (8W), lâmpada de infravermelho (150W) e aquecedor (2200 W). Em todos os casos foram medidos os campos em função da distância ao fio principal, de 5 em 5 cm. Estas medições foram efetuadas à temperatura de (18,1 ± 0,8) ºC.

Na primeira situação (lâmpada económica) foi possível medir o valor do campo magnético, sem dispersão significativa de valores, até 60 cm do fio principal; na segunda situação (lâmpada de infravermelho) foi possível medir o valor do campo magnético, sem dispersão significativa de valores, até 150 cm do fio principal; na terceira situação (aquecedor) foi possível medir o valor do campo magnético, sem dispersão significativa de valores, até 230 cm do fio principal. Os valores do campo, apresentados, para distâncias d até 15 cm, nas três situações, são os que apresentam maior dispersão.

Partindo dos valores de potência fornecido pelos fabricantes e da medição da tensão fornecida pela fonte, as correntes do circuito são de 34,8 mA (lâmpada económica), 652,2 mA (lâmpada de infravermelho) e 9,56 A (aquecedor).

Considerando a informação referida optou-se por usar o aquecedor como recetor por ser o que permite maior número de dados e menor dispersão dos seus valores.

Figura 4 - Campo magnético (recetor: lâmpada económica)

Figura 5 - Campo magnético (recetor: lâmpada infravermelho)

Figura 6- Campo magnético (recetor: aquecedor)

Valores de referência

O campo magnético, B, gerado por um fio condutor atravessado por uma corrente, I, é dado por (2):

B = (µ0 I) / 2πd

(µ0 - permeabilidade magnética do vácuo; d - distância ao fio)

A figura 7 mostra as medições de B em função do inverso da distância, 1/d, e evidencia, com um fator de correlação próximo de 1, a proporcionalidade direta esperada pela equação. Considerando que µ0 = 4πE-7 T.m/A, obtém-se, a partir do declive da reta, I = 7,45 A, o que representa um erro percentual de 22,1% em relação ao valor máximo declarado pelo fabricante e 3,9 % em relação ao valor mínimo.

Tomamos como valores de referência µ0 = 4πE-7 T.m/A e I = 7,45 A.

Fig. 7 - Campo magnético a (18,1 ± 0,8) ºC

Campo magnético / permeabilidade magnética em função da temperatura

A figura 8 mostra as medições do campo magnético em função da distância para quatro temperaturas diferentes: (12,5 ± 0,4) ºC; (18,1 ± 0,8) ºC; (19,9 ± 0,1) ºC; (24,3 ± 0,3) ºC e (32,2 ± 0,5) ºC. As medidas foram efetuadas à temperatura ambiente, no exterior, a diferentes horas do dia, e por esse motivo as medições das temperaturas apresentam diferentes incertezas.

O campo magnético ao longo da distância, não apresenta variações significativas em função da temperatura.

Fig. 8 - Campo magnético a várias temperaturas

As figuras 9, 7, 10, 11 e 12 mostram as medições do campo magnético em função de 1/d para cinco temperaturas diferentes: (12,5 ± 0,4) ºC; (18,1 ± 0,8) ºC; (19,9 ± 0,1) ºC; (24,3 ± 0,3) ºC e (32,2 ± 0,5) ºC . Todas as situações evidênciam, com um fator de correlação próximo de 1, a proporcionalidade direta esperada pela equação. A partir dos declives das retas e considerando que a corrente que atravessa o fio principal é I = 7,45 A, determinou-se permeabilidade magnética para as cinco situações

Fig. 9 - Campo magnético a (12,5 ± 0,4) ºC

Fig. 10 - Campo magnético a (19,9 ± 0,1) ºC

Fig. 11 - Campo magnético a (24,3 ± 0,3) ºC

Fig. 12 - Campo magnético a (32,2 ± 0,5) ºC

A figura 13 mostra os valores obtidos da permeabilidade magnética para as temperaturas referidas. Não há variação significativa dos valores da permeabilidade magnética.

Fig. 13 - Permeabilidade magnética em função da temperatura

Aterro de cabo de alta tensão - Campo magnético

Fig. 14 - Localização do aterro

O aterro do cabo de alta tensão que usámos para obter um perfil do campo magnético foi o que se situa na Estrada da Circunvalação junto ao Centro de Triagem e Ecocentro do Lumiar, em Lisboa, figuras 14 e 15. (38°46'37.7"N 9°10'25.1"W)

As medidas do campo magnético foram efetuadas para o lado exterior da proteção metálica, figura 16, em função da distância ao cabo. Foram também efetuadas medidas entre o cabo e o pilar (lado interior), em função da distância ao cabo, sem proteção metálica. Todas as medidas foram efetuadas à temperatura de (27,1 ± 0,2) ºC, ao nível do chão.

Fig. 15 - Pilares dos aterros

Fig. 16 - Proteção do cabo ao nível do solo

Fig. 17 - Medir os valores do campo

Fig. 18 - Medir os valores do campo

A figura 19 mostra as medições do campo magnético em função da distância para as duas situações, interior e exterior. Para o lado exterior da proteção metálica mediu-se o campo magnético até 230 cm; para o lado interior mediu-se o campo magnético até 40 cm. Os valores do campo magnético são maiores para o lado interior (sem proteção metálica) que os relativos ao lado exterior (com proteção metálica).

Fig. 19 - Campo magnético (exterior e interior)

As figuras 20 e 21 mostram as medições do campo magnético em função de 1/d para as duas situações estudadas (exterior e interior). As duas situações evidenciam, com um fator de correlação próximo de 1, a proporcionalidade direta esperada pela equação acima referida.

Fig. 20 - Campo magnético exterior

Fig. 21 - Campo magnético interior

Exposição aos Campos Magnéticos Registados

A Organização Mundial de Saúde no seu relatório sobre "Campos Eletromagnéticos e Saúde Pública" (3) refere os efeitos da exposição, de curto e longo prazo, a campos magnéticos de frequência extremamente baixa (ELF). Considera como base para recomendações internacionais de exposição os valores estabelecidos pela Agência Internacional de Pesquisa do Cancro (IARC) (4) e pela Comissão Intermacional de Proteção contra Radiações não Ionizantes (ICNIRP) (5), nomeadamente as orientações sobre os limites de exposição a campos eletromagnéticos (de 1 Hz a 100 KHz) (6). Na tabela 4, da página 827 documento referido (6), toma-se como nível de referência para a exposição pública o valor de 2E-4 T. Este valor, ou superior, não foi registado em qualquer das medidas efetuadas.


Conclusões

O estudo do campo magnético a muito baixas frequências pode ser realizado por uma simulação. O perfil do campo em função da distância e da temperatura tem as mesmas características e permite as mesmas conclusões nas duas situações (a real e a simulada); o campo é proporcional ao inverso da distância e não depende da temperatura, assim como a permeabilidade magnética. Para um estudo mais conclusivo sobre o efeito da temperatura no perfil do campo magnético e na permeabilidade magnética será necessário usar um maior intervalo dos valores da temperatura. Os valores dos campos magnéticos registados estão dentro dos limites de referência para a exposição pública.

Referências

(1) Medição e Erros de medição: https://web.fe.up.pt/~campilho/IM/NOTES/cap1.pdf

(2) Campo magnético gerado por um fio condutor: https://brasilescola.uol.com.br/fisica/campo-magnetico-gerado-por-um-fio-condutor.htm

(3) OMS ""Campos Eletromagnéticos e Saúde Pública" https://www.who.int/peh-emf/publications/facts/fs322_ELF_fields_portuguese.pdf

(4) Agência Internacional de Pesquisa do Cancro (IARC) https://www.iarc.fr/

(5) Comissão Intermacional de Proteção contra Radiações não Ionizantes (ICNIRP): https://www.icnirp.org/en/applications/power-lines/power-lines.html

(6) Orientações sobre os limites de exposição a campos eletromagnéticos: https://www.icnirp.org/cms/upload/publications/ICNIRPLFgdl.pdf