AS BOTAS DE ESTALINE


2012 - 2013

(vídeo | HD vídeo, ecrã dividido, cor, som, 11 min 59 s)

No âmbito da residência artística de um mês que fiz em Budapeste, ao abrigo de um programa de intercâmbio entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Município de Budapeste, desenvolvi um trabalho de videoarte que se dividiu em dois. Apesar de ambos terem as mesmas imagens, têm edições e formatos distintos. Há a versão monocanal em split screen e há a versão de videoinstalação com múltiplas projeções.


No formato de videoinstalação foi inicialmente apresentada na MMG - Magyar Mühely Galéria em Budapeste e posteriormente na Galeria Quadrum, no Palácio dos Coruchéus, em Lisboa. O vídeo em split screen foi selecionado para o
FUSO - Anual Internacional de Videoarte de Lisboa.


As imagens foram captadas em Memento Park, museu ao ar livre em Budapeste dedicado a estatuária monumental do período comunista húngaro (1949-1989). O título do trabalho evoca uma estátua de grandes dimensões de Estaline, da qual no parque só resta a base com as botas. Ou melhor: uma réplica das mesmas.


Para mim o espaço desse parque é bastante paradigmático do tipo de apropriação política, social, cultural e económica que cada sistema de poder vigente faz em relação aos símbolos dos sistemas de poder anteriores, sobretudo aqueles em relação aos quais se opõe. O projeto reflete portanto sobre a forma como a História é permanentemente reescrita.


Mais do que uma reflexão sobre o comunismo ou o capitalismo, este trabalho pretendeu ser uma reflexão mais alargada em relação ao destino efémero de todos os impérios e sistemas de poder e à sua releitura histórica em função da visão de cada época. Parte do princípio de que o passado não é uma coisa estática, meramente factual e definitiva, numa ordem cronológica de catalogação fechada.


Como escreveu José Marmeleira no catálogo da exposição: "A História persegue a História". A visão do passado é portanto dinâmica, segundo as reinterpretações constantes de acordo com o contexto presente, ou melhor, de acordo com cada um dos contextos presentes que se vão sucedendo. Nesse sentido é extremamente política, sempre dependente do ponto de vista dominante no presente, ou seja, dos vencedores da História.


No caso único de Memento Park, as apropriações e reinterpretações do passado chegaram a situações tão idiossincráticas como usar estatuária de uma ditadura para legitimar um regime como democrático ou turistificar iconografia comunista para obter lucros.


Em termos formais, por via da videoarte, criei um constante duplo jogo de imagens. Por este meio procurei obter combinações de sentidos além da simples soma das imagens individuais (em que não seja apenas: imagem A + imagem B = sentido AB; mas também: imagem A + imagem B = sentido C).


Ainda pela edição criei uma espécie de coreografia de movimentos dos turistas em oposição à imobilidade das estátuas de grande dimensão. As imagens contêm pois uma performatividade do local, a qual foi registada numa lógica entre a videoarte e a antropologia audiovisual.