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Quem já viu MULAN, filme da Disney dirigido por Niki Caro, certamente não deixou de se impressionar com a direção de arte, as cenas épicas de batalhas e a riqueza do roteiro. Mas cabe aqui abrirmos um parênteses pois a história [ou lenda] original de MULAN é bem menos romântica e diferente, tanto da animação da Disney de 1998, quanto do novo filme de ação ao vivo.
A versão impressa mais antiga que se tem registro foi apresentada pela primeira vez em uma antologia chinesa de poemas do século 12, conhecida como a Balada de Mulan. É um pequeno poema que se acredita ter nascido a princípio como um conto popular no século IV ou V [devido às referências à dinastia Wei do Norte, que durou até o início do século VI].
Neste texto original, mesmo com um enredo simplificado do conto com o qual muitos estão familiarizados (sem o dragão falante introduzido no filme de animação, é claro), o pai de MULAN é chamado para ajudar a defender o "Império do Meio" da invasão mongol eminente. Embora o poema original não descreva seu pai como velho ou doente - como as versões posteriores faziam -, mas por não ter filhos para enviar como representante da casa, MULAN acaba tomando seu lugar. Após 12 anos lutando na Guerra, MULAN retorna para sua cidade natal, general enaltecida por seus companheiros, que só então descobrem seu segredo e ficam chocados ao saber então que aquele soldado tão destemido e exemplar é na verdade uma mulher.
Uma pintura de Mulan
em seda do século XVIII.
Cortesia da Wikimedia Commons
O poema termina exatamente com esta quadra que ilustra a isonomia de gêneros na voz de MULAN:
Independente de qualquer adaptação a lenda de MULAN é popular na China há pelo menos 1.500 anos e já gerou filmes, peças, óperas, romances e videogames, cada um com sua própria versão da história de uma mulher que se juntou ao exército chinês disfarçada de homem para defender a honra da família.
Deixando de lado a licença poética e o fato do filme ter sido execrado na terra natal da lenda, sofrendo muitas críticas quanto às escolhas estéticas do filme - como figurino e arquitetura, que não batem com o período -, a força desta adaptação para nós reside essencialmente no fato do filme conseguir transmitir a mensagem essencial da história de MULAN: a força feminina por trás da espada.
Logo no início do filme, ao perceber que MULAN teria muito "QI“ [Chi | 氣], a família se empenha em camuflar sua energia efervescente e em desviar sua atenção das artes marciais para o casamento, único destino das meninas da época.
Ainda assim, MULAN não tinha como negar sua verdade interna, que emergia incessantemente à consciência, fruto, por certo, da sua prática constante das artes marciais. Na lenda original, MULAN lutou lado a lado com todo o exercito imperial por mais de 10 anos, sem ter sido desmascarada. Já com a patente de general, ao se preparar para uma batalha muito difícil, MULAN resolve entrar no campo de batalha com suas roupas femininas, para que todos soubessem quem ela realmente era. A reação foi de supresa, mas também de admiração, respeito e reconhecimento por suas habilidades militates, bravura e sabedoria.
O live action de MULAN merece ser visto também porque a diretora neozelandesa Niki Caro tem em seu currículo outro filme de empoderamento feminino. A Encantadora de Baleias [2002] - baseado no livro de mesmo nome, de Witti Ihimaera - conta a história de Paikea Apirana [Keisha Castle-Hughes], uma menina nascida em uma tribo Maori, que revela habilidades incomuns que a levarão a ser a primeira líder mulher de sua comunidade, responsável por guiar sua tribo de volta ao equilíbrio - não antes, claro, de trilhar todo o ciclo de sua Jornada do Herói.
Tal como Paikea, MULAN enfrenta o conservadorismo do pai para poupá-lo e assim poder defender não só a honra da família, mas também o Imperador na guerra.
O que a história de MULAN ensina a nós mulheres praticantes marciais do século XXI?
Reforça e não nos deixa esquecer que hoje já avançamos muito na conquista de nosso espaço no mundo e na sociedade, e que também não somos mais totalmente estrangeiras no universo das artes marciais, cabendo apenas a nós mesmas dar o primeiro passo para trilhar o caminho do conhecimento, do domínio de nossa energia interna e do apaziguamento da mente, por meio da prática constante e diligente do Taijiquan [Taichichuan]. Acolher e empunhar a nossa prática, assim como MULAN acolhe seu QI e empunha sua espada.
Muito QI para tod@s nós!
Você pode assistir ao filme Mulan [2020]
no canal de streaming Disney+.