1. A evolução: ideia e mecanismo

Delimitação do conceito de Evolução:

O conceito de evolução é, para Darwin, entendido no âmbito das ciências da vida. É certo que o subtítulo da sua obra mais significativa, a saber, “A Origem das Espécies por meio de selecção natural , ou a preservação das raças favorecidas na luta pela vida" é equívoca. Poderíamos ser levados a pensar que Darwin partilhava inteiramente as ideias de Thomas Malthus sobre o crescimento populacional e, sobretudo, os meios para o controlar; ou que Darwin aceitava a perspectiva de Herbert Spencer sobre «a sobrevivência do mais apto» e as consequências morais desta; ou ainda que partilhava as teorias eugénicas do seu primo Francis Galton.

Dos autores anteriores citados, Darwin aproveitou a ideias de Malthus sobre a competição e generalizou-a a ideia a toda a natureza, reconhecendo que uma “terrível mas silenciosa guerra” se travava diariamente pela sobrevivência. Este aspecto levou Darwin a perceber por que motivo a variabilidade existente era importante: indivíduos com características mais úteis deixariam, em média, mais filhos e viveriam, em média, mais tempo, passando essas características úteis à sua descendência. «Trata-se de uma competição!», escreveu Darwin, «em que um grão de areia chega para virar a balança». A competição promove o aumento do número de indivíduos com características vantajosas, porque são os organismos mais bem adaptados ao ambiente que tendem a sobreviver e reproduzir-se, transmitindo à sua descendência tais características adaptativas. Não existe nenhuma valorização moral ou extrapolação para as teorias eugénicas do seu primo Francis Galton, mas apenas uma constatação.

Portanto, tal extensão da natureza e do domínio próprio da evolução às sociedades e características, tal como é entendido sob a designação de Darwinismo Social, constitui uma perspectiva nunca aceite pelo próprio Darwin. Na verdade, os historiadores e filósofos contemporâneos têm demonstrado que Darwin se insurgiu - na vida e na obra - contra a escravatura, o racismo e qualquer tratamento desumano. A sua visão humanista e bondosa fê-lo inclusive deixar de caçar, pois compreendeu a força e a beleza da vida na Terra.

Assim sendo, o conceito de evolução é, para Darwin, sinónimo de evolução biológica - cujo significado é, em sentido estrito, «descendência com modificação». Tal inclui a evolução em pequena escala (alterações na frequência de um gene numa determinada população, de uma geração para outra) e a evolução em larga escala (a descendência a nível de diferentes espécies a partir de um ancestral comum, ao longo de várias gerações).

O conceito de evolução alcançou o seu estatuto científico com a obra "Origem das Espécies" de Charles Darwin, publicada em 1859. As bases lançadas por Darwin foram reforçadas e complementadas pelas descobertas posteriores e, sobretudo, pela Síntese Evolutiva Moderna. Actualmente, a evolução é encarada simultaneamente como uma teoria e um facto. Constitui uma das principais teorias das áreas da Biologia, da Genética e da Paleontologia e mantém-se como um paradigma actual. A teoria da evolução é, assim, uma explicação científica que nos ajuda a compreender a história da vida na Terra e o surgimento da diversidade de formas de vida.

Figuras (da esquerda para a direita): Uma página de um dos cadernos de apontamentos de Darwin; capa de uma edição ilustrada da obra-prima de Charles Darwin (comemorativa dos 150 anos da sua publicação); e uma imagem evocativa da viagem de Darwin no HMS Beagle e a sua consagração como naturalista.

Desde a sua publicação, a obra "A Origem das Espécies" (1859) esteve envolvida em diversas polémicas, quer pelas evidências apontadas por Darwin no sentido de uma origem inteiramente natural e racional da diversidade das formas de vida na Terra (prescindindo, neste aspecto, de uma explicação religiosa), quer pela questão de todas as formas de vida serem aparentadas (colocando o ser humano ao nível das demais espécie e tornando os primatas como nossos "primos" na árvore da vida).

Figuras : Caricaturas de Darwin, datadas da sua época (1872, 1874 e 1871, respectivamente).

Na legenda original da caricatura à direita, o gorila, chorando, afirma: "O homem quer reclamar o meu pedigree. Diz que é um dos meus descendentes."

Bergh (o fundador da Sociedade para a Prevenção da Crueldade contra os Animais) replica: "E agora, sr. Darwin, como o pode insultar desta maneira?"

Podemos observar que o aspecto mais controverso da sua teoria são as implicações desta para o estatuto do humano. Primeiramente, Galileu destronou o nosso planeta do centro do Universo; agora, Darwin, retirava o próprio Homem do centro da Criação.

Explicação do conceito de evolução:

A evolução biológica não é uma questão abstracta de mudança através dos tempos, antes implica alterações em que determinadas características são transmitida às novas gerações. Muitos acontecimentos têm lugar: as árvores de folha caduca perdem a sua folhagem; as montanhas sobem e sofrem erosão; as estações do ano sucedem-se… mas nem todos estes acontecimentos podem ser denominados, em sentido estrito, evolutivos. Ainda assim, os aspectos geológicos, como a antiguidade da Terra e as condições em que a vida surgiu e se desenrola são importantes para a compreender.

Figura (à esquerda): As montanhas formam-se segundo processos naturais, após longos períodos de tempo em que se vão elevando.

Figura (à direita): As folhas das árvores, em algumas espécies, mudam de cor e caem após algumas semanas, para voltarem a crescer noutra estação.

Para Darwin, a diversidade das formas de vida ocorreu sobretudo através do mecanismo de selecção natural (uma espécie de "peneira" que filtra os organismos melhor adaptados às condições existentes em certo período); é gradual e lenta; e todas as formas de vida na Terra partilham um ou vários antepassados comuns. Através de um processo de «descendência com modificação», o ancestral comum deu origem a uma enorme variedade de formas de vida, incluindo a criação de novas espécies e a extinção de muitas outras, sendo que algumas podem ser observadas actualmente e outras se encontram preservadas no registo fóssil.

Figura (à esquerda): Após grandes períodos temporais, a evoluçãoproduz novas espécies e contribui para a diversidade da vida.

Figura (à direita): A árvore genealógica ilustra as modificações ocorridas num curto período de tempo no seio de uma família.

A selecção natural como mecanismo da evolução

A selecção natural é um dos processos segundo os quais opera a selecção natural, a par da mutação, da migração e da deriva genética. Para compreendermos com actua, vejamos o seguinte exemplo numa população de escaravelhos:

1. Há variação nas características observáveis dos indivíduos de uma população. Por exemplo, alguns escaravelhos são verdes e outros são castanhos.

2. Há reprodução diferenciada.

Por exemplo, os escaravelhos verdes são mais visíveis no seu meio e tendem a ser comidos em grande quantidade pelos pássaros, pelo que poucos sobrevivem. Portanto, estes geram menos descendentes do que os escaravelhos castanhos.

3. Há transmissão de características hereditárias. Por exemplo, os escaravelhos castanhos têm filhotes de cor castanha, uma vez que esta é uma característica dominante a nível genético, que é transmitida de pais para filhos.

4. Há alterações significativas em algumas características da população, após algum tempo. Por exemplo, a característica mais vantajosa por permitir uma melhor camuflagem no seu habitat (a coloração castanha) torna-se predominante nesta população. Se as condições do meio permanecerem inalteradas, todos os indivíduos serão castanhos após algumas gerações.

Resumidamente: EVOLUÇÃO = VARIAÇÃO + HEREDITARIEDADE + SELECÇÃO + TEMPO

Fonte: http://evolution.berkeley.edu/evosite/evohome.html

HISTÓRIA DO PENSAMENTO EVOLUTIVO

Para saber mais, siga a ligação:

http://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/0_0_0/history_01

DEPOIS DE DARWIN: Genética e Síntese Evolutiva

- Gregor Mendel (1822- 1884) descobriu as leis da hereditariedade através do cultivo, cruzamento e análise da descendência das ervilheiras.

- August Weisman (1834 -1914) ficou famoso por cortar as caudas a milhares de ratinhos e demonstrar que a lei do uso e desuso de Lamarck estava errada, pois a descendência dos ratos amputados nasceu sempre com cauda.

-Thomas Morgan (1866-1945) criou uma “sala de moscas” (Drosophila ou mosca-da-fruta) e demonstrou experimentalmente que os genes são entidades físicas que estão localizados nos cromossomas.

- Oswald Avery (1877-1955) e colaboradores descobriram que os cromossomas são uma mistura complexa de ADN (Ácido Desoxirribonucleico) e proteínas. Contudo, como é que uma molécula aparentemente simples contém e transmite a informação?

- Em 1953, o biólogo americano James Watson e o físico inglês James Crick descobriram a estrutura da molécula de ADN. O ADN forma uma espiral dupla, composta por duas cadeias complementares, entrelaçadas. Este determina as características transmitidas dos progenitores à descendência. Mas a linguagem da vida (ainda) está codificada...

- George Gamov (1904-1968) percebeu que se 20 é o número de “palavras” (aminoácidos) que o código genético tem de escrever e 4 é o número de “letras” (bases) disponíveis, cada conjunto de 3 letras forma uma palavra genética.

Em direcção à síntese moderna: A hereditariedade, o enigma que Darwin não conseguiu explicar, foi resolvida nas primeiras décadas do séc. XX. Os descendentes herdam traços de ambos os progenitores na forma de genes. Contudo, reapareceu nesta altura uma vigorosa oposição científica à teoria de Darwin, pois embora reconhecessem a realidade da Evolução, muitos biólogos opunham-se à ideia de que a selecção natural se processa de forma gradual.

Foi necessário o trabalho de vários cientistas na 2ª metade do séc. XX para haver a reconciliação da Genética com a teoria da evolução proposta por Darwin. Eis os principais mentores dessa síntese:

- Roland FISHER (1890-1962): Quando a Genética reinventou a estatística.

- John HALDANE (1889-1988): A vida à luz da matemática. Aplicou a análise matemática a casos do mundo natural.

- Sewall WRIGHT: O mecanismo do acaso. Propôs um novo mecanismo para a evolução: a Deriva Genética.

-Theodosius DOBZHANSKY: A síntese moderna. Publica "A Genética e a Origem das Espécies" (1937) dando um novo alento à teoria.

- Ernst MAYR: as espécies e a geografia. Definiu geneticamente o conceito de espécie.

- George SIMPSON: os grandes padrões. O paleontólogo aplicou técnicas estatísticas aos registos fósseis.

- G. Leynard STEBBINS: a evolução verde. Escreveu em 1950 a obra "Variação e Evolução nas Plantas".

CONCEITOS ESSENCIAIS

O conceito de evolução (aqui limitado ao âmbito da Biologia e da Genética),opõe-se à imutabilidade das espécies e ao pré-formismo (a ideia de que os embriões ou juvenis mais não são do que adultos em miniatura). Implica a ideia de que os organismos se têm transformado ao longo dos tempos, que existe uma mudança nas formas de vida - que é permanente e, talvez, direccional.

Opõe-se igualmente ao essencialismo, a perspectiva de base filosófica que remonta a Platão e que considera que cada indivíduo é uma cópia ou reflexo de uma Ideia, da qual participa, mas apenas a Ideia ou Forma é eterna, perfeita e imutável. Assim, por exemplo, os cavalos existentes não seriam senão manifestações do Cavalo (como Ideia ou Forma), sendo que este equídeo teria então uma forma arquetípica e uma essência permanente e, portanto, não poderia evoluir. Como consequência, dentro destes paradigmas é difícil compreender a diversidade das formas de vida como estando em constante transformação, o que implica a ligação a ancestrais e a formas intermédias que pouco se pareceriam com os animais actuais.

Figura: A evolução do cavalo.

Quanto ao mecanismo da evolução, Darwin apontou para a selecção natural.Actualmente, a selecção natural é encarada como um processo em duas etapas: 1) a produção de indivíduos geneticamente diferentes; 2) o sucesso desses indivíduos na sua sobrevivência e na reprodução.

Este processo, inteiramente natural - não intencional ou teleológico (i.e., sem uma finalidade pré-determinada) - , representa a rejeição da intervenção do «relojoeiro divino» de William Paley: a selecção natural é totalmente «oportunista» e uma grande «engenhocas» (G. G. Simpson). O acaso é um aspecto importante numa teoria da multiplicação/ variabilidade das espécies, quer para a produção de novos indivíduos, quer no processo probabilístico de determinação do sucesso reprodutivo desses indivíduos: não é necessária a intervenção divina, nem existe uma causa final, direcção ou destino para a vida nas suas diversas formas.

Actualmente, a selecção natural é encarada como a "peneira" que actua após a ocorrência de processos de ordem genética como a mutação ou a hereditariedade.

Ora, se a evolução é um facto e, portanto, consensual entre os cientistas, já o mecanismo desta apresenta algumas teorias divergentes (o que é um bom sinal no campo científico, anti-dogmático por natureza).

Segundo Darwin, a transformação evolutiva ocorre gradualmente, não através de "saltos", isto é, não há descontinuidade entre as gerações: é o denominado gradualismo. Em A Origem das Espécies escreveu: «Como a selecção natural só age através de acumulação sucessiva de pequenas variações favoráveis, não pode produzir modificações grandes ou repentinas. Daí a frase canónica ["Natura non facit saltum"] (...) a natureza é pródiga em inovação e parca em inovação». Ainda na época de Darwin, o seu amigo e defensor Thomas H. Huxley considerou que este «se embaraçou com uma dificuldade desnecessária ao adoptar Natura non facit saltum tão incondicionalmente. Creio que, de facto, a natureza faz pequenos saltos.» (Carta a Darwin, 23/Nov./1857).

Entre o Gradualismo e o Saltacionismo existem teorias como o "Equilíbrio pontuado" de Stephen Jay Gould.

Figura: Esquema das três principais hipótese explicativas da evolução.

- Para saber mais, consulte a informação sobre a colecção "Fundamentos e Origens do Evolucionismo" na página do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa no site: http://cfcul.fc.ul.pt/publicacoes/col_evolucao.htm