Do outro lado do quadro (o pó da História) é um trabalho que consiste num vídeo com esse mesmo nome e numa caixa de luz que contextualiza o vídeo.


A caixa de luz apresenta uma ampliação de recibo verde relativo a um salário de quando trabalhei no Palácio Nacional de Sintra como assistente, durante cerca de um ano, em regime de trabalho temporário. É nesse sentido que, subvertendo uma situação do campo da funcionalidade e necessidade, criei um trabalho artístico no próprio local e horário laboral de assalariado. Procurei assim conquistar um espaço de liberdade, numa espécie de intromissão reflectora e reflexiva do plano pragmático.


Como acontece frequentemente na minha prática artística, identifiquei uma situação do real e desloquei-a do seu contexto original para ser reinterpretada com outro sentido. A situação que se isolou e enquadrou foi a seguinte: na semana das limpezas do palácio, fixei-me no acto de tirar o pó da parte de trás de um quadro. Esse quadro não era um quadro qualquer.


Tratava-se de um quadro do rei D. Sebastião que se crê ser uma cópia realizada por Alonso Sanchez Coello (?) segundo original de um outro quadro de Sofonisba Anguissola realizado em Espanha para o Infante D. Carlos (filho de Filipe II de Espanha e de D. Maria de Portugal, que viveu de 1545 a 1568).


Esse quadro é portanto cópia de um outro original. Mas é uma cópia que se apropriou do original para se tornar num outro original. Nele foi pintado um escudo português e uma inscrição que diz o seguinte: Retrato del Rei D. Sebastião I décimo sexto de Portugal feito na era de 1671.


Com a acção de retirar o quadro da parede, virá-lo, tirar-lhe o pó de trás para posteriormente o voltar a pendurar — documentando em vídeo a situação performativa —, procurei estabelecer uma reflexão e atitude crítica sobre questões ligadas à identidade nacional, aos seus mitos e à necessidade de limpar o pó da História que se legitimou com base em construções ficcionais.