3.1.3

 3.1.3 Técnica do pré-diagnóstico

 

Comentando as preocupações dos professores e apresentando o modelo teórico concern based adoption model, Garcia (1999) explica que o conceito "preocupação" nos leva a reconhecer que "é preciso ter em conta as necessidades e exigências específicas dos professores que se implicam em processos de mudança." Tomando esta preocupação como base, o nosso curso não foi completamente planejado nem concretizado sem antes levantarmos as necessidades e sugestões dos professores que se candidataram a participar do grupo, de acordo com alguns dos autores que apóiam este procedimento (GARCIA, 1999; GIL-PEREZ, 1991; CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001; GUARNIERI, 2000; MIZUKAMI, 2002; PERRENOUD, 2002; MASETTO, 2002). Por isso, antes da elaboração definitiva da estrutura do curso, optamos por utilizarmos a técnica dos questionários para o levantamento antecipado das necessidades dos professores, totalizando uma quantidade de questionários distribuídos muito maior do que simplesmente o número de vagas abertas para o curso, permitindo, assim, uma fidelidade maior nos resultados de diagnóstico do pré-levantamento. Por isso, muitos que responderam os questionários não participaram do curso.

Como atividade inicial de diagnóstico geral, utilizamos os dados levantados pela distribuição de um questionário elaborado pelo Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências, da UNESP da cidade de Bauru (SP), conforme mostra o anexo 1 (clique aqui). Este questionário, que foi distribuído em todas as escolas públicas da cidade e região, foi elaborado para um projeto mais amplo de pesquisa (projeto intitulado Práticas Pedagógicas e Processos Formativos de Professores na Área de Ensino de Ciências e Matemática, aprovado pelo CNPq, sob o Edital MCT/CNPq 02/2006 - Universal/2006 - Processo no. 486.080/2006-4) que propõe sub-pesquisas articuladas (sendo a nossa uma delas) com o objetivo de estabelecer um conjunto de subsídios para a reflexão sobre os processos de formação docente na área de ensino de ciências naturais e matemática, subsídios estes que contribuam para a introdução e estabilização de práticas inovadoras em Cursos de Licenciatura e Programas de Educação Continuada de Professores. Os projetos existentes, e os futuros, dentro deste Grupo de Pesquisas estão inter-relacionados mediante o estabelecimento de questões comuns de pesquisa, sendo objeto de diversas investigações paralelas, e contemplando diferentes áreas disciplinares (Física, Química, Biologia, Matemática, Ciências etc.), diferentes níveis de ensino (Educação Infantil, Fundamental, Média e Superior) e diferentes fases da profissionalização docente, com a abertura para o emprego de diferentes enfoques metodológicos, e tendo em vista o estabelecimento de triangulações de dados e a busca de sínteses teóricas.

Focando o nosso interesse em temas tais como as fontes de busca de informações pelos professores e suas dificuldades relacionadas ao trabalho docente, encontramos, nas respostas dos 64 questionários que foram devolvidos ao Grupo de Pesquisa, uma confirmação dos resultados encontrados em um estudo anterior que antecedeu a esta pesquisa (LANGHI, 2004). Por exemplo, das fontes principais que o professor utiliza para preparar suas aulas, o livro didático continua sendo a principal, seguida (em ordem decrescente de importância) pela internet, revistas, jornais e livros paradidáticos. É preocupante imaginar como os conteúdos de astronomia estariam sendo trabalhados quando baseados principalmente em livros didáticos, cujas páginas estão sujeitas a diversos erros conceituais sobre este tema (BARROS, 1997; BIZZO, 1996 e 2000; CANALLE, 1997; LEITE e HOSOUME, 1999; TREVISAN, 1997; LANGHI, 2007). Também há a preocupação com relação às práticas didático-pedagógicas destes docentes, uma vez que a principal estratégia didática apontada pelos professores da amostra foi a aula expositiva/explicativa “dialogada”.

Voltando-se a atenção para as principais dificuldades encontradas na prática dos docentes que responderam ao questionário, encontraram-se, além das enfrentadas em decorrência do comportamento/condições gerais (psicológicas e sociais dos próprios alunos), as dificuldades também com relação à escola e às condições materiais de trabalho do professor: falta de recursos financeiros e infra-estrutura da própria Escola/Estado como classes numerosas, laboratórios não apropriados sem disponibilidade de materiais, falta de estagiários para práticas laboratoriais, falta de material didático, escassez de salas de vídeo, sem condições para uso da internet e atividades em informática (falta de monitores). Há também dificuldades relatadas com relação às condições do professor enquanto “profissional da educação”, sua formação inicial ou continuada, e às condições concretas de trabalho, por exemplo, dificuldades como a falta de treinamento dos próprios professores para as aulas de laboratório, falta de espaço para estudo e elaboração de atividades (para os professores), falta de tempo para estudo devido à carga horária, de capacitação em serviço, insalubridade, baixos salários, despreparo do professor para lidar com novas tecnologias.

O questionário também solicitava sugestões de como as universidades poderiam ajudar os professores a enfrentar tais dificuldades, e a resposta predominante foi mediante o oferecimento de cursos. Em seguida, as respostas mais comuns foram a utilização de palestras, oficinas, orientações e sugestões, divulgação de trabalhos/pesquisas nas oficinas/escolas, e mais envolvimento das universidades com a intenção de prestação de ajuda, e não apenas para a realização de pesquisas ou coleta de dados.

A análise das respostas destes questionários mais gerais, associadas às respostas de outros questionários específicos relacionados à nossa pesquisa sobre a educação em astronomia, e que foram enviados através da Secretaria Municipal de Educação de Bauru, levou-nos à escolha de alguns conteúdos a serem trabalhados no curso que nós propomos sobre o ensino da astronomia na Educação Básica, porém, os encaramos apenas como sugestões e não como regras rígidas programáticas, pois como Garcia (1999) sugere, o conteúdo a abordar deve ser negociado com os professores participantes, de modo a não existir nenhum esquema inicial fechado, mas propostas de temas de estudo, decorrentes de um levantamento inicial de investigação, por meio do questionário pré-diagnóstico, que nos auxiliou a atrelar algumas idéias metodológicas da estrutura do curso com as considerações dos participantes. Além disso, a grande maioria dos professores que responderam os questionários não participou do curso. Aos que participaram, procuramos ajudar a se tornarem tanto consumidores críticos destas investigações como pessoas capazes de participarem na sua criação, tentando criar situações para que os alunos-mestres se sentissem à vontade para discordarem dos seus tutores, de acordo com Zeichner (1993), além de lhes permitirem uma atitude de negociação dos conteúdos a serem trabalhados no curso, preservando-lhes a autonomia (GARCIA, 1999).

Assim, os questionários foram de fundamental importância para a definição inicial de um planejamento de trabalho relativo ao curso. Os questionários, por sua vez, não podem ser elaborados sem considerar determinados procedimentos metodológicos. Segundo a classificação proposta por Gil (1991), utilizamos o questionário do tipo auto-aplicado, em que é entregue ao pesquisado para ser respondido de próprio punho. Optamos pelo uso deste instrumento no primeiro momento de nossa pesquisa por uma série de características, algumas das quais expostas pelo mesmo autor: possibilita atingir um número maior de pessoas em relação a outros instrumentos; garante o anonimato das respostas; permite que sejam preenchidos em momentos convenientes para a própria pessoa; não expõe os pesquisados à influência das opiniões e do aspecto pessoal do pesquisador; favorece a tabulação e análise dos dados. Porém, estamos cientes de algumas limitações deste instrumento: impede o auxílio ao pesquisado quando este não entende corretamente as perguntas; impede a compreensão das circunstâncias em que foi respondido; não há garantia de que a maioria o devolva devidamente preenchido; proporciona resultados críticos em relação à objetividade, pois os itens podem apresentar significado diferente para cada sujeito pesquisado.

Assim, procuramos elaborar as questões seguindo algumas observações essenciais apresentadas por Gil (1996): as questões devem ser específicas ao problema a ser estudado; devem ser formuladas de modo claro, concreto e preciso; devem possibilitar uma única interpretação; não podem sugerir respostas; não devem provocar resistências, antagonismos, preconceitos, ou ressentimentos; devem se referir a uma única idéia de cada vez; o número de perguntas deve ser limitado de acordo com o perfil do participante; as perguntas iniciais são mais simples que as últimas; cuidados especiais com relação à apresentação gráfica do questionário devem ser tomados em conta, visando facilitar o seu preenchimento; o questionário deve conter uma breve introdução que informe acerca da entidade, das razões da pesquisa e da importância das respostas sinceras; o questionário deve conter instruções sobre o correto preenchimento das questões.

Também usamos como referência para a elaboração de nossos questionários, os trabalhos de Garrido (2007), que identificou relações entre a formação inicial e continuada e as concepções e carências que orientam a prática profissional e seus obstáculos, bem como uma forte influência no desempenho dos docentes a partir do ensino de seus próprios professores e da formação que receberam, reproduzindo-os em seu trabalho profissional.

A partir das respostas dos questionários diagnósticos pré-curso (o modelo utilizado se encontra no apêndice 01, clicando aqui) que apontaram para as necessidades formativas gerais de 87 professores em relação à educação em astronomia, planejamos dez encontros coletivos com alguns deles (cujos métodos de seleção e outros detalhes serão explanados nos capítulos posteriores).

 

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.