Por que a compulsão por compras pode estar ligada a questões inconscientes?
Por que a compulsão por compras pode estar ligada a questões inconscientes?
Vivemos em uma sociedade que associa consumo à felicidade, pertencimento e identidade. O ato de comprar, para muitos, vai além da necessidade objetiva — torna-se uma válvula de escape emocional. Mas o que está por trás do impulso descontrolado de consumir?
Na perspectiva da psicanálise, a compulsão por compras pode ser compreendida como um sintoma psíquico, revelando conflitos inconscientes mais profundos do que a simples vontade de adquirir bens.
Freud nos mostrou que o sujeito humano não é regido apenas pela razão, mas por desejos inconscientes que muitas vezes são reprimidos, deslocados e simbolizados. A compulsão por compras pode funcionar como um deslocamento de um desejo recalcado — um substituto simbólico para algo que não se pode obter diretamente. Assim, o ato de comprar pode representar uma tentativa de preencher um vazio interno, muitas vezes relacionado à falta de afeto, reconhecimento, validação ou sentido existencial. O objeto comprado, nesse cenário, torna-se um substituto momentâneo para o que não pode ser adquirido emocionalmente.
Muitos indivíduos relatam um ciclo emocional claro na compulsão por consumo: um pico de ansiedade que antecede a compra, seguido por um alívio momentâneo e, logo depois, sentimentos de culpa, arrependimento ou vergonha. Esse ciclo é indicativo de um sintoma: algo que tenta satisfazer uma necessidade inconsciente, mas que retorna como sofrimento. Para a psicanálise, esse padrão pode apontar para conflitos ligados à autoestima, à relação com o desejo do outro, à necessidade de ser visto ou à tentativa inconsciente de suprir carências afetivas originadas na infância. A compra, nesse caso, é uma tentativa de resolver simbolicamente aquilo que permanece não elaborado.
A cultura contemporânea intensifica esse mecanismo ao associar o valor do sujeito ao que ele possui. Não raro, o indivíduo começa a construir sua identidade a partir do consumo: roupas, tecnologias, experiências. A compulsão aparece, então, como uma tentativa constante de reafirmar um “eu” que se sente vazio ou perdido. Sob esse ponto de vista, o consumo se torna uma armadura psíquica. Em vez de lidar com o que sente, o sujeito adquire — como se o objeto comprado pudesse falar por ele, protegê-lo daquilo que não quer ou não consegue nomear.
A escuta analítica, ao contrário de oferecer respostas prontas, busca compreender o sujeito em sua singularidade. Em um processo terapêutico, o compulsivo não é rotulado nem reduzido à sua compulsão: ele é convidado a falar, a associar livremente, a construir sentidos a partir do que aparentemente é apenas repetição. A partir do trabalho com o inconsciente, é possível compreender o que essa compulsão representa para o sujeito: o que ela encobre, o que ela revela, o que ela repete. Ao nomear os afetos envolvidos e entrar em contato com a verdade do seu desejo, o sujeito pode, pouco a pouco, elaborar o que o leva a buscar no exterior algo que, na verdade, pertence ao seu mundo interno.
A compulsão por compras não deve ser encarada apenas como um desvio de comportamento ou um problema de autocontrole. Ela pode ser um sintoma significativo de conflitos inconscientes mais profundos, que merecem escuta, acolhimento e elaboração. O consumo desmedido pode calar dores psíquicas que precisam ser ouvidas — e a psicanálise oferece um espaço privilegiado para essa escuta.
Em vez de julgar o sintoma, é preciso compreender o que ele quer dizer. Afinal, todo excesso esconde uma falta.