ARQUIVO


2007

(instalação | prateleiras metálicas de escritório, objectos pessoais, produtos de consumo)

Este trabalho consistiu numa instalação pensada e realizada enquanto site-specific. O edifício onde se realizou a exposição tem uma história própria, de cerca de um século. Inicialmente foi construído com fins habitacionais (para alta-burguesia), mas o desenvolvimento urbano da cidade converteu a Av. da Liberdade na zona mais nobre para o sector terciário, tendo as residências sido adaptadas para servir como local de escritórios e alugadas a empresas. Posteriormente o edifício foi desocupado, mas permaneciam no espaço as marcas das suas anteriores ocupações.


Em particular, foi escolhida para a realização desta instalação uma divisão que funcionou no passado como arquivo e armazém de escritório. A empresa que aí funcionou, ao abandonar o edifício, retirou todos os seus conteúdos da sala e apenas deixou as estantes metálicas vazias. O que fiz como artista foi servir-me desse equipamento de arrumação de escritório previamente existente e começar a armazenar aí bens alimentares, produtos de higiene e limpeza, caixas, caixotes, sacos, sapatos, entre outros objectos do lar. Pretendi dessa forma criar uma subversão da função inicial de arquivo – elemento de organização laboral – através de uma apropriação pessoal que estabelecesse uma nova funcionalidade, tradicionalmente doméstica: a despensa.


A ocupação do espaço vazio do antigo arquivo foi feita com produtos e objectos pessoais trazidos da casa que no meu percurso de vida havia recentemente deixado. Empacotados, mas ainda sem novo destino, decidi depositá-los e arrumá-los nas referidas prateleiras de escritório. Acrescente-se a estas fortes memórias, o facto de um dos meus primeiros empregos temporários, como estagiário de uma empresa, ter sido em grande parte passado num arquivo.


A partir destas vivências procurei cruzar a minha própria história com a história particular do espaço – um escritório que inicialmente havia sido uma habitação. A instalação convocava o carácter doméstico original e simultaneamente individualizava e personalizava um equipamento de vocação utilitária, organizacional. O resultado foi um cruzamento entre o domínio do privado (o indivíduo / a casa) e o domínio do público (o colectivo / o trabalho).


Todos estes cruzamentos e reconversões funcionais estabeleceram-se em torno do conceito de depósito. Depósito enquanto espaço de arrumação e memória, onde se guarda o que não tem utilidade imediata e que habitualmente não convêm estar à vista, mas que tão pouco se deseja perder, pois pode vir a ter uma possível funcionalidade futura.