UkranArtes

As balas atravessam-nos o corpo, dilacerem-nos a alma enquanto a matéria profunda continua o seu caminho. Loucos estes humanos que se pensam libertos da viagem. Entendam que os corpos são a mais bela poesia de um intervalo cósmico onde a união das energias se agregou num instantâneo lapso fugaz, momento de descanso desta transição orbital e cosmológica. Aproveitem bem o recreio e deixem a matéria amar-se, não se desfragmentem por favor!

Er

Projeto UkranArtes

Este projeto visa contribuir para a sensibilização aos horrores da guerra, nomeadamente na invasão da Ucrânia em 2022. Com a expressão de várias pessoas, sejam artistas plásticos, como pintores, escultores, fotógrafos ou ainda escritores, poetas, etc, pretende-se mostrar como cada um de nós pode contribuir com os seus sentimentos a que não somos ou passamos alheios.

Er'22

Carlos Mendes Arte

Rússia a dar tiros nos pés

30X30X40cm

Maio de 2022

António Grosso

Amanhã vai ser outro dia

Ela fugiu, ele fugiu, eles fugiram

Da guerra, da morte

Buscando vida, buscando sorte

Querendo paz

Caminharam, caminharam

Não precisavam de olhar para trás que ainda viam a morte, os corpos, as bombas

E caminharam ainda, arrancando forças de dentro do peito, do coração, do pensamento, do desejo, dos músculos todos

E caminharam ainda, tal era a coragem, tal era a superação

E chegam a outros povos

Todos juntos

Querendo paz


Ah se um dia todos juntos souberem quanto valem

Os que fugiram e os que ficaram

Se um dia a enorme qualidade dessa quantidade de gente souber...

Então, sim,

(citando Chico Buarque)

"Vai ser outro dia!

Eu pergunto a você como vai se esconder da enorme euforia"

"Apesar de você"!!, seu estúpido senhor da guerra

Apesar de vocês, oh senhores da guerra

"Amanhã vai ser outro dia"!!


Maio de 2022

Ana Freitas


e agora?


já não tenho olhar

perdi-o entre os escombros das

cidades e aldeias desencadas

violaram o meu olhar com o

sangue dos mísseis os

gritos das bombas a

trepidez dos tanques

esmagaram o meu olhar com as

lágrimas da partida com a

dor do ficar ir voltar com a

perda dos filhos

queimaram o meu olhar com as

filas nevadas intermináveis da fuga com os

vidros estilhaçados em creches e hospitais com o

rapto de mulheres e crianças

cegaram o meu olhar

já não tenho para onde olhar

já não tenho olhar

e agora?



Lisboa, 17 de Março de 2022

Ana Freitas


Hoje fiquei estarrecida!

Assolou-me a indignação. A guerra começou na Ucrânia, Europa. Estamos no século XXI. Manchámos a limpidez deste século! Quem intolera a liberdade?

Nunca estive em Kiev. No entanto, hoje vi-me num búnquer em Kiev. Num daqueles inactivos desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Há setenta anos. Há cento e oito anos começava a 1.ª Guerra Mundial. Nada tendo resolvido sim, as guerras nunca resolvem nada decorridos vinte e cinco anos, estávamos na 2.ª Guerra Mundial.

O som dos canhões metralha o silêncio sepulcral que respiramos. Tenho medo. Apesar da distância, tudo é tão perto. Não há distância para a guerra. Nunca houve. Ainda que haja. A guerra é guerra, por mais que seja santa, canta Fausto Bordalo Dias. Santa ou outra coisa qualquer. A guerra nunca tem razão. A violência sobre qualquer ser humano, seja ela de que forma for, também não. O direito de existir e de ser é o próprio ser humano.

Aqui tudo é mais simples, ainda que não seja simples. Porque não estou em Kiev. Aqui respiro a luz do Sol. Tal como ele, livre acordo.

De voz embargada, trémula e fraca, clamo a liberdade como um pedinte pede pão.


Lisboa, 18 de Março de 2022

Er

Calçada dilacerada

Março de 2022

Que mistério tão grandioso que das pedras e da lama

se fez a vida.

Tudo se erguerá com mais força e beleza depois da queda,

da aparendizagem e do crescimento!

Er

António Correia


Regresso ao campo


Sei bem que é utopia e sei também

que o suor é que faz medrar o pão,

mas só sabe o que é fome quem a tem

como o melro no meio de um nevão.


É tempo de pensar que é urgente

arrotear os campos, semear

milho, trigo e centeio; simplesmente,

antever que não haja pra importar!


Pandemia e a guerra na Ucrânia,

a fome vem aí! É utopia,

mas sonho em meu País uma espontânea


Adesão à ideia do semeio

da terra inculta! O pão de cada dia

assegurado sem nenhum receio!


Casa da Poesia, 1º de Maio de 2022

António Correia


A barbárie será vencida


Como ave de asa ferida,

já não voo nem canto; meu pio

é triste e incapaz de entender

o porquê da floresta a arder.


Sinistra mão, de tocha erguida,

tudo incendeia e há um rio

de lágrimas e sangue, a correr

nos rostos da angústia - essa dor

sem tamanho onde o sonho se afoga.


Tanta vampírica ganância

brandindo apocalipses! O horror

sem limites é a droga

dos tiranos!


O novo Hitler, na ânsia

de ser maior que seus insanos

ídolos, junta à peste a guerra

e semeia a fome!


Não matará porém

a alma de quem

ama a liberdade!


O clamor é enorme

por toda a terra

e a solidariedade

também!


A barbárie será vencida!


Lisboa, 5 de março de 2022

Anónimo

Rua de São Nicolau

Abril de 2022

Jorge Castro

Contra a Guerra de Agressão


Todos temos o direito a defendermo-nos. Ninguém tem o direito de agredir.

não se me dá desta guerra

ou de outra guerra qualquer

nas mãos ficam-me pungentes

os cravos das incertezas

cravados a feros golpes

pelos donos da razão

falas-me de heróis semimortos

alinhados nas paredes

que se vão crivar de balas

dos corpos já trespassados?

falas-me de outras crianças

que brincam com estilhaços

manchados da cor estranha

do sangue das suas mães?

falas-me das mãos decepadas

dos artistas militantes

entre arroubos de Guernica

ou de rosas de Hiroshima?

de que nos valem razões

na sem-razão de uma guerra?

numa baioneta de ódio

que sangra um coração moço?

num míssil cobardemente

lançado à vida que passa?

nos tanques tão couraçados

contra a flor que desponta?

em comboios de degredo

numa terra de ninguém?

nesse sangue derramado

por todos e de ninguém?

que serve aos senhores da guerra

mas não serve a mais ninguém?

não se me dá desta guerra

ou de outra guerra qualquer

que serve aos senhores da guerra

mas não serve a mais ninguém!

01 de Março de 2022