OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS



2014

(videoinstalação | HD vídeo, ecrã dividido, 10 vídeos em 5 projeções em loop, 16:9, cor, som)

Esta obra de Rui Mourão foi efetuada entre 2012 e 2014 e consiste num registo áudio e vídeo de performances, efetuadas por ativistas dos chamados novos / novíssimos movimentos sociais, no âmbito da crise financeira, social e política e da intervenção da Troika, em Portugal.

O trabalho aqui apresentado consiste em 5 projeções multimédia sobre 10 performances que o artista selecionou, das muitas dezenas realizadas, assim como o registo áudio em 5 postos de escuta, com testemunhos vários dos participantes e autores destas performances “artivistas”, revelando nestes registos as suas convicções, expectativas e objetivos.

O artista seguiu de perto alguns destes ativistas, com estratégias apartidárias e de forte convicção na capacidade da arte em agir no âmbito social e político. Esta contestação “artivista” tem tido repercussão mundial, desde 2008, na sequência dos movimentos
Occupy e como resposta ao colapso financeiro global recente, sendo um elemento novo na tessitura social e política da democracia ocidental, desavinda que está a sociedade com os modelos representativos da mesma.

Rui Mourão seguiu uma metodologia de “colaboração participativa” o que desde logo, coloca o seu trabalho em estreita articulação com as relações que a arte contemporânea tem efetuado entre antropologia e etnografia, como modelos mais eficazes e comprometidos de análise e exploração estética da realidade.

Num país em que a democracia se tornou um conceito não participativo, tornando difícil o exercício da cidadania, o papel da arte colaborativa, aqui apresentado, torna-se essencial. O Museu deve, também, integrar o artista enquanto produtor e exercer uma análise crítica quanto ao seu papel legitimador do autor.

Esta obra é também a possibilidade de resiliência aos ditames que o sistema das artes espera dos artistas, uma dose de rebeldia e subversão q.b., mas que não inspire discursos críticos e de reflexão.

Rui Mourão está, claramente, entre uma nova geração de artistas atenta às dinâmicas sociais e políticas, consciente duma aproximação efetiva da arte ao mundo, recuperando uma utopia subjacente ao discurso artístico, em que a arte pode contribuir para a transformação do mesmo.

Texto de Emília Tavares (curadora da exposição)



Descrição da instalação multimédia:

Vídeo # 1: Estátuas de Luto / Em Luta

Por ocasião da visita oficial da chanceler Angela Merkel a Portugal (12/11/2012), o grupoQue se Lixe a Troika cobriu dezenas de estátuas públicas com faixas negras em diversos pontos do país. Foi uma forma de protesto que segundo o comunicado de imprensa do coletivo pretendeu ser um “sinal não de luto, mas de luta contra a troika, pela defesa da democracia e dos nossos direitos”.



Vídeo # 2: Ensaio sobre o Desemprego

Ação realizada por desempregados numa repartição da segurança social, situada no Areeiro, em Lisboa (30/09/2010), no contexto de uma oficina de
Teatro do Oprimido, método de "teatro invisível" desenvolvido por Augusto Boal. Queixando-se do tempo de espera, do absurdo de certa burocracia e da falta de condições do local para tantos desempregados, os performers conseguiram obter o apoio de outras pessoas desempregadas na sala para criar uma enorme confusão improvisada de gente a protestar.


Vídeo # 3: Somos Todos Capitães

Happening realizado pelo Colectivo Negativo frente à Assembleia da República (30/10/2012) com soldadinhos de brincar sitiando metaforicamente o parlamento. Os transeuntes eram convidados a participar na performance artivista, colaborando na montagem de uma instalação com milhares de pequenos militares de plástico apontando as suas armas ao parlamento junto às grades de segurança que o protegiam. Simultaneamente ouvia-se uma gravação com crianças entrevistadas a expressarem os seus sonhos para o futuro.


Vídeo # 4: Da Peste – Urbi et Orbi

Outro happening do Colectivo Negativo, desta vez realizado frente ao Ministério da Saúde (08/04/2013) em defesa do Sistema Nacional de Saúde. A ação contra os cortes orçamentais nessa área, com diminuição da qualidade do serviço e crescentes custos de acesso suportados pelos doentes, teve a colaboração do grupo Slap – hand to hand na percussão. A ação consistiu numa alegórica assombração do Ministério da Saúde a partir das figuras medievais das Danças Macabras e do Doutor da Peste, que leram um texto adaptado d’ “O Teatro e a Peste” de Antonin Artaud.


Vídeo # 5: Porco Capitalista na Manifestação

Um homem vestiu-se de fato e gravata, pôs um disfarce de cabeça de porco e posicionou-se frente a um banco situado na Rua do Ouro que sabia estar no percurso que a grande manifestação desse dia faria em Lisboa (2/3/2013). Quando as pessoas na manifestação passavam junto ao banco, essa figura de charuto na mão, fazia gestos snobs a afastá-las de perto do “seu” banco. Durante umas horas aquele arrogante porco antropomorfizado foi a provocadora caricatura do excludente modelo económico-financeiro.


Vídeo # 6: Luxo no Metro

Tendo lugar no metropolitano de Lisboa (22/06/2012), esta performance artivista partiu da iniciativa dos Indignados de Lisboa, como protesto pelos significativos e repetidos aumentos dos títulos de transporte público num curto período de tempo. Os seus participantes fantasiaram-se de "gente rica" e andaram pelas estações e carruagens em grande festa, convivendo, dançando e bebendo falso champanhe. Numa abordagem agit-prop, com humor e ironia, argumentavam que a escalada de preços tornaria o metro mais exclusivo que inclusivo. De forma caricaturada apenas poderia ser usado por ricos.



Vídeo # 7: Grândola Interrompe Sessão Parlamentar

Esta ação do movimento Que se Lixe a Troika, rompendo o status quo institucional no parlamento por ocasião do discurso do primeiro-ministro Passos Coelho (15/02/2013), é de todas as performances artivistas a que teve mais repercussão mediática e impacto nacional. É totalmente inesperado o momento em que das galerias da assistência, as pessoas se levantam e as suas vozes ocupam o espaço da “Casa do Povo” afirmando “o povo é quem mais ordena”. Que ecoasse para a entidade máxima do governo, a força daquela canção (senha de mítica revolução), vinda da zona dos representados para a dos representantes políticos, veio pôr em cena um conflito ideológico que colocou o primeiro-ministro no papel metafórico de opositor dos valores do 25 de Abril, apropriando-o para o interior da performance ao convertê-lo em involuntário performer da ação.


Vídeo # 8: Lírica Subversiva nas Comemorações do 5 de Outubro

Quando as anuais comemorações da implantação da República decorreram num local de acesso interdito ao cidadão comum – no Pátio da Galé (05/10/2012) – com o regime fechado sobre si próprio, uma cantora lírica infiltrou-se cantando uma música histórica de resistência contra a ditadura do Estado Novo: "Firmeza" de Fernando Lopes-Graça. Afirmando-se a partir de uma interpretação musical com uma lógica simbólica de contrapoder semelhante à performance da "Grândola" no parlamento, esta performance artivista teve uma diferença muito interessante. Demonstrou que uma só pessoa – mesmo se independente de coletivos ou do aparelho político de partidos, sindicatos, associações patronais ou governos – pode ter um poder muito mais forte e interventivo na esfera pública do que a grande maioria das pessoas imagina. Para tal é fundamental que a comunicação se exerça como elemento surpresa, num espaço e/ou tempo significativos, com dimensão emotiva e seja transmitida pelos mass media e/ou internet.


Vídeo # 9: Exército de Dumbledore no Metro

Ação de subvertising realizada no metro de Lisboa pelo coletivo Exército de Dumbledore, em oposição ao atual sistema político-económico, por ocasião da visita de Angela Merkel a Portugal (12/11/2012). O subvertising é um conceito que reporta à subversão da publicidade afixada em cartazes, mupis ou outdoors, alterando a mensagem inicial da marca ou colocando outra mensagem em seu local, numa lógica criativa de pirataria anticapitalista.


Vídeo # 10: Troca de Bandeiras nos Paços do Concelho

Um homem com uma máscara de Darth Vader (famoso vilão da saga cinematográfica “Guerra das Estrelas”), durante a noite subiu com um escadote à varanda da câmara municipal de Lisboa, retirou a habitual bandeira e hasteou a bandeira da Monarquia (10/08/2009). Pelo humor e pelo bizarro dessacralizou-se um símbolo da República, invertendo o famoso gesto praticado naquele lugar (o hastear da bandeira da República na revolução de 1910). A performance foi registada em vídeo, colocada na internet e reivindicada pelo 31 da Armada, grupo político de Direita. Verifica-se pois que asperformances artivistas, embora tenham sido mais usadas pela Esquerda, independentemente do posicionamento ideológico servem como medium de contrapoder subversivo, permitindo a qualquer pessoa motivada tornar-se num ator político a ocupar a esfera pública e a contribuir para o exercício da Democracia.


Áudio:

Auricular # 1

(duração: 43:18)

Entrevistada: Ana Maria Pinto, 32 anos, cantora lírica, fundadora do Coro de Intervenção do Porto; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Lírica Subversiva nas Comemorações do 5 de Outubro”).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: estação de metro do Cais do Sodré.

Entrevistado: Henreles Henrique, 26 anos, artista visual e de artes do espetáculo, frequenta um mestrado em Encenação, membro-fundador do Colectivo Negativo, participou em 2 das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Somos Todos Capitães” e “Da Peste – Urbi et Orbi”).

Entrevista realizada em: março de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: um café de esquina frequentado por jovens junto ao Ministério da Saúde.

Entrevistada: Joana Freches Duque, 23 anos, atriz, frequenta um curso de Pesquisa e Composição Coreográfica, membro-fundador do Colectivo Negativo, participou em 2 das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Somos Todos Capitães” e “Da Peste – Urbi et Orbi”).

Entrevista realizada em: março de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: um café de esquina frequentado por jovens junto ao Ministério da Saúde.




Auricular # 2

(duração: 01:11:58)

Entrevistado: Duarte Guerreiro, 27 anos, formação em Belas-Artes, desempregado, tem colaborado regularmente com vários grupos / indivíduos ativistas; filmou uma das 10performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (embargo informacional).

Entrevista realizada em: janeiro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: Clube Estefânia, durante um workshop de Livestream.

Entrevistada: Lídia Fernandes, 39 anos, bolseira de investigação da FCT em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo, ativista ligada a movimentos feministas, antirracistas e pelo direito à habitação, como a UMAR, a Marcha Mundial de Mulheres e a Habita, é militante no BE; participou numa das 10 performances artivistascujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Ensaio sobre o Desemprego”).

Entrevista realizada em: outubro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: campus do ISCTE.



Auricular # 3

(duração: 01:15:23)

Entrevistado: Pedro Feijó, 21 anos, estudante universitário em Estudos Gerais - curso organizado conjuntamente pelas Faculdades de Belas-Artes, Ciências e Letras, tem colaborado regularmente com vários grupos / indivíduos ativistas; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (embargo informacional).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: hall de entrada do Cinema S. Jorge.



Auricular # 4

(duração: 01:19:21)

Entrevistado: Ricardo Castelo Branco, 46 anos, desempregado, licenciado em Letras – Português / Francês, membro-fundador de A Luta, colabora regularmente com outros grupos / indivíduos ativistas; participou em 2 das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Luxo no Metro” e “Grândola Interrompe Sessão Parlamentar”).

Entrevista realizada em: outubro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: escadas de acesso ao bar Pensão Amor.

Entrevistado: Rodrigo Moita de Deus, 36 anos, consultor de comunicação de empresas, membro-fundador do blogue 31 da Armada, monárquico, membro da comissão política nacional do PSD; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Troca de Bandeiras nos Paços do Concelho“).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: gabinete de uma empresa.



Auricular # 5

(duração: 01:20:45)

Entrevistado: João Pestana, 56 anos, técnico de comunicação e informação aeronáuticas, membro-fundador dos Indignados de Lisboa, membro-fundador da Assembleia Popular de Algés, foi membro ativo na Acampada do Rossio em 2011; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Luxo no Metro”).

Entrevista realizada em: outubro de 2013

Local da entrevista / paisagem sonora: Praça do Rossio

Entrevistada: Joana Manuel, 37 anos, atriz, membro do coletivo Que se Lixe a Troika, tem colaborado regularmente com outros grupos / indivíduos ativistas; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Grândola Interrompe Sessão Parlamentar”).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: frente à Assembleia Nacional da República.






A propósito e a partir de uma reflexão sobre as múltiplas dimensões e conteúdos da videoinstalação apresentada no MNAC foi simultaneamente editado um livro. O seu título — Ensaio de Artivismo — apresenta metodologias simples e eficazes de contrapoder artístico-ativista (tomando exemplos concretos já realizados e documentados) que se podem aplicar na esfera pública com vista a serem úteis à comunidade. O livro assume-se como um verdadeiro manual potenciador de ação artivista, sobretudo a partir do corpo e da imagem, por meio da performance e do vídeo. A obra é portanto uma extensão da própria exposição no que em si transversalmente acrescenta à dimensão audiovisual e performativa do trabalho de Rui Mourão. O catálogo inclui textos de David Santos e de Emília Tavares a par do ensaio de Rui Mourão e ainda reprodução da documentação visual presente na videoinstalação.