Entrevista Adama Ouane

Diz que a iniciativa Novas Oportunidades é um exemplo. E que tem falado do caso português em diversos congressos, pelo mundo fora. Adama Ouane, director do Instituto para a Aprendizagem ao Longo da Vida, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), com sede na Alemanha, faz investigação e promove, junto de diferentes países, a importância da educação para adultos.

Recentemente, esteve em Portugal, a convite da Agência Nacional para a Qualificação, para participar num encontro de avaliação internacional das Novas Oportunidades. Defende que os sistemas educativos têm que tornar se mais humanistas. E deixa um alerta: “Por que é que vivemos esta crise? Porque fazer dinheiro era o mais importante, porque enganar era fundamental. A educação não trabalhou o sentido da ética, dos limites que cada um deve colocar a si próprio. Se a educação é a solução, esperamos que os países compreendam que é preciso mudar.”

A educação dos adultos é uma preocupação recente. Qual é a sua importância?

Estamos a descobrir uma realidade que já existia. Há uma preocupação com o ensino, mas quando se sabe que há uma grande percentagem de jovens e de adultos que estão no mercado de trabalho e que não têm formação, percebemos que a educação deve acompanhar essas pessoas porque precisam.

Que tipo de aprendizagem se espera que estas pessoas obtenham?

As pessoas não precisam de aprender só para conseguir um trabalho, precisam de aprender continuamente para participar social e politicamente. Aprender a cidadania, a participação democrática e, tudo isto, envolve aprendizagem. Não é só ter mais capacidades para trabalhar.

Como é que se aprende a ser cidadão?

Aprende-se através da educação formal e informal. É aprender para a vida e para o trabalho. Um bom trabalho é muito importante e requer muitas qualificações e competências que se vão adquirindo ao longo da vida. O desafio está na família, nos amigos, nos novos media e tecnologias que transmitem informação, conhecimento – algum muito útil, outro que pode ser prejudicial – e as pessoas precisam de saber ser críticas, de saber interpretar. Desde a antiguidade que se insiste no espírito crítico. Isso ainda não mudou.

Mas como é que se ensina a ter espírito crítico?

O sistema educativo deve ser redireccionado para as competências-chave: saber, saber fazer, pensar criticamente e saber viver em comunidade. Temos novos desafios, a crise económica, as mudanças ambientais, a manutenção da paz, que requerem uma atitude, uma compreensão, uma capacidade para conseguir dar respostas. Tudo isto foi potenciado por causa da rapidez com que todas estas mudanças estão a acontecer.

Por um lado temos a riqueza, a tecnologia; por outro, o crescimento da pobreza que não pode ser ignorado.

Há obstáculos à aprendizagem ao longo da vida?

Sim, continuamos a vê-la como uma utopia. As pessoas não sabem como fazê-la, como aplicá-la, porque o sistema educativo não reconhece que se aprenda informalmente.

Em Portugal, a iniciativa Novas Oportunidades [um programa de formação e reconhecimento de competências] é um bom exemplo porque se pega na trajectória de vida das pessoas e essa é avaliada.

E isso é uma dificuldade: como avaliar e, acima de tudo, certificar experiências de vida?

Há dois aspectos, o político e o organizacional. O primeiro foi feito em Portugal, o Governo reconheceu que é importante o reconhecimento, avaliação e certificação de competências e apostou. O segundo é a organização. Como organizar, quais as ferramentas... Pode fazer se de maneira muito sofisticada ou mais simples. Mas o mais importante é as pessoas verem reconhecido o seu valor e perceberem que têm a possibilidade de ir a um sítio onde se reconhece o que sabem e poderem voltar ao trabalho, onde isso é também reconhecido.

Isso nem sempre acontece.

Porquê?

Há uma barreira psicológica. Por exemplo, [em Portugal] as pequenas empresas não aceitam estas certificações porque acham que as pessoas não adquiriram conhecimentos suficientes. Mas quando as pessoas começam a trabalhar, a demonstrar o que aprenderam, o que sabem, esse preconceito é desfeito. É natural que ele exista porque até agora havia apenas educação formal. Mas este novo sistema [de educação de adultos] tem que ser protegido.

O que se aprende não é só para o trabalho, mas para a vida.

Numa altura em que não há trabalho, estes programas de aprendizagem ao longo da vida não são uma maneira de disfarçar a falta de emprego?

Acho que não. Não há trabalho...

Mas este existe, esta é a mudar de forma. Não podemos manter o antigo paradigma do trabalho.

Precisamos de adquirir novas competências [muitas das quais] ainda nem sequer sabemos quais são. Por isso, é que não podemos ter um ensino tão rígido. Este sistema não esconde o desemprego, é um remédio e é prospectivo porque está a olhar para as mudanças que estão a acontecer no mercado de trabalho e na sociedade.

A mudança de paradigma deve ser feita apenas no mundo desenvolvido ou é mais global?

Na UNESCO temos esta preocupação de divulgar a educação ao longo da vida em todo o mundo. O actual sistema educativo está quase obsoleto e é preciso inovar e desenhar um novo que pode ser diferente em cada uma das sociedades. No entanto, todas reconhecem que é necessário e que é preciso estar sempre a aprender.

Há ditados, em diferentes países, como “aprender até morrer”, “aprender do berço até à cova”...

Então por que é que as instituições o ignoram? É preciso reconfigurar o actual sistema na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida e de certificar diferentes tipos de conhecimento.

A escola já está a mudar?

A escola é apenas um degrau da aprendizagem ao longo da vida. Por isso, é preciso reorganizar o sistema educativo. A escola tem que se adaptar à sociedade actual.

Uma oferta tão diversificada e tão adaptada a cada pessoa não é caro?

Provavelmente não. É gastar de maneira diferente. Há muita inércia no actual sistema que o torna caro. Os edifícios não são usados, os recursos humanos também não. Através da aprendizagem ao longo da vida é possível que muitos possam regressar ao edifício da escola, para fazer coisas diferentes.

Depois de passarem pelo processo de reconhecimento e validação de aprendizagens, o desemprego mantém-se. O que é que acontece a essas pessoas?

Essa é uma responsabilidade do próprio indivíduo. A natureza do trabalho está a mudar, a sociedade também, e a responsabilidade de conseguir uma oportunidade passa a ser do próprio e não do Estado, de maneira a que este se preocupe com os mais fracos, os mais pobres. Para que também estes possam ser preparados para enfrentar os desafios.