LA MILAGROSA


2016

(videoinstalação | HD vídeo, ecrã dividido, 10 vídeos, 5 projeções em loop, 16:9, cor, som)

LA MILAGROSA (2016) surgiu de uma profunda pesquisa que desenvolvi em torno do universo da Santería, sincretismo religioso entre divindades de origem africana e religiosidades de matriz católica, que ao longo da História se geraram na assimilação e resistência aos poderes coloniais e pós-coloniais em Cuba, continuando a existir apesar dum contexto oficialmente ateu.


Ao serem proibidos os ancestrais rituais africanos dos escravos, estes dissimulavam-nos na adoração a santos católicos que adoptavam com nomes dos seus deuses ancestrais, os chamados "orixás". Esses altares encontravam-se inicialmente no canto mais oculto dos barracões dos escravos e atualmente encontram-se num canto escondido dos quintais ou, de forma mais assumida, colorida e encenada, na sala de entrada das casas, como os altares de objetos que surgem no vídeo, testemunho visual duma correspondência com a mitologia ioruba trazida de África com o tráfico negreiro.


Há todo um panteão de deuses através de santos, cores, flores e objetos. Por exemplo, água e elementos marinhos, correspondem à deusa do mar e da maternidade - Yemayá - sincretizada com a Virgen de Regla, pelo que a sua cor é o azul marinho. Elementos de cor amarela ou acobreada e que sejam doces ao paladar (ex: bananas) correspondem à deusa do amor e da sensualidade Oshún. Por sua vez os elementos de madeira trabalhada e as cores vermelha e branca correspondem a Changó, que se sincretiza com São Marcos e Santa Teresa, e é "el Orisha de los truenos, los rayos, la justicia, la virilidad, la danza y el fuego. Fue en su tiempo un rey, guerrero y brujo". Pode ser evocado por tambores e cânticos, como o "Canto para Changó" que se escuta na banda sonora deste vídeo, interpretado por Abbilona, um grupo de referência histórica na música ritual da Santería.


O vídeo elabora uma exploração visual de crenças e práticas que levam o espectador dos altares domésticos de uma "santera" (isto é, uma mulher que trabalha com
Santeria), passando por um dos mais belos cemitérios da América latina, em Havana (o Cemitério Cristóval Colón, assim nomeado em honra do famoso "descobridor" europeu da América) e terminando numa das maiores procissões de Cuba, a São Lázaro (correspondente ao orixá Babalú-Ayé, curador de enfermidades).


Do ponto de vista formal,
La Milagrosa encontra-se na linha estética e conceptual que venho desenvolvendo há anos, funcionando a vídeoarte como meio, a antropologia visual como processo e a dimensão performativa das práticas culturais como objeto de análise. A composição de todo o vídeo faz-se em jogos duplos de imagens lado a lado, como binómios visuais. Desse modo pretendeu-se obter combinações de sentidos além da simples soma das imagens isoladas (em que não seja apenas: imagem A + imagem B = sentido AB; mas sim: imagem A + imagem B = sentido ABC).