O ritmo alucinante da devastação da Amazônia, a ameaça crescente aos povos originários e a intolerância religiosa. Esses temas perpassam o espírito dos quatro artistas que lançam, no dia 1 de julho, o EP The••Websters. Com improvisações livres, as músicas expõem paisagens sonoras da natureza, entre cenários que vão de cantos dos indígenas guarani, sinos do Mosteiro de Montserrat, na Espanha, sons da natureza e instrumentos acústicos. O EP contém duas músicas, com distribuição pela Tratore nas plataformas de streaming. Também será lançada uma edição limitada em vinil transparente (compacto 7”).
O grupo colaborativo é formado pelos artistas e jornalistas Roger Marza, Nicolau Centola, André Borges e pelo designer e artista plástico William Hebling. Além da amizade que os liga há 22 anos, o projeto teve início quando André foi cobrir o Acampamento Terra Livre, em Brasília, em abril de 2022, para o jornal O Estado de S. Paulo. A manifestação, que reuniu mais de 200 etnias indígenas do País, teve como objetivo defender os direitos dos povos originários.
André gravou uma canção indígena do povo guarani, em ritual que incluía a benção de seus filhos. A partir dessa gravação, surgiu a ideia de produzir uma obra sonora. André adicionou uma suave melodia ao violão, e Roger criou um intrincado solo no sax, que segue em um crescendo até um complexo duelo em duas vozes. A faixa foi batizada de “Caboclo”, para simbolizar as entidades indígenas que se expressam na Umbanda e no Candomblé, com o intuito de mostrar a importância do respeito às religiões em um momento de forte intolerância.
O resultado foi tão bom que o grupo resolveu produzir mais uma obra. A segunda música, chamada de “Maria Padilha de Monteserrat”, faz alusão ao espírito da mulher livre e sedutora Maria Padilha, entidade mais recorrente na Umbanda, embora haja também o seu culto em terreiros de Candomblé. A partir de uma gravação dos sinos do Mosteiro de Monteserrat, próximo de Barcelona, Roger criou uma bela melodia ao sax.
O mosteiro abriga a imagem da Virgem Negra de Montserrat, padroeira da Catalunha. Entre os estudiosos do tema, o “avatar” da pomba-gira Maria Padilha ora se refere à mulher que foi amante e rainha de Dom Pedro I de Castela, na Espanha, ora à história da cigana presente na trama de “Carmen”, da ópera de Bizet.
A arte visual ficou à cargo de William Hebling que, coincidentemente desenvolvia uma série chamada “Pele de Imagem”, ou “Utupa Siki”, que se refere a um retrato na linguagem yanomami. William associou o livro “A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami”, de Bruce Albert e Davi Kopenawa Yanomami às notícias de assassinatos de indígenas e devastação ambiental. A série é composta de onze figuras com rostos desenhados com folhas, lã, agulhas e tinta acrílica prateada. A tinta remete ao mercúrio usado nos garimpos ilegais que contaminam rios e terras indígenas. Foi o casamento perfeito com o som que os outros três estavam criando.
Todo o trabalho foi feito à distância: André em Brasília, Roger e Nicolau em São Paulo, e William produziu as artes em sintonia com os sons em Rio Claro (SP).
Com elementos sonoros que remetem às forças da natureza e manifestações dos homens, as faixas pretendem ser um canal para sensibilizar quem as ouve e, desta forma, gerar sentimentos de mudança.