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"Se a finalidade de toda a educação é tornar o educando autónomo, não é menos verdade que a liberdade se aprende."

(Maria Amália Borges Medeiros, 1960)

MARIA AMÁLIA BORGES DE MEDEIROS (1919 – 1971)

Maria Amália Borges de Medeiros foi uma mulher notável do século XX. Democrata, progressista, antifascista, foi uma das mais importantes pedagogas portuguesas, e uma das mais destacadas impulsionadoras e divulgadoras dos métodos pedagógicos da “Escola activa”. 

Foi membro fundador da Liga Portuguesa dos Deficientes Motores e trabalhou como psicóloga nesta instituição e no Centro de Paralisia Cerebral. Ajudou a fundar, em 1955, o Centro Infantil Helen Keller (invisuais), de cuja escola foi directora durante cerca de oito anos. Perseguida pela PIDE, presa, proibida de ensinar ou dirigir qualquer colégio, viu-se obrigada a abandonar o país, quando tinha já um papel de relevo na revolução pedagógica que preconizava para o ensino em Portugal. No Canadá pôde prosseguir as suas pesquisas no campo do ensino (particularmente, o de adultos) e foi professora de Pedagogia. Durante vários anos esteve impedida de entrar em Portugal. Só lhe foi permitida a entrada depois de se ter naturalizado canadiana.

1.Nasceu em Lisboa, a 14 de Fevereiro de 1919. Recebeu uma educação que se ajustava às exigências da classe média e alta do seu tempo, realizando os seus estudos primários e secundários com professores particulares. Em 1942/1943 licenciou-se na Faculdade de Letras de Lisboa e, três anos mais tarde, obteve o diploma de ensino especial para crianças deficientes do Instituto Aurélio da Costa Ferreira, vindo a trabalhar como psicóloga em clínicas de pedopsiquiatria e na orientação pedagógica de estabelecimentos de ensino para crianças deficientes ou com perturbações de desenvolvimento. Já nessa altura, Maria Amália manifestava uma grande preocupação social e considerava que o problema da cultura "poderia ser integralmente resolvido somente quando os problemas de subsistência fossem reduzidos a um mínimo''. 

Assim que acaba a sua licenciatura ( 1943), desempenha funções docentes em diferentes instituições educativas no país. Durante esse período, continua a desenvolver uma actividade política intensa, chegando a fazer parte do Conselho de Mulheres do Movimento de Unidade Democrática (MUD). Esteve detida entre 4 de Maio e 18 de Junho 1949 pela polícia política do regime de Salazar, no forte de Caxias, tendo sido proibida de ensinar ou dirigir qualquer colégio.

A partir de 1954 iniciou a sua colaboração com o prestigiado democrata, psiquiatra e psicanalista João dos Santos. Foi com ele, com Margarida Mendo e outros, que ABM colaborou na secção de Higiene Mental do Centro de Assistência Materno Infantil (Centro Sofia Abecassis) e que organizou os dois primeiros centros psicopedagógicos em Portugal (um na Voz do Operário, outro no Colégio Moderno). Nesse ano, ABM fundou com João dos Santos e Rosa Benfeitor o Colégio Eduardo Claparède de ensino especial (onde, em 1955, iriam criar o Centro de Recuperação Visual e as primeiras classes de amblíopes, que contaram com a colaboração de Cecília Menano, Maria Luísa Torres Pires e Isabel Pereira).

ABM foi um dos membros fundadores da Liga Portuguesa dos Deficientes Motores e trabalhou como psicóloga nesta instituição e no Centro de Paralisia Cerebral. Em colaboração com João dos Santos e Henrique Moutinho, ABM fundou, em 1955, o Centro Infantil Helen Keller, de cuja escola foi directora durante cerca de oito anos. Aí se iniciou uma experiência genuinamente original de ensino integrado de crianças cegas, amblíopes e de visão normal, orientando-se as práticas educativas pelas técnicas Freinet, de que Maria Amália foi porventura a introdutora em Portugal.

Foi também professora de psicologia da criança no curso de educadoras de infância da Associação dos Jardins Escolas João de Deus.

2. Em 1958, descobre as técnicas de Célestin Freinet, que o Estado Novo tinha deixado deliberadamente apagadas. O regime de Salazar era contrário à disseminação de ideias pedagógicas inovadoras, tais como as referidas técnicas, e o trabalho de Maria Amália, na década de 50, constitui assim uma das mais significativas contribuições na área da educação em Portugal, ao conseguir escapar às limitações e condições do regime.

"Frustrada por uma educação autoritária contra a qual me rebelei desde que eu própria tenho consciência; deslumbrada com os princípios da educação nova, que descobri ao sair da adolescência, tentei sempre, através da minha acção profissional partir do aluno, proporcionando-lhe actividades à sua medida e transformar a escola naquele meio ideal de trabalho interessante e fecundo. ... Foi o contacto com Célestin Freinet, a teoria do "tâtonnement experimmental", o conceito de trabalho-jogo, o método natural de aprendizagem e, sobretudo, a técnica do texto livre, que verdadeiramente me fizeram compreender, e viver, como partindo da criança, confiando nele, deixando-o exprimir-se, realizar-se, criar, se podiam alcançar os objectivos fundamentais de uma escola..." 

Maria Amália acreditava que havia quatro factores necessários para a implementação pratica da pedagogia de Freinet:

1) uma nova atitude por parte do educador,

2) novo material que correspondesse às novas condições de trabalho,

3) o problema das relações da escola com o meio, e

4) uma nova organização escolar, baseada no trabalho cooperativo entre alunos e professores.

A experiência no Centro Infantil Helen Keller constitui o reflexo do esforço de Maria Amália para concretizar estes factores.

Nas suas próprias palavras, a pedagoga explica: "O que me parece importante que seja entendido, é que a escola activa, a escola viva, parte de uma total revolução da orientação pedagógica. Não é com remodelações de programas mais ou menos bem estruturadas, nem com a introdução de novas disciplinas ou técnicas audiovisuais ou de concretização dos conhecimentos que esse objectivo de consegue”.

3. No ano lectivo 1961/1962, Maria Amália instala no sótão da sua casa (uma vivenda na rua Maria, aos Anjos, em Lisboa) uma pequena escola primária com um número reduzido de alunos, destinada a alunos sem deficiências visuais. O projecto tinha como objectivo criar um colégio particular ao que daria o nome de Irene Lisboa. Por razões políticas nunca viria a conseguir autorização para tal. Mesmo assim, a “escolinha” pôde continuar a funcionar, pois estavam legalmente dispensados da autorização escolas para os grupos com menos de quinze alunos.

Esta escolinha iria ser a primeira escola Freinet em Portugal. Aqui tinham lugar reuniões de educadores e professores adeptos e empenhados na luta por uma escola activa. Aqui se fazia formação e se reflectia sobre as metodologias e práticas inovadoras no ensino.

Sob a orientação de Maria Amália, as técnicas de Freinet e a filosofia que as sustentam, tiveram plena aplicação não só na escolinha, como também no Centro Infantil Helen Keller.

MAB foi também uma referência na fundação do Jardim Infantil Pestalozzi. Juntamente com o Centro Infantil Helen Keller, estas escolas fizeram parte do primeiro núcleo de escolas Freinet. Testemunho desta ligação e partilha é a correspondência escolar entre as crianças das duas escolas.

Maria Amália Borges defendeu sempre uma pedagogia activa. Segundo ela o aluno só aprendia “ fazendo, tacteando, explorando, agindo, construindo e descobrindo o mundo que o cerca e novas formas de expressão e acção.”

4. Em 1963 Maria Amália Borges de Medeiros parte para o Canadá, recomendada pelo próprio Freinet, onde lhe ofereceram óptimas condições, permitindo-lhe a ela e ao marido escapar à perseguição do regime em Portugal. O seu marido, que em Portugal era professor de filosofia, fica desempregado durante algum tempo. O primeiro emprego que consegue é como tradutor de Inglês para Português de emissões de rádio difundidas no Brasil. Mais tarde obtém colocação no Colégio onde a mulher trabalhava. 

Depois, MAB iria ser professora de pedagogia na Faculdade de Ciências de Educação da Universidade de Montreal. Foi também membro fundador da “Association Québécoise pour L'Éducation Active” e conselheira técnica e titular da redacção de uma revista psicopedagógica, tendo participado activamente no movimento de renovação pedagógica que se processou na província do Québec nos anos 60. A função docente colocou-a perante um novo desafio: a educação de adultos (professores ou futuros professores do ensino técnico). 

Durante vários anos esteve impedida de entrar em Portugal. Só lhe foi permitida a entrada depois de se ter naturalizado canadiana.

A preparar o doutoramento em França deslocava-se com frequência à Europa e sempre que possível a Portugal. Em Abril de 1968 fez duas conferências no Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian que foram publicadas com o título "O papel e a formação dos professores". Em 1971, regressa a Portugal já doente e morre de cancro da mama nesse mesmo ano. A sua tese de doutoramento, que não chegara a terminar (devido à sua morte prematura), foi completada e publicada (em 1975) por uma aluna sua.

Maria Amália faleceu aos 52 anos de cancro da mama em Lisboa.

5. O trabalho implementado por Maria Amália é considerado como precursor daquilo a que hoje se chama o Movimento da Escola Moderna, que cresceu sobretudo com Sérgio Niza.

Em 1993 é aberto o Centro de Formação Maria Borges de Medeiros, que opera na Escola Secundária José Gomes Ferreira em Benfica, Lisboa.

Em 1997, no XIX Congresso da Escola Moderna realizado em Lisboa, Rogério Fernandes apresenta um trabalho seu de pesquisa «Movimentos de inovação pedagógica no Portugal contemporâneo : Maria Amália Borges e a integração educativa em meados do século».

“As três faces da Pedagogia”, Livros Horizonte, 1975, é a obra escrita emblemática e bastante divulgada desta pedagoga. Publicou, também, “O papel e a formação dos professores, 1970, Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Gulbenkian”.


Retirado de www.facebook.com/Maria.Amalia.Borges.Medeiros

Fonte: “Dicionário de Educadores Portugueses”, (Direcção de António Nóvoa, Edições Asa, 1ª Edição, Outubro de 2003, Pág. 909 e 910).