TRÓIA (CALL CENTER)


2007

(vídeo | mini-dv transferido para ficheiro digital, cor, som, 5 min 53 s)


A acção, ou melhor, a ausência de acção deste vídeo, desenrola-se num call center.


De início, um espaço de trabalho com características panópticas, surge aparentemente vazio e, gradualmente, vai-se revelando habitado por pessoas – funcionários da empresa – que se encontram a dormir no seu local de serviço.


Essa inactividade tem uma dupla leitura. Tanto pode ser interpretada numa perspectiva subversiva de resistência passiva, onde se põe em causa valores relacionados com o utilitarismo, a funcionalidade, as normas, a eficácia, a velocidade, a competitividade ou a estrutura hierárquica; como pode ter uma leitura de âmbito social mais alargado, enquanto metáfora para questionamento do estado do mundo – apático, submisso, adormecido – perante as relações de poder nos actuais sistemas de organização social.


O vídeo serve-se ainda – através do título – do mítico episódio grego da conquista de Tróia, referência no nosso imaginário ocidental. Pretendeu-se desta forma criar um paralelismo entre as imagens e a incauta cidade que dormia enquanto no seu interior se encontrava oculto aquilo que a havia de tomar. Embora possamos estar perante uma Tróia já conquistada e os corpos tombados, inanimados estabeleçam uma analogia com a própria morte (segundo os antigos gregos, a morte é o estado último de libertação, pois o corpo deixa de estar dependente de necessidades, incluindo físicas, e a necessidade é na realidade a maior causa de escravidão). Talvez seja mesmo o próprio espaço de trabalho que lentamente tenha adquirido uma capacidade devoradora sobre os corpos.


É como se ao longo do vídeo se fossem estabelecendo processos de resistência por neurastenia e simultaneamente, em consequência de um processo de psicastenia, houvesse uma crescente indistinção entre os indivíduos e o lugar. Tal deve-se ao facto de por via de uma acção muito minimal, este vídeo pretender abrir-se a várias leituras.


Acrescente-se como determinante para a origem do trabalho, a influência que teve em mim o pensamento político e filosófico de Michel Foucault sobre os sistemas panópticos, assim como o facto de eu próprio me encontrar então a trabalhar num call center. Naquele call centre. Em
horário e espaço de trabalho. Subvertendo o lado utilitário e produzindo a partir dessa ação um trabalho artístico. O qual simultaneamente reflete sobre o sistema socioeconómico contemporâneo e permite conquistar um espaço de liberdade e resistência.


O vídeo foi projetado num antigo espaço de escritórios vazio (no Espaço Avenida 211) ainda com as calhas das tomadas de electricidade, telefone e internet no chão e com material de iluminação de escritório e aparelhos de ar condicionado no tecto.





Este vídeo foi seleccionado para Jovens Criadores ’07 (uma seleção nacional e anual de jovens artistas em Portugal) e para LOOP - festival de videoarte de Barcelona, em 2008.